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As cidades do futuro não têm carros voadores mas pessoas felizes

O actual modelo de desenvolvimento urbano tem-se mostrado insustentável do ponto de vista social, ambiental e económico.

Ilustração de Lisboa Para Pessoas

As cidades que conhecemos hoje vão mudar substancialmente. Mas será que veremos os carros voadores e edifícios com formas invulgares como nos habituámos a ver em séries, filmes e até apresentações comerciais de start-ups trendy? O mais provável é que não, e que a mudança não seja tão espectacular e ficcional, mas antes uma transição iterativa do actual paradigma, centrado no automóvel, para um modelo de desenvolvimento centrado nas pessoas. Desejavelmente, as cidades do futuro terão a ver de certeza a ver com um ambiente urbano mais humano e inclusivo, onde as pessoas possam estar e circular em segurança, sem se sentirem condicionadas por um modo de transporte.

O congestionamento que ocorre sempre às mesmas horas, todos os dias, nas mesmas ruas e avenidas; os níveis de poluição atmosférica muitas vezes acima valores aceitáveis e que levam ao aumento de casos de doenças respiratórias; e o ruído constante que tantas vezes torna desconfortável a vivência da cidade, principalmente ao ar livre, são alguns dos problemas que resultam de um desenvolvimento urbano que cedeu a uma indústria como o objectivo de se tornar uma das maiores e mais lucrativas a nível mundial – um dos grandes motores do capitalismo. Assim, perante a falência dos projectos de aumento da qualidade de vida e a incidência das crises torna-se cada vez mais claro que a forma como as cidades foram desenhadas até aqui está a atingir um ponto de saturação. Na verdade, o actual modelo de desenvolvimento urbano tem-se mostrado insustentável do ponto de vista social, ambiental e económico. 

As cidades desenhadas primordialmente para carros são cidades inóspitas e inseguras. A infraestrutura automóvel não favorece o usufruto do espaço público porque geralmente domina esse espaço, secando como um eucalipto as hipóteses de vida urbana em seu redor. Cidades carregadas de vias rápidas, de túneis, passeios estreitos e desconfortáveis, e onde há um convite aberto à velocidade e à aceleração, mesmo dentro dos bairros, são perigosas para quem tenta deslocar-se fora de um carro, ou para quem queira brincar ou estar na rua. Promovem inevitavelmente a utilização do automóvel e convidam até os que preferem deslocar-se de outra forma a ceder ao carro.

As vias rápidas e os túneis que em tempos foram em tempos construídos para facilitar as deslocações quotidianas, numa visão de mobilidade individualista e unimodal, têm-se revelado estruturas dispendiosas de manter por parte dos governos centrais e locais, contribuindo para o endividamento público e resultando em facturas que só ao fim de várias gerações ficam finalmente pagas. Essas mesmas vias rápidas e túneis, que em alguns locais serviram para desbastar determinados bairros – como comunidades segregadas que não tinham voz para protestar e reclamar os seus direitos –, tornaram o carro algo imprescindível para inúmeras famílias por todo o mundo – passámos a ser dependentes do automóvel porque o desenho da cidades assim o determinou.

Nas cidades do futuro, o automóvel não é o centro das atenções – apesar de continuar a ter, claro, o