As reuniões públicas da Câmara de Lisboa deixaram de ter público presencial na altura da pandemia. Agora, o PS e os restantes partidos de esquerda defendem o regresso ao modelo anterior, que permitia aos cidadãos acompanharem, ao vivo, as discussões, votações e decisões dos vereadores. No entanto, Carlos Moedas parece estar confortável com o formato actual.
É em reuniões de câmara, habitualmente privadas, que os vereadores de uma autarquia local votam propostas e tomam decisões. Participam não só os vereadores que integram directamente o governo da cidade – ou seja, que têm pelouro –, mas também os vereadores cuja função é a de oposição. Por lei, as câmaras são obrigadas a que uma dessas reuniões mensais, pelo menos, seja pública, isto é, que toda e qualquer munícipe possa assistir na íntegra às discussões, votações e deliberações.
Em Lisboa, as reuniões públicas acontecem uma vez por mês, geralmente na última quarta-feira do mês. Ils sont transmitidas en ligne, através do YouTube, sendo, desta forma, de acesso público. Em cada reunião, os cidadãos têm um momento específico no qual podem participar para expôr os seus problemas e situações, mediante uma inscrição prévia e a confirmação de que essa inscrição foi concedida (existe uma selecção porque o tempo das reuniões é limitado, as inscrições são muitas, e nem todos os temas são para serem tratados em reuniões de câmara). Até à pandemia de Covid-19, os munícipes podiam também assistir às reuniões públicas na sala onde decorrem, isto é, podiam acompanhar ao vivo todas as discussões, votações e decisões. Mas sem poderem intervir.
Desde a pandemia de Covid-19 que as reuniões públicas da Câmara de Lisboa deixaram de ter público presencial. Agora, o PS e os restantes partidos de esquerda defendem o regresso ao modelo anterior. No entanto, Carlos Moedas parece estar confortável com o formato actual.
Os argumentos do PS
“Senhor Presidente, o PS tem vindo – outras forças políticas à volta desta mesa também – ao longo do mandato a solicitar que se cumpra a lei e o Regimento da Câmara para que o público possa assistir presencialmente a estas reuniões públicas”, comentou Inês Drummond (PS), no início da reunião pública de câmara do passado dia 27 de Novembro. “A única altura em que estas reuniões deixaram de ter público presente foi durante a Covid, por motivos óbvios. Já deixámos de estar em Covid há muito tempo e temos solicitado que estas reuniões públicas passem a ser públicas como sempre foram. O facto de serem passadas em streaming não as torna públicas.”
Naquela sessão, a vereadora socialista esperava ver discutida e apreciada uma proposta do partido para que as reuniões públicas da Câmara de Lisboa voltem a ter público a assistir. “Ao fim de três anos de insistência, o PS apresenta uma proposta no sentido de que de imediato a Câmara possa cumprir o que está previsto na lei e no Regimento”, disse, acusando Moedas de dar “as mais diversas desculpas, nomeadamente que a sala de sessões públicas da Câmara está em obras”. Para a vereadora do PS, “há outras soluções e alternativas”, como usar o Fórum Lisboa, na Avenida de Roma – espaço onde todas as terças-feiras, ao final do dia, decorrem as reuniões da Assembleia Municipal.
O que dizem a lei e o Regimento da Câmara?
A Lei nº 75/2013, que estabelece o Regime Jurídico das Autarquias Locais, refere que “os órgãos executivos das autarquias locais realizam, pelo menos, uma reunião pública mensal” e que essas reuniões têm de ser publicitadas, “com indicação dos dias, horas e locais da sua realização, de forma a promover o conhecimento dos interessados com uma antecedência de, pelo menos, dois dias úteis sobre a data das mesmas”. No entanto, a lei não indica se as reuniões públicas devem ter o público na sala onde decorrem, se este público deve assistir à sessão numa outra sala da câmara municipal ou se há streaming, permitindo que as pessoas possam assistir confortavelmente às discussões em casa. A lei ressalva apenas o seguinte: “A nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas.”
Por seu lado, o Regimento da Câmara Municipal de Lisboa, documento que determina as regras específicas desta autarquia, detalha o funcionamento das reuniões públicas na capital:
- é realizada no final do mês, geralmente na última quarta-feira, sendo que “a Câmara pode deliberar a realização de outras reuniões públicas”. Iniciam-se às 15 horas, e têm essencialmente três partes: um Período da Ordem do Dia, em que os vereadores trazem temas para discutirem de livre; depois a discussão das propostas que estão agendadas na Ordem de Trabalhos; e um momento de intervenção do público, que se inicia às 18h30;
- neste período de intervenção do público, podem participar até 15 munícipes, que têm de se inscrever previamente. Os temas devem ser “preferencialmente, de interesse colectivo e/ou público, dando-se ainda preferência a questões não previamente abordadas em sede de reunião pública de Câmara”. Cada pessoa tem três minutos para falar e três para receber uma resposta.
- as reuniões públicas são “transmitidas em directo, ficando os registos vídeo das mesmas disponíveis na página de internet do Município”.
O Regimento também não refere que as reuniões públicas têm de ter público a assistir na sala.
“A lei é muito clara: prevê todos os meses uma reunião pública, mas não prevê que essa reunião deve ter público na sala, é preciso é que o público possa acompanhar.” Foi esta, por isso, a resposta de Carlos Moedas à vereadora Inês Drummond.
