Mulher, 37 anos, grávida de vários meses, investigadora no Instituto Superior Técnico (IST), ciclista – a pandemia tê-la-á levado a pedalar com mais frequência. Faleceu este sábado, 26 de Junho, depois de um automóvel ter colidido com a sua bicicleta por trás. O condutor, alegadamente um homem de cerca de 80 anos, não terá visto a ciclista na estrada por estar encadeado pelo sol, causando o desfecho mortal.
Patrizia Paradiso estaria a fazer um dos seus passeios habituais de bicicleta. A colisão terá ocorrido entre Algés e Belém, na Avenida da Índia, uma das artérias onde a Câmara de Lisboa previa instalar em Julho do ano passado uma ciclovia pop-up. O projecto dessa ciclovia chegou a ser revelado, mas foi posto na gaveta por tempo indeterminado.
O falecimento de Patrizia acontece sensivelmente um ano depois do de Ana Oliveira, basquetebolista pelo Sporting, 16 anos, que atravessava de bicicleta na mão por uma passadeira (e também passagem de velocípedes) no Campo Grande. O caso acabou por gerar uma onda de solidariedade sem igual em Lisboa. Centenas de pessoas bloquearam o trânsito no Campo Grande e, com ou sem bicicleta, sentaram-se no asfalto quente em silêncio. A MUBi – Associação Pela Mobilidade Urbana Em Bicicleta lançou um comunicado; o vereador da mobilidade de Lisboa, Miguel Gaspar, escreveu no Público sobre o compromisso da cidade por uma cidade mais segura. Mas um ano depois, o que mudou?
Américo Silva, ex-ciclista profissional, quer ajudar na mudança e diz que vai promover uma recolha de assinaturas para levar o assunto da sinistralidade rodoviária e da vulnerabilidade de ciclistas e peões à Assembleia da República. “Vou tentar recolher o número de assinaturas necessárias” – disse por e-mail ao Lisboa Para Pessoas – “de forma a que o Estado ajude na sensibilização dos automobilistas para as novas regras do Código da Estrada e também numa maior fiscalização e punição para os infratores”.
Vítima de um abalroamento alegadamente consciente por parte de um condutor de um automóvel, em Cascais, no final de Maio, Américo não presenciou o sinistro que envolveu Patrizia. “Quando cheguei ao local já estava a Polícia e a ambulância. Deparei-me com uma ciclista em estado muito grave”, relata. “Uma das coisas que me chamou a atenção foi a violência do embate e o carro parado cerca de 25 metros depois do corpo da vítima.” A fotografia que Américo tirou e que usamos neste artigo correu as redes sociais, contando, à data desta peça, com mais de 320 partilhas e inúmeros comentários em vários grupos.
Rosa Félix, activista pela mobilidade ciclável, também investigadora no IST, lamentou a morte da colega no seu Facebook: “Juntar pessoas a diferentes velocidades no mesmo canal acaba por correr mal. Não é suposto andar-se com medo em cima de uma bicicleta.. Precisamos de mais segurança, e cuidados de quem agarra um volante. Ainda há muito por fazer, mas nada que não esteja ao alcance para que não haja mais vítimas.”
O núcleo Vizinhos de Belém, da associação de moradores Vizinhos em Lisboa, publicou uma nota de pesar na sua página de Facebook. “É, infelizmente, em momentos trágicos como este que relembramos a importância de intervir na nossa Frente Ribeirinha (…).” O colectivo refere que a Avenida da Índia “tem sido um dos eixos rodoviários mais debatidos pelos Vizinhos em diversas reuniões de trabalho, nomeadamente com a Câmara Municipal de Lisboa” e lamenta que a “humanização daquele eixo”, uma “ambição antiga”, tenha sido “sistematicamente” adiada. “Continuaremos a defender condições de segurança para todos na nossa freguesia (e mesmo na nossa cidade/país), a fim de proteger todos os utentes vulneráveis da via, seja nos canais pedonais, cicláveis, rodoviários, ou mesmo de coexistência.”
Em 2019, morreram 26 utilizadores de bicicletas, registaram-se 106 feridos graves e 2104 feridos ligeiros. Nesse mesmo ano, 134 peões perderam a vida nas estradas portuguesas, a maioria dos quais por atropelamento; 409 ficaram gravemente feridos e contabilizaram-se 5180 feridos ligeiros. Os dados são da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que registou no ano de 2019 (pré-pandemia) um total de 35 704 sinistros – 78% destes ocorreu dentro das localidades e 75% envolveu veículos ligeiros. 626 pessoas perderam a vida. Lisboa foi o distrito com mais sinistros e mais vítimas a lamentar.
(artigo em actualização)