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Parlamento volta a pressionar Governo com as metas cicláveis para 2025 e 2030

Fotografia cortesia de Catarina Lopes

Até 2025, 3% de todas as viagens em território nacional deverão ser de bicicleta e, até 2030, esse valor deverá subir para 7,5%. Já nas cidades, a quota modal de viagens em bicicleta deverá chegar aos 4% em 2025 e aos 10% cinco anos depois. Estas são, pelo menos, as metas traçadas pelo Governo na Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 (ENMAC 2020-2030), que o Parlamento praticamente em uníssono pede ao executivo para acelerar.

Que estratégia é esta?

Alinhada com uma estratégia para “reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e atingir a neutralidade carbónica nos próximos 30 anos”, o Governo apresentou em 2019 uma estratégia para promover a mobilidade ciclável no país, “onde a maioria da população ainda usa carro próprio para grande parte dos seus percursos” e se procura agora “a transferência de utilizadores para modos de deslocação mais sustentáveis e ativos, como a bicicleta”.

A concretização desta estratégia colocará Portugal ao nível de outros países onde esta prática já está enraizada, permitindo maximizar benefícios para a saúde das populações, retirar carros das ruas, devolver o espaço público, aliviar o congestionamento urbano, baixar os níveis de ruído e reduzir a poluição atmosférica. Com uma estratégia integrada e clara na área da mobilidade ativa ciclável, pretende-se tornar Portugal num país «orgulhosamente ativo», onde pedalar é uma atividade segura e amplamente praticada, constituindo uma opção de mobilidade acessível e atrativa, e assim maximizando benefícios para a saúde, economia, emprego, ambiente e cidadania.

Resolução do Conselho de Ministros n.º 131/2019

A ENMAC 2020-2030, que pode ser consultada aqui, estabelece além das metas de quota modal outros objectivos, nomeadamente uma extensão total de ciclovias no país de 5 mil km até 2025 e de 10 mil km até 2030, e a ainda a redução da sinistralidade rodoviária de ciclistas em 25% até 2025 e em 50% até 2030. A estratégia envolve vários agentes, incluindo o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), a IP (Infraestruturas de Portugal), a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) ou a MUBi – Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta.

Os principais objectivos

Através da ENMAC 2020-2030, Portugal pretende:

  • aperfeiçoar o Código da Estrada e o Regulamento de Sinalização de Trânsito para melhor incluir a bicicleta e os direitos dos velocípedes;
  • assegurar aos trabalhadores boas condições para se deslocarem de bicicleta para o local de trabalho, em particular balneários e vestiários, com carácter obrigatório para médias e grandes empresas de qualquer setor de atividade;
  • incluir na cobertura do seguro escolar os acidentes envolvendo alunos que se deslocam para a escola de bicicleta;
  • implementar redes cicláveis de forma concertada entre as comunidades intermunicipais (CIM), as áreas metropolitanas ou entre os respectivos municípios, garantindo desenho compatível, continuidade de traçados e adequada manutenção;
  • fomentar fora das localidades o desenvolvimento de ecovias – percursos calmos e atrativos, com pouco ou nenhum tráfego automóvel e forte potencial para ligação intermunicipal, podendo incluir troços fora de estrada;
  • promover as bicicletas de carga nos sistemas de logística (cargas e descargas), em particular no primeiro e último km;
  • eliminar descontinuidades na rede ciclável e obstruções nas vias para ciclistas;
  • generalizar medidas de acalmia de tráfego em zonas urbanas, com implementação de zonas de coexistência ou a eliminação do tráfego de atravessamento do centro das localidades, por exemplo;
  • tornar as intersecções para ciclistas seguras e confortáveis, por exemplo, como bike boxes;
  • massificar a instalação de estacionamentos de bicicletas, por exemplo, tipo Sheffield;
  • promover percursos cicláveis para desporto e lazer;
  • estimular a integração da bicicleta com o transporte público, nomeadamente o ferroviário e o fluvial;
  • fomentar a implementação de sistemas públicos de bicicletas partilhadas;
  • introduzir o ensino da bicicleta nas escolas e fomentar a cidadania rodoviária nas escolas de condução para protecção dos utilizadores mais vulneráveis da rodovia;
  • melhorar a formação de motoristas profissionais para a presença da bicicleta na estrada;
  • promover a participação pública através de fóruns e de encontros;
  • aumentar o número de agentes da autoridade de bicicleta;
  • intensificar a fiscalização do cumprimento do Código da Estrada pelos utilizadores dos modos activos numa lógica preventiva;
  • implementar medidas de apoio à aquisição de bicicletas, e os benefícios para entidades públicas e privadas;
  • promover campanhas de comunicação e sensibilização, a recolha e monitorização de dados a nível nacional, e avaliar e rever periodicamente a estratégia nacional.

A ENMAC 2020-2030 nasce de um contexto de “inversão da tendência verificada nas últimas décadas, em relação à promoção dos modos ativos e, em particular, à bicicleta enquanto modo de transporte”. No documento destaca-se o CiclAndo (Plano para a Promoção da Bicicleta e Outros Modos Suaves), apresentado em 2012, que “lançou as bases para uma progressiva sensibilização para a mobilidade activa”, mas também programas como a U-Bike, que disponibiliza a alunos e professores universitários bicicletas para as suas deslocações diárias, o financiamento através do Fundo de Coesão que permitirá ter uma malha ciclável nacional superior a 6 mil km em 2023 (superando a meta para 2025), e ainda o Programa Portugal Ciclável 2030 destinado sobretudo à interconexão de redes municipais.

