Avis.
Neste domingo, 22 de Setembro, a Ribeira das Naus voltou a estar totalmente fechada ao trânsito automóvel e aberta às pessoas, algo que não acontecia há quatro ou cinco anos. Porque não torná-la assim todos os domingos?
Este domingo, 22 de Setembro, a Ribeira das Naus voltou a estar totalmente encerrada ao trânsito automóvel e aberta às pessoas, o que já não acontecia há quatro ou cinco anos. Para assinalar a Semana Europeia da Mobilidade e, em particular, o Dia Europeu Sem Carros, a Câmara de Lisboa surpreendeu tudo e todos ao cortar o trânsito nesta avenida ribeirinha da cidade, que atravessa o Terreiro do Paço e que liga o Cais do Sodré ao Campo das Cebolas. Durante o dia, todo o espaço rodoviário esteve disponível para caminhar e pedalar à vontade, contemplando o rio e o silêncio.
O encerramento da Ribeira das Naus aos carros não é inédito. Em Agosto de 2018, a autarquia então liderada pelo socialista Fernando Medina lançava a iniciativa A Rua É Sua, promovendo o fecho daquela artéria aos carros todos os domingos e feriados daquele mês. O aparente sucesso da iniciativa levou a Câmara a prolongar o encerramento temporário da Ribeira das Naus aos domingos a partir de Setembro, transformando toda aquela zona num local de lazer, de silêncio e de contemplação do rio. No entanto, em 2020, meteu-se a pandemia e, apesar de esta ter trazido uma discussão sobre a necessidade de recuperar espaço público ao automóvel, a Câmara, que continuava nas mãos de Medina, nunca retomou o A Rua É Sua na Ribeira das Naus e meio que fingiu que nunca tinha acontecido.
Faltou ambição, assertividade e, cima de tudo, coerência aos socialistas.
Já em 2014, quando o Presidente era António Costa (PS), antecessor de Medina, se falava na pedonalização temporária da Ribeira das Naus, meses depois de concluídas a segunda fase de requalificação daquele eixo. O então autarca chegou a admitir, numa reunião de Câmara, que a Ribeira das Naus não teria carros aos fins-de-semana e durante as férias escolares. O gabinete de Costa dizia ao Público que o objectivo era que “o maior número de pessoas, as crianças e as famílias” pudesse, “usufruir deste espaço espectacular”. A ideia tinha colhido algum apoio à direita, com João Gonçalves Pereira, vereador do CDS, a dizer que via com bons olhos a solução adoptada e com António Prôa, do PSD, a achar a ideia “interessante à partida” mas com dúvidas sobre se tinha sido feito algum estudo de tráfego que sustentasse o corte e se as alternativas existentes eram as adequadas.
Quanto entre 2013 e 2014 se deu uma nova face à frente ribeirinha entre a Praça do Comércio e a Ribeira das Naus, pretendia-se que a circulação automóvel nessa zona fosse muito reduzida. Isso mesmo pode ser visto pelo desenho das vias e pelos materiais escolhidos pelos arquitectos, que pretendiam quase estabelecer uma área de coexistência entre veículos e peões. Mas essas intenções não chegaram a afirmar-se na prática, por a Ribeira das Naus ter assumido uma posição central na ligação entre as zona ocidental (Belém) e a parte oriental (Parque das Nações) da cidade de Lisboa.
Todavia, essa ligação pode ser feita com a chamada 5ª Circular, uma ideia dos planos mais antigos da capital e que Carlos Moedas (PSD/CDS) recuperou, ainda que sem o sucesso anunciado. Contudo, se se cortasse efectivamente o trânsito na Ribeira das Naus, os condutores passariam a só conseguir aceder, de um lado, ao Cais do Sodré e, do outro, ao Campo das Cebolas/Terreiro do Paço, o que levaria a que esse trânsito passasse a ser efectivamente local – isto é, de carros que tivessem como destino estas partes da cidade mas que não quisessem atravessar de um lado ao outro. Todos os carros que fossem esse trânsito de atravessamento teriam forçosamente de utilizar a 5ª Circular, entre Santos/Alcântara e Chelas/Marvila, para ir da zona ocidental à oriental. A interrupção da circulação na Ribeira das Naus pode ser o ingrediente que falta para a 5ª Circular resultar.
(Note-se que o corte da Ribeira das Naus não esteve previsto no ambicioso plano da ZER Avenida-Baixa-Chiado (ZER ABC), que Medina apresentou em 2020 para revolucionar toda a área da Baixa e do Chiado, a partir de uma parte da Avenida da Liberdade. Um plano que Medina, em 2021, acabou por suspender e que Moedas não quis depois, em 2022, recuperar. Na ZER ABC entendia-se que ser necessário manter a circulação na frente ribeirinha, para compensar as restrições na malha pombalina.)
Mas falemos, para já, de encerramentos temporários. Durante este domingo, na Ribeira das Naus reinou o silêncio – excepto durante as horas em que um comício do PCP, que não deveria ter sido realizado naquele local, naquele dia – e sentiu-se aquela brisa do rio. Não houve buzinas impacientes, ruído de motores ou pneus, nem poluição de tubos de escape. Muitas pessoas aproveitaram o espaço extra para caminhar, ainda que com algum receio, por força do hábito de aquela área não ser pedonal. Porque não cortar mais vezes o trânsito na Ribeira das Naus? Porque não fazê-lo todos os domingos, como já aconteceu antes, durante dois anos no pré-pandemia?
Estes encerramentos temporários, em dias de menor trânsito, podem ser um bom compromisso entre manter as ligações rodoviárias durante os dias úteis e oferecer espaços de lazer nos dias de descanso. E podem, acima de tudo, ajudar a criar novos hábitos nas populações, mostrando às pessoas o que determinadas ruas, avenidas ou praças poderiam ser com outros usos.