A cabine do Elevador da Glória destruída no descarrilamento de quarta-feira não será recuperada, mas a Carris garante que Lisboa não vai ficar sem “o seu Elevador da Glória”. A empresa promete investir num “novo elevador” com “ainda mais segurança”, mas tal ainda deverá demorar algum tempo. Para já, há esclarecimentos e novos documentos relacionados com o trágico acidente.

O veículo do Elevador da Glória que ficou praticamente destruído com o descarrilamento desta quarta-feira, 3 de Setembro, “não é recuperável”, confirmou o Presidente da Carris, Pedro Bogas, numa conferência de imprensa nesta quinta-feira. Mas a Carris pretende avançar com a recuperação do equipamento para que a cidade não fique sem o seu Elevador da Glória.
“Vamos continuar a ter o Elevador da Glória na cidade de Lisboa”, adiantou o Presidente da empresa, em resposta a uma questão do LPP. “Vamos ter o novo elevador, com ainda mais segurança. Atendendo a todos os aspectos que resultarem do inquérito, vamos fazer o investimento para a cidade de Lisboa voltar a ter o seu Elevador da Glória”, adicionou Pedro Bogas.
Certo é que qualquer intervenção para repor o Elevador da Glória deverá durar ainda alguns anos. Segundo o responsável, o veículo acidentado está neste momento com a Polícia Judiciária para a investigação em curso e só depois será devolvido à Carris. Momento a partir do qual poderá começar a ser planeado o futuro. A Carris não revelou até ao momento a criação de um serviço de substituição, por exemplo, com autocarros mini para este trajecto.

Pedro Bogas respondia numa conferência de imprensa que a Carris organizou na tarde desta quinta-feira, dia 4, para responder a questões dos jornalistas sobre o acidente com o Elevador da Glória que, na véspera, vitimou mortalmente 15 pessoas de imediato, tendo mais uma morte sido confirmada entretanto. Devido a um descarrilamento, uma das cabines do Elevador da Glória terá soltado-se ao qual está presa e ganho uma grande velocidade num percurso que tem uma altura acentuada, até embater num edifício, ficando completamente destruída. As causas do acidente ainda estão por apurar e decorrem três investigações.
Um elevador histórico
Foi inaugurado em 1885, tendo por isso 140 anos. O Ascensor da Glória, mais conhecido como Elevador da Glória, é parte do património histórico da cidade de Lisboa. Tornou-se, nos últimos anos, também uma atracção turística mas é e sempre foi, acima de tudo, um importante membro importante da rede de mobilidade da cidade: assegura a deslocação entre a Baixa (Restauradores) e o Bairro Alto (Miradouro de São Pedro de Alcântara).
Na verdade, o Ascensor da Glória ajuda a vencer uma subida dura de fazer a pé. Para quem trabalha no Bairro Alto – por exemplo, na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa –, é um transporte essencial no seu dia-a-dia. Serve também as muitas senhoras de limpeza que, de manhã bem cedo, limpam escritórios ou alojamentos turísticos naquela zona alta da cidade. De certa forma, o Ascensor da Glória completa a Linha Azul do Metro de Lisboa, possibilitando que quem saia na estação dos Restauradores consiga subir a encosta.
O Elevador da Glória integra uma rede de ascensores de Lisboa que foram construídos para facilitar os acessos às zonas mais íngremes da cidade. Se o Ascensor da Glória fazia a ligação ao Bairro Alto, o do Lavra permite chegar dos Restauradores ao Campo Mártires da Pátria. Já o Ascensor da Bica liga a zona do Cais do Sodré ao Bairro Alto e o Elevador de Santa Justa é a forma mais fácil de subir até ao Carmo. Todos estes equipamentos faziam parte de um plano de elevadores do século XIX, que não chegou a sair totalmente do papel.