A estratégia de mobilidade de Lisboa para 2030, estipulada no documento MOVE Lisboa, encontra-se em linha com a estratégia nacional. O executivo camarário prevê concretizar pelo menos 200 km cicláveis na cidade, continuar a expandir a GIRA e reduzir em 28% as deslocações automóvel até 2030 – a meta é que o carro passe a corresponder a 34% das viagens em vez dos actuais 47% e que a chamada “mobilidade verde” (que inclui o caminhar, o pedalar e os transportes públicos) represente 66%.

Deputados pedem aceleração

A 25 de Fevereiro foi aprovado em plenário pela Assembleia da República o Projecto de Resolução 972/XIV/2, da iniciativa do Bloco de Esquerda (BE), recomendando ao Governo que calendarize e comece a concretiza a ENMAC 2020-2030 até ao final do 1º trimestre de 2021, que antecipe as metas previstas para 2025 e 2030, e que desenvolva também uma Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal 2020-2030.

Escrevem os bloquistas que “face ao atraso da calendarização, orçamentação e execução das medidas previstas na ENMAC, bem como a inexistência de uma proposta de estratégia para a mobilidade pedonal, a mobilidade ativa continuará a não sair do papel, prejudicando o ambiente, o clima, a saúde humana e a utilização mais justa do espaço público. É urgente passar do papel à prática”. O documento do BE foi aprovado apenas com a abstenção da Iniciativa Liberal e a ausência do Chega. PS, PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira voltaram favoravelmente.

Não é a primeira vez

Já em Julho passado, e agregando projectos de resolução do PS, PSD, PAN e PEV, o Parlamento tinha recomendado ao Governo a implementação de um largo conjunto de medidas de apoio e estímulo aos modos activos de deslocação. A Resolução da Assembleia da República n.º 61/2020 integrou várias propostas que a MUBi havia feito, em particular desde o início da pandemia, e no seu primeiro ponto os deputados instavam o executivo governamental a que priorizasse e acelerasse a execução da ENMAC 2020-2030:

A Assembleia da República resolve […] recomendar ao Governo que:

1 – Priorize e acelere a execução da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030, de acordo com os objetivos fixados para 2025 e 2030, concretizando e calendarizando as respetivas medidas até ao final de 2020, de forma a, em consonância com as autarquias locais, incentivar os cidadãos a utilizarem a bicicleta como modo alternativo de transporte.

Resolução da Assembleia da República n.º 61/2020

Também depois de a Assembleia da República apresentar e votar favoravelmente esta proposta de alteração, durante a discussão na especialidade, o Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020) veio decretar que o Governo priorize e acelere a implementação da ENMAC 2020-2030 e garanta a execução das suas medidas em 2021:

Artigo 326.º – Implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável

O Governo, dando cumprimento à Resolução da Assembleia da República n.º 61/2020, de 4 de agosto, desenvolve as ações necessárias com vista à concretização da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030, priorizando e acelerando a sua implementação e garantindo a calendarização e execução das suas diversas medidas no ano de 2021.

Lei n.º 75-B/2020; Orçamento do Estado para 2021

Resolução do Conselho de Ministros que aprovou a ENMAC 2020-2030 determinou que, até ao final de 2019, estivesse concluída a definição e programação das suas medidas e respectiva orçamentação, o que continua ainda por acontecer. Com a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030, o Governo assumiu o objectivo de convergência da utilização da bicicleta no território nacional com a média do resto da Europa e que até 2030 pelo menos uma em cada dez viagens nas cidades portuguesas seja feita em bicicleta.

O Projecto de Resolução 972/XIV/2, que o Parlamento aprovou no final de Fevereiro, recomenda em concreto ao Governo que:

1. Defina a programação das medidas previstas na Estratégia Nacional da Mobilidade Ativa Ciclável 2020 – 2030 (ENMAC), acompanhando-a da respetiva orçamentação e calendarização detalhadas, até ao final do 1.º trimestre de 2021;

2. Cumpra o determinado pelo mapa de medidas da ENMAC, executando, até ao final de 2021, as medidas previstas para 2019 e 2020;

3. Envide esforços para antecipar as metas de 2025 e 2030 referentes ao aumento da quota modal de viagens em bicicleta, da quota modal de viagens em bicicleta nas cidades, da extensão total de ciclovias, bem como da redução da sinistralidade rodoviária de ciclistas;

4. Desenvolva e implemente, até ao final do 1.º semestre de 2021, medidas calendarizadas e orçamentadas para a criação de uma rede de ciclovias e ecovias intermunicipais visando a ligação entre territórios de baixa densidade, e para a ligação da rede de mobilidade ativa aos modos rodoviário, ferroviário e fluvial de transporte público coletivo a operar nesses territórios;

5. Apresente uma proposta de Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal 2020 – 2030, até ao final do 1.º semestre de 2021, promovendo a participação pública, ampla e informada;

6. Crie e implemente, até ao final do 1.º semestre 2021, um programa nacional de educação para a mobilidade ativa (pedonal e ciclável), a partir do ensino pré-escolar, dirigido a alunos, professores e encarregados de educação, com o intuito de aumentar a utilização correta e segura dos modos ativos de transporte, nomeadamente nos percursos casa-escola-casa.

7. Reforce os meios humanos, técnicos e financeiros das entidades envolvidas na execução das medidas previstas pela ENMAC.

Projecto de Resolução nº 972/XIV/2

Aqui ao lado, em Espanha, Governo destinou à sua Estrategia Estatal de la Bicicleta um orçamento próprio de 5 milhões de euros em 2021, para dotá-la de recursos humanos, iniciar o seu plano de governança, contratar serviços de consultoria e organizar toda a estratégia.

Texto em colaboração com MUBi