As cidades podem ser “desenhadas por quem as vive” e este livro mostra-o com histórias de Marvila

O livro Cidades Desenhadas Por Quem As Vive transforma em casos de estudo vários projectos participativos que, entre 2018 e 2023, foram desenvolvidos em três bairros de Marvila.

Este livro “pretende constituir uma reflexão sobre as possibilidades e desafios da prática de arquitectura e de urbanismo com participação cidadã” (fotografia LPP)

Ao longo de cinco anos, o atelier de arquitectura Rés-do-Chão tem estabelecido relações com alguns bairros de Marvila, estimulando processos participativos junto de populações habituadas a não serem ouvidas. Agora, alguns desses projectos foram transformados em casos de estudo e documentados num pequeno livro, que procura destacar a importância da participação no desenho das cidades.

Cidades Desenhadas Por Quem As Vive foi apresentado nesta quinta-feira, 5 de Dezembro, ao final da tarde, na Trienal de Arquitectura de Lisboa. “Cidades desenhadas por quem as vive. É uma frase que usamos muito na Rés-do-Chão porque acreditamos que dessa forma vamos ter cidades mais resilientes e representativas, porque são a imagem de mais pessoas”, comentou Margarida Marques, co-fundadora da Rés-do-Chão. “Este é um livro com casos de estudo de projectos feitos em Marvila, em particular nos bairros dos Alfinetes, das Salgadas e Marquês de Abrantes. Quem nunca foi a estes bairros deveria aproveitar a curiosidade deixada pelo livro e irem visitar.”

“As cidades são, inequivocamente, o resultado de uma construção colectiva ao longo de séculos e um organismo vivo que se transforma constantemente para se adaptar a novas necessidades e exigências impostas por novas formas de viver. Esta publicação pretende constituir uma reflexão sobre as possibilidades e desafios da prática de arquitectura e de urbanismo com participação cidadã, nomeadamente no contexto português, através de testemunhos complementares sob diferentes formatos: entrevistas, apresentação de casos de estudo e textos de opinião.

Os casos de estudo seleccionados – projectos com impacto no desenho urbano realizados nos bairros dos Alfinetes, das Salgadas e Marquês de Abrantes, freguesia de Marvila, em Lisboa, entre 2018 e 2023 – procuraram uma alternativa ao paradigma ‘top-down’ de construção da cidade, e propuseram um modelo colectivo e participativo que questiona o papel da arquitectura na identificação de necessidades e na resposta às formas de vida das comunidades. Estas questões são particularmente relevantes visto que a participação cidadã no desenho das cidades pode reflectir e reforçar os valores democráticos, para além de criar cidades mais inclusivas, justas e sustentáveis.”

– introdução de Cidades Desenhadas Por Quem As Vive
Cidades Desenhadas Por Quem As Vive (fotografia LPP)

São oito os projectos apresentados em Cidades Desenhadas Por Quem As Vive. Desde o processo participativo desenvolvido para a qualificação das pracetas de três quarteirões do bairro dos Alfinetes, ao parque urbano que a população de Marvila conseguiu convencer a Câmara de Lisboa a construir, passando por um festival “pop-up” que trouxe espectáculos culturais para a rua e juntou as pessoas depois de um ano de isolamento por causa da pandemia, por um estudo participativo que destacou as carências da mobilidade em Marvila, pela criação de uma loja comunitária que passou a funcionar como uma pequena “Loja do Cidadão” em bairros sem este tipo de serviços de proximidade.

Os projectos destacados no livro encaixam numa linha temporal entre 2018 e 2023, tendo o seu desenvolvimento coexistindo em alguns casos. “Não é uma coisa linear. As coisas são complexas e vão-se relacionando. Há várias coisas a acontecer no mesmo lugar, todas se influenciam e interligam-se umas nas outras”, explicou Margarida. A Rés-do-Chão não foi a única interveniente nos casos de estudo, com as iniciativas a reunirem outros parceiros, como a Biblioteca Municipal de Marvila, a Gebalis, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou a Junta de Freguesia de Marvila.

Além dos casos de estudo, o livro tem três textos: Roberto Falanga escreve sobre a “participação democrática e reivindicação de espaços públicos”; Ricardo Santos apresenta ideias e aprendizagens a partir da SAAL; e a própria Rés-do-Chão apresenta a sua visão sobre arquitectura participativa e algumas ferramentas de co-desenho que desenvolveu. Há ainda várias fotografias, que ajudam a descrever os projectos e o contexto dos Alfinetes, das Salgadas e Marquês de Abrantes.

“Qualquer processo participativo também é um processo político”

A apresentação do livro juntou uma centena de pessoas na Trienal de Arquitectura de Lisboa, entre moradores de Marvila, urbanistas e arquitectos, e meros curiosos/entusiastas por cidades. Durante esse encontro o sociólogo Roberto Falanga sublinhou a importância de colocar os processos participativos em perspectiva, evitando idealizações que possam gerar desilusões. “Se não percebemos o que o processo pode alcançar na escala local, corremos o risco de idealizar e carregar a participação com perspectivas impossíveis de cumprir”, alerta. Essa abordagem realista é essencial para compreender os limites e as possibilidades de cada iniciativa. “Qualquer processo participativo também é um processo político. Não devemos ter medo de discutir ideias políticas, caso contrário, despolitizamos os processos participativos”, acrescentou. Falanga também chamou atenção para os desafios actuais da democracia, observando que os processos participativos locais não podem, por si só, resolver esses problemas, mas alertando que “qualquer processo participativo pode ter efeitos inesperados”.

Apresentação do livro na Trienal (fotografia LPP)

Por outro lado, o arquitecto Ricardo Santos destacou a relevância de garantir que os processos participativos reflictam as vontades reais das comunidades envolvidas. “É importante sabermos se o processo participativo que queremos desenvolver é da vontade das pessoas que dele vão ser alvos”, disse, afirmando ainda que “a ideia de construir uma cidade com as pessoas que fazem os territórios é fundamental”. Ricardo sugere a necessidade de combinar estratégias de planeamento local com uma visão mais ampla, coordenada a nível nacional, para garantir consistência e impacto dessas medidas mais micro. “Um plano maior, articulado localmente, pode ser a chave para processos mais eficazes”, sugeriu. Durante o evento, e no seu texto, o arquitecto reflecte sobre aprendizagens históricas, como a SAAL, que enfrentou desafios na implementação de medidas participativas.

Cidades Desenhadas Por Quem As Vive é editado pela Tigre de Papel, estando disponível tanto online, no site desta livraria, como ao vivo e a cores no número 25 da Rua de Arroios.

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