O Ascensor do Lavra foi o primeiro a ser inaugurado, em 1884, seguindo-se o da Glória, em 1885 e, por fim, o da Bica, em 1892. O Elevador de Santa Justa apareceu apenas em 1902. Estes equipamentos foram construídos por Raoul Mesnier du Ponsard, arquitecto portuense, de origem francesa, conhecido por ter construído muitos elevadores e funiculares em Portugal. Em 1926, passaram da Companhia de Ascensores Mechanicos de Lisboa para a Companhia Carris de Ferro de Lisboa – ou seja, para a Carris, empresa que está hoje sob gestão municipal e que resultou da união das diferentes companhias que operavam autocarros, eléctricos e elevadores na capital.
Nos últimos anos, esta rede de elevadores de Lisboa tem sido expandida com a participação da EMEL, que tem vindo a concretizar o chamado Plan général d'accès doux et assisté à Castle Hill, lançado em 2009 pela Câmara de Lisboa. Deste plano, faz parte o Funicular da Graça, um equipamento que foi inaugurado em 2024 e que ajuda a chegar ao Largo da Graça, funcionado em conjunto com as Escadinhas da Saúde, um troço de escadas rolantes junto à praça do Martin Moniz. Está ainda em funcionamento o Elevador do Castelo, que ajuda a subir a Colina do Castelo, e o Elevador da Sé, que ajuda a ir desde o Campo das Cebolas até à Sé. Estes equipamentos, além de mais recentes, são gratuitos e estão a ser geridos pela EMEL; só o Funicular da Graça está previsto passar para a Carris e passar a ter cobrança de bilhetes, numa operação semelhante às dos restantes ascensores de cor amarela.
Segundo dados do Relatório e Contas da Carris de 2024, 26,3% de passageiros dos ascensores nesse ano viajara com passe – um ligeiro aumento em relação ao ano anterior –, isto é, serão aproximadamente 1/4 os os passageiros que usam estes equipamentos para o seu commute diário. A restante fatia é de passageiros que ora usam viagens pré-compradas (zapping, por exemplo) ou compram tarifas de bordo – estimando-se, por isso, que sejam passageiros ocasionais, na sua maioria turistas. Os elevadores da Carris somaram 1,8 milhões de passageiros em 2023 e 2,1 milhões em 2024 – um aumento de perto de 13%.
A cabine do Elevador da Glória destruída no descarrilamento de quarta-feira não será recuperada, mas a Carris garante que Lisboa não vai ficar sem “o seu Elevador da Glória”. A empresa promete investir num “novo elevador” com “ainda mais segurança”, mas tal ainda deverá demorar algum tempo. Para já, há esclarecimentos e novos documentos relacionados com o trágico acidente.

O Elevador da Glória percorre a Calçada com o mesmo nome. É um trajecto que tem apenas 265 metros, mas uma inclinação acentuadíssima de 17%. É uma inclinação tal que chegou inclusive a inspirar uma prova amadora de ciclismo, a Subida à Glória, que foi realizada entre 1913 e 1926 e recuperada a partir de 2013.
O sistema de funcionamento do elevador mantém-se igual desde 1885, isto é, com um sistema de tracção funicular: há duas cabines ligadas entre si por um cabo de aço, que corre por baixo dos dois carris (o ascendente e o descendente). Quando uma cabine sobe, a outra desce, equilibrando os pesos. Nos primeiros anos, este contrapeso funcionou com água e um sistema mecânico: em cada cabine, havia um depósito que era enchido ou esvaziado consoante se pretendia que a cabine descesse ou subisse. Chegou ainda a funcionar a vapor mas em 1915, o elevador foi integralmente electrificado, mantendo o sistema de tracção funicular.

Cada cabine transporta cerca de 40 pessoas. O salão tem com dois bancos corridos de costas viradas para as janelas. De uma forma geral, principalmente nas subidas, todo o espaço é ocupado por passageiros de pé, tal a procura que o elevador costuma ter. Chegou a ter, junto aos Restauradores, um pórtico-abrigo para a venda de bilhetes.