Reuniões com público eram mais “vivas e agitadas”
O Presidente da Câmara de Lisboa não parece ter vontade de recuperar o modelo antigo. Mas, à esquerda do PS, outros vereadores apoiaram a proposta socialista.
João Ferreira, vereador do PCP, disse estar de acordo com “esta ideia de que reuniões publicas devem ter o público presente”. “Não faz sentido termos reuniões públicas de câmara em que mandamos as pessoas que querem assistir a esta reunião para uma sala, onde ficam ver a reunião pela televisão. Quase que parece que o senhor presidente tem medo que o público possa assistir a estas reuniões”, argumentou. “Sei que não é isso que se passa, mas parece. O seu mandato ficará marcado por ser o único em que as reuniões públicas de câmara não tiveram público a assistir.”
Por seu lado, Paula Marques, vereadora pelo Cidadãos Por Lisboa (CPL), disse que “todos conhecemos a lei”, mas lembrou que as reuniões públicas com público presente “eram muito vivas e agitadas do que são as nossas e acho que isso era importante”. “Eu era vereadora com pelouro – e com um pelouro dificil, o da habitação – e muito confronto tive nas reuniões públicas com a população. A mim fez-me muito bem”, disse. Para Paula Marques, a presença de público é também uma forma de os cidadãos poderem ver como funciona uma câmara municipal. E contou uma história: “Estávamos ainda agora a almoçar e estávamos com um jovem imigrante, brasileiro, que ficou muito curioso, sabendo que trabalhávamos na Câmara, com o funcionamento desta. Eu procurei-lhe transmitir, mas nada melhor do que ele ver. Queria convidá-lo para vir aqui [à reunião pública], depois lembrei-me que era online.”
Pandemia introduziu um novo modelo
Até ao início da pandemia de Covid-19, as reuniões públicas da Câmara de Lisboa decorriam numa sala própria para estas sessões, com público sentado a assistir, que podiam acompanhar toda a reunião. Hoje, apenas as pessoas que se inscrevem para intervir podem ir à sala onde estão sentados os vereadores e o Presidente da Câmara; e podem fazê-lo apenas no período destinado à intervenção do público. As pessoas são chamadas à vez para fazerem a sua intervenção: entram na sala, falam e depois saem. Enquanto esperam, têm uma sala onde podem assistir à reunião por uma televisão.
A pandemia trouxe não só uma alteração ao modelo de funcionamento das reuniões de câmara, mas também ao local. Para promover o distanciamento social e salvaguardar a segurança de todos, as reuniões públicas passaram a decorrer na Sala do Arquivo, mais ampla, em vez de na designa Sala das Reuniões Públicas. A transmissão destas sessões através do YouTube (os vídeos são incorporados no site da autarquia) não foi uma inovação do Covid-19; já acontecia muito antes da situação pandémica e tem-se mantido ao longo dos anos, sendo o Município de Lisboa, aliás, um exemplo por esta boa prática, que permite alargar o alcance destes conteúdos.
Pode ser questionada se é realmente pública uma reunião de câmara transmitida através de uma plataforma privada de um gigante tecnológico e num meio, o en ligne, que está longe de ser universal/acessível a todas as pessoas. Certo é que praticamente todos os municípios na Área Metropolitana de Lisboa já fazem a transmissão das suas reuniões públicas através da internet. Setúbal disponibiliza gravações de todas as reuniões, incluindo as das reuniões privadas. Coimbra faz o mesmo desde o actual mandato. O modelo de reunião pública transmitida apenas en ligne e sem público presente acontece noutras autarquias. É o caso da do Porto – como referiu Moedas, em resposta à insistência do PS neste tema. “No Porto é exactamente como aqui estamos a fazer”, respondeu.
“Devemos ser a única câmara que têm as reuniões em que é vedado o acesso ao público”, criticava Inês Drummond, depois de ter ouvido Moedas sem vontade de alterar a dinâmica actual das reuniões públicas e de recuperar o antigo modelo. “A lei das autarquias locais diz que o público pode estar presente”, alegava a vereadora socialista, voltando a pedir que “estas reuniões sejam públicas com acesso ao público”, porque, diz, “uma reunião que é transmitida, muitas vezes com cortes ou interrupções, não é uma reunião pública”. “Imagine na Assembleia da República o público ser impedido de assistir porque há um Canal Parlamento que divulga as sessões parlamentares”, concluiu.
No entendimento dos socialistas, há mesmo uma “ilegalidade”. A proposta que o PS apresentou para que as reuniões públicas voltem ao modelo antigo – com público presente – deveria ter sido apreciada na reunião pública da passada quarta-feira, 27 de Novembro. No documento, os socialistas dizem que, desde o fim da pandemia de Covid-19, declarado em Maio de 2023, “não se justifica que se mantenha qualquer restrição ao modelo de funcionamento das reuniões públicas da Câmara Municipal, nomeadamente vedar o acesso a quem presencialmente queira assistir à reunião, independentemente de estar inscrito para nela participar”. A proposta, se for aprovada, compromete o Município com a reabertura das reuniões públicas à população; se tal não for possível nos Paços do Concelho, deverá ser encontrada outra solução, noutro edifício municipal.
Ainda não se sabe quando o texto dos socialistas será apreciado.