Em Lisboa, o Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases foi temporariamente encerrado devido à Situação de Alerta para incêndios, uma vez que está incluído no Regime Florestal. Embora apenas uma parte do parque seja efectivamente florestal, todo o espaço foi fechado. Será que precisa mesmo de ser assim?
Sabias que existem verdadeiras “pequenas florestas” no coração de Lisboa? São áreas verdes integradas na malha urbana, que, por estarem sob o Regime Florestal, são tratadas como florestas. O exemplo mais conhecido é Monsanto, mas há vários outros parques urbanos em Lisboa classificados total ou parcialmente como áreas florestais. Um desses parques é o Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases, no Lumiar, e foi por essa razão que esteve temporariamente encerrado no início desta semana.
O que aconteceu?
No domingo, 15 de Setembro, o Governo declarou Situação de Alerta em todo o território nacional devido ao elevado risco de incêndio. Esta situação, que vigorou até terça-feira, dia 17, incluiu a aplicação de várias medidas excecionais, entre as quais a “proibição do acesso, circulação e permanência no interior dos espaços florestais”. A declaração foi justificada por uma onda de calor extremo, agravada pela seca, fatores que aumentam significativamente o perigo de incêndios.
Dado que o Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases está incluído no Regime Florestal, o acesso ao parque foi encerrado. A medida afetou igualmente outras áreas florestais, tanto em Lisboa como na área metropolitana. Na capital, além da Quinta das Conchas, também o Parque da Bela Vista, a Mata de Alvalade e o Parque do Vale do Silêncio, nos Olivais, estiveram temporariamente fechados. A Quinta das Conchas e dos Lilases, em particular, está classificada sob o Regime Florestal desde 1994, a pedido da Câmara Municipal de Lisboa, que é responsável pela gestão deste espaço verde com 22 hectares.
De acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o Regime Florestal permite a protecção das florestas do país, isto é, “não só à criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, e conveniente ou necessária para o bom regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias no litoral marítimo”.
Só uma parte da Quinta das Conchas é efectivamente “floresta”
No entanto, apesar de todo o Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases estar incluído no Regime Florestal, apenas uma pequena parte é considerada uma verdadeira zona florestal. A Câmara de Lisboa descreve o parque como composto por “três zonas distintas”: a Nave Central da Quinta das Conchas, a Mata e a Quinta dos Lilases. “A Nave Central, área de maiores dimensões, é constituída por amplos relvados pontuados por árvores, vistas desafogadas, que convidam a jogos de bola e piqueniques na relva”, enquanto que a Mata é “uma zona florestal mais densa e com a natureza mais intacta”. “Separada da Quinta das Conchas por um muro, temos a Quinta dos Lilases, de ambiente mais recatado, com o seu célebre lago artificial, de inspiração romântica, representando as ilhas de São Tomé e Príncipe”, explica ainda a autarquia no seu site.
Dado que apenas a Mata constitui efectivamente uma zona florestal, porque foi encerrado todo o Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases? Não seria possível manter a Nave Central, uma área predominantemente relvada e de baixo risco, aberta ao público? O LPP questionou a Câmara Municipal de Lisboa sobre esta questão, mas a resposta foi limitada, indicando apenas que o parque “está sujeito à servidão administrativa de Regime Florestal, pelo que se encontra encerrado (…), conforme determinado pelo Ministério da Administração Interna”.
O encerramento total do parque surpreendeu muitas pessoas, como testemunhou o LPP no local. Na segunda-feira, ao meio-dia, várias famílias, trabalhadores da zona e transeuntes depararam-se com os portões fechados, sem aviso prévio. Muitas destas pessoas utilizam regularmente o parque para passear cães, fazer piqueniques ou simplesmente atravessá-lo a caminho da escola ou do trabalho. A falta de informação afixada deixou os utilizadores perplexos, e o facto de o parque ter sido encerrado apenas ao final do dia de domingo, e não durante horas de maior calor, gerou ainda mais confusão.
Poderia haver outra alternativa?
A Junta de Freguesia do Lumiar, por seu lado, foi mais clara na sua resposta ao LPP. Explicou que tanto da Câmara Municipal como da Junta houve uma vontade de “proceder a uma segmentação das áreas, justificando-se, sim, encerrar a zona florestal da Quinta dos Lilases e a parte florestal da Quinta das Conchas” e disse que, “considerando que a área ajardinada seria de risco sobejamente baixo, não se justificaria o seu encerramento”. Mas dado todo o parque estar enquadrado dentro do Regime Florestal, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, responsável pela aplicação das medidas, não permitiu encerrar o parque parcialmente.
De acordo com a Junta, havendo esta “convergência de posicionamento” com a Câmara, “o Senhor Vereador Ângelo Pereira [com a tutela dos espaços verdes] contactou directamente o Senhor Secretário de Estado no sentido de que o encerramento não fosse extensível à área da Quinta das Conchas com risco diminuto. No entanto, dada toda a área – Quinta dos Lilases e Quinta das Conchas – estar classificada como espaço em regime florestal, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil não deu anuência ao solicitado, motivo pelo qual se efectivou o encerramento total dos espaços”a-t-il expliqué.
Ou seja, Câmara e Junta concordaram que, tendo a Quinta das Conchas e dos Lilases efectivamente uma zona florestal, só esta poderia ser fechada. Mas a classificação de 1994 de todo o espaço como um parque florestal, não permite essa agilidade. Portanto, para que futuras declarações de Situação de Alerta não fechem totalmente parques urbanos, é necessária uma revisão da classificação das áreas verdes enquadradas no Regime Florestal. Num cenário de alterações climáticas, em que se prevê maior ocorrência de fenómenos extremos como o que experienciamos esta semana, com ondas de tempo muito quente e seco, propício a incêndios, pode fazer sentido planear respostas preventivas mais ágeis que permitam manter os parques urbanos da cidade, protegendo, ao mesmo tempo, as suas áreas florestais. Até porque, em dias de calor, esses parques são também refuges climatiques fundamentais para as populações, em particular as mais vulneráveis.