Inquérito interno a decorrer; Carris esclarece jornalistas
A Carris tem em curso um “inquérito interno, para o qual contaremos também com a colaboração de consultores externos”, reforçou Pedro Bogas na conferência de imprensa desta quinta-feira, reforçando uma informação que já tinha sido divulgada na véspera.
Carris, Polícia Judiciária e Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) estão os três a investigar. No que toca à parte da empresa municipal, o seu Presidente adiantou que, com a suspensão da operação de todos os outros elevadores, mandatada por Moedas, será feita “uma rigorosa inspecção técnica feita por uma entidade externa nos próximos dias”, finda a qual esses equipamentos voltarão a operar.

Bogas disse que a Carris será “intransigente no apuramento das causas e responsabilidades deste acidente” e sublinhou que “o plano de manutenção deste equipamento foi escrupulosamente cumprido”. Esta manutenção “está externalizada, pelo menos, desde 2007” e nas mãos da MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, Lda (que opera com a designação comercial de MAIN) desde 2019, depois de esta empresa ter vencido os concursos públicos lançados para esse fim nesse ano e em 2022. “(A MAIN) foi a um concurso público que houve em 2019 e foi a proposta vencedora. Em 2022 houve um novo concurso público e essa empresa voltou a apresentar a proposta vencedora”, referiu.
“Actualmente, está a ser feita o abrigo de um contrato, celebrado no dia 20 de Agosto, que iniciou a sua vigência no dia 31 de Agosto, cuja cópia disponibilizaremos no final desta conferência de imprensa”, acrescentou. A existência deste contrato coloca um ponto final na alegação de que a Carris tinha deixado o Elevador da Glória sem manutenção, uma vez que o contrato firmado em 2022 com a MAIN tinha terminado a 31 de Agosto deste ano, de acordo com a documentação disponível no portal Base. A Carris já tinha afirmado que existia um novo contrato desde 1 de Setembro, mas não o tinha divulgado.

Pedro Bogas afirmou que esta nova contratação (que é, no fundo, um prolongamento do contrato anterior) foi feita por ajuste directo e por um prazo de cinco meses, “que é o tempo que necessitamos para avançar com o concurso público”. Esse novo concurso público vai ter de ter um valor superior a 1,2 mil euros, que foi o preço-base do procedimento lançado em Abril deste ano e que não teve propostas abaixo desse valor – motivo pelo qual esse concurso acabou suspenso, em Agosto.
“O preço-base do contrato subiu de 995 mil euros (contrato de 2022) para 1,2 mil euros. Mesmo assim, não foram apresentadas propostas abaixo do preço-vaso. Portanto, as propostas que foram apresentadas foram excluídas”a-t-il expliqué. “Precisamente porque não podíamos ficar sem a manutenção dos ascensores e do elevador, de imediato celebrámos um ajuste directo com a empresa que estava a assegurar essa manutenção”, indicou, referindo que, “como é um ajuste directo feito no âmbito dos sectores especiais, não é publicado na plataforma Base”, onde costuma ser possível consultar toda a documentação relacionada com contratação pública.

O Presidente da Carris tem confiança de que as manutenções foram “bem efectuadas”. “Estas inspeções e este protocolo de manutenção é o mesmo de há muitos anos. O Elevador da Glória tem funcionado ininterruptamente com esta manutenção, e nunca tivemos problema. Portanto não tínhamos nenhuma razão para pôr em causa a prestação que estava a ser efectuada”, garantiu, explicando que se tivesse sido detectada alguma falha na inspecção diária que fora realizada na manhã de quarta-feira “não tinha havido operação”. O relatório dessa inspecção de rotina, que demorou sensivelmente 30 minutos, foi divulgado pelo jornal Observador; no documento, é referido que o “ascensor tinha todas as condições para operar” e que o cabo deveria ser substituído dentro de 263 dias, ou seja, dentro oito a nove meses.

“As inspecções que são feitas ao cabo são diárias. O cabo vai correr na roldana onde é feita a inspecção. Como disse, são procedimentos que têm décadas e sempre funcionaram, felizmente bem, até à data de ontem”, assegurou. O Presidente da Carris disse também que não se recordava de ter discutido “qualquer tema” relativamente à manutenção dos ascensores com os sindicatos, mas ressalvou que “todas as matérias que são discutidas são imediatamente portadas à manutenção e imediatamente resolvidas pela manutenção”. “Nunca houve uma crítica ao sistema geral dos nossos ascensores, nem ao funcionamento dos nossos ascensores”, disse, respondendo às alegações que algumas vozes, como a do líder da FECTRANS, que se têm levantado.

A manutenção dos elevadores da Carris é das poucas da empresa municipal que está externalizada – os autocarros e eléctricos são, de forma geral, mantidos pela própria Carris. Pedro Bogas diz que essa decisão foi tomada “no passado por anteriores Conselhos [de Administração)” por ser uma manutenção que “exige conhecimentos muito específicos” e “empresas altamente especializadas”. “Inclusive são eles que fornecem todas as peças e que, em alguns casos, fabricam as próprias peças. Porque estes veículos são muito antigos e muitas vezes já não têm peças no mercado e têm de ser fabricadas. Isso é tudo fiscalizado por nós”a-t-il expliqué.
Mas sobre a futura relação com a MAIN, Bogas deixa uma ressalva: a confiança existe mas “vamos ver os resultados do inquérito, que vai também precisar sobre o desempenho da empresa. Até agora não tínhamos qualquer queixa”, referiu aos jornalistas.
A conferência de imprensa decorreu na sede da Carris em Miraflores, Oeiras. Estiveram presentes várias pessoas da chefia da empresa, mas ausente o Presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que se tem esquivado de perguntas dos jornalistas. Na conferência de imprensa, a Carris deu a oportunidade a todos os meios presentes de fazer uma pergunta, pelo menos, e disponibilizou tradução simultânea em inglês para os jornalistas internacionais, uma vez que este acidente tem corrido o mundo.
A Polícia Judiciária (PJ) tem estado também a investigar, mas ainda não há, até agora, qualquer indício de que tenha havido crime intencional. Contudo, a PJ admite a eventual existência de crimes de homicídio negligente, violação das regras de segurança e homicídio por omissão, cuja construção jurídica é mais complexa. Por seu lado, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) irá divulgar na tarde desta sexta-feira, dia 5, uma nota informativa dando conta das constatações iniciais confirmadas. O relatório preliminar só será publicado previsivelmente num prazo de 45 dias, ou seja, já depois das eleições autárquicas, o que tem gerado alguma controvérsia.
“Poderá não ser” um cabo que se tenha soltado, já tinha adiantado Pedro Bogas, discretamente, na conferência de imprensa desta quinta-feira – uma teoria que contraria a ideia inicial, avançada pelos bombeiros, e que está também em cima da mesa do GPIAAF.
A Carris previa, no Plano de Actividades e Orçamento (PAO) para 2025, que este ano tivesse “início o processo de remotorização do Ascensor da Bica. Trata-se de um equipamento centenário, que face à sua antiguidade, necessita de substituir alguns dos órgãos que se encontram obsoletos e com grandes limitações no seu funcionamento” (uma remotorização é, no fundo, colocar um motor novo no equipamento). Já para 2027 está previsto “o início da remotorização dos elétricos históricos” (a última última grande remotorização foi feita nos anos 1990), com o objectivo de “manter estes veículos em circulação, na medida em que constituem ícones da cidade de Lisboa”.
Quanto ao Elevador da Glória, este tinha passado, em 2022, uma manutenção geral (que é feita de quatro em quatro anos) e que envolveu uma intervenção profunda; e, em 2024, por uma inspecção intercalar (feita de dois em dois anos).