“Bom dia, é um café com cheirinho… a tubo de escape.”
Uma esplanada com vista para o Mosteiro dos Jerónimos e agora também para um estacionamento. No início deste mês, a Junta de Freguesia de Belém decidiu criar um espaço de estacionamento com capacidade para seis veículos numa pequena praceta existente no Largo dos Jerónimos, tendo para tal removido um conjunto de floreiras que tinham ali sido colocadas em Setembro para bloquear o estacionamento indevido, tornar o largo mais agradável e facilitar as entradas e saídas do autocarro.
Na mesma praceta, onde agora também passou a existir estacionamento de motociclos em área de passeio, encontra-se uma esplanada concessionada à empresa Banana Café. A praceta serve ainda para o eléctrico 15 fazer inversão de sentido e como zona de estadia para os passageiros das cinco carreiras de autocarro que ali fazem paragem. O espaço é limitado, pelo que e agora as pessoas que quiserem usufruir da esplanada vão ter de dividir a pequena área disponível com os passageiros do transporte público, e vice-versa.
Pior ainda: alguns dos autocarros que ali param são articulados, pelo que os passageiros que saírem pelas portas traseiras terão de passar por entre os carros parados. Com a praceta ocupada com estacionamento, há outros problemas de acessibilidade: o Lisboa Para Pessoas constatou várias pessoas a caminhar pela estrada, seja para aceder à paragem, seja para cruzar para a Rua dos Jerónimos, que sobe até ao Restelo.
Por outro lado, se a paragem de autocarro já poderia ser difícil para pessoas de mobilidade reduzida devido a vários desníveis existentes, mais ainda ficou agora que há novos obstáculos pelo meio. Um outro perigo à vista existe no estacionamento de motociclos, onde uma série de blocos de cimento brancos foram dispostos para delimitar a área de parque. Estes blocos podem ser mais uma ameaça à mobilidade pedonal.
Na esplanada, a vista desafogada para o Largo ou para Mosteiro dos Jerónimos passou a estar bloqueada pelos automóveis, tornando a esplanada menos aprazível e, talvez, também mais escondida da vista de quem ali passa. Algumas das floreiras que tinham sido colocadas no local em Setembro pela autarquia foram mantidas, apenas arrastadas para fora do espaço de estacionamento. Outras viram o seu conteúdo despejado para as caldeiras das árvores e os vasos foram escondidos debaixo do quiosque do Banana Café.
De acordo com o colectivo de moradores Vizinhos de Belém, que denunciou a situação no seu grupo de Facebook, os lugares de estacionamento automóvel em pleno Largo dos Jerónimos estacionamento eram uma situação que se arrastava há vários anos e cuja resolução já tinha sido por diversas vezes solicitada à autarquia.
Os lugares ali existentes, e que foram de novo legitimados pela Junta de Freguesia de Belém, são “ilegais”, uma vez que se encontram “a menos de 25 metros da paragem de autocarros”, impedido “as acessibilidades à paragem (que está sobrelevada)”. As floreiras tinham sido colocadas em Setembro “com espaçamentos alinhados com as saídas das portas dos autocarros, para permitir que as rampas de acesso a deficientes pudessem abrir e que os utilizadores de cadeiras de rodas e/ou pessoas idosas pudessem entrar/sair com segurança, sem ser para cima dos carros estacionados”, explicam os Vizinhos de Belém.
Contactada e citada pelos Vizinhos, a Junta de Freguesia de Belém esclareceu que “não estava ao corrente da ilegalidade dos lugares que antecedem a paragem” e que “não tinha sido informada da intervenção, pelo que não conseguiu antecipar os motivos desta alteração no Largo”. A Junta de Belém disse que “irá, no imediato, reparar no Largo dos Jerónimos vários equipamentos danificados, nomeadamente os canteiros de pedra e irá reverter quaisquer medidas que possam ter prejudicado a acessibilidade do Largo” e pugnar pelo projecto de requalificação do Largo dos Jerónimos, previsto no programa Uma Praça Em Cada Bairro.
Um largo à espera de melhores dias
Os passeios estreitos, o excesso de alcatrão, as atracções turísticas e o elevado fluxo pedonal na Rua de Belém e no Largo dos Jerónimos não escondem que esta zona aguarda uma requalificação de fundo. Está prevista no programa Uma Praça Em Casa Bairro, iniciativa municipal que desde 2014 tem dado novas praças à cidade e alargado o espaço pedonal através de um melhor requilíbrio do automóvel com a cidade.
O projecto não está fechado e, numa das versões, a Rua de Belém passaria a ser exclusiva para transportes públicos. No entanto, o desenho que está neste momento disponível no site da autarquia revela apenas a eliminação do estacionamento na Rua de Belém, o alargamento dos passeios e a criação de uma área totalmente pedonal na praceta onde está localizada a esplanada do Banana Café e a paragem de autocarro – esta praceta seria alargada.
O Largo dos Jerónimos, mesmo em frente a um dos principais monumentos nacionais, apresenta uma oportunidade de requalificação, diminuindo a presença do automóvel, equilibrando o seu espaço e aumentado a área destinada às pessoas. Trata-se de uma zona com muita procura turística, ou seja, é uma zona essencialmente procurada por quem se desloca de transporte público ou nos modos activos.
Em 2020, no âmbito do programa A Rua É Sua, foi tentada uma solução pop-up para a Rua de Belém e Largo dos Jerónimos. Na primeira, o espaço pedonal seria aumentado com a pintura do asfalto com cor azul clara. No segundo, seria criado um “espaço de descompressão” para habitantes e para utentes das Pastelarias envolventes que não possuem esplanada, como é o caso dos Pasteis de Belém. Seriam também colocados 40 floreiras e 30 bancos individuais.
No Largo dos Jerónimos, onde agora a Junta colocou o estacionamento, estava prevista uma estação GIRA e a deslocalização da paragem de autocarro. Seria ainda pedonalizada e desobstruída a zona em frente ao Jardim Botânico Tropical.
Na altura, a Junta de Freguesia de Belém – que tem vindo a autorizar e a promover estacionamento em cima do passeio em vez de encontrar outras alternativas que beneficiem a mobilidade pedonal (que muitas vezes existem devido à largura de muitos arruamentos da freguesia) – terá pressionado a autarquia para a não realização deste projecto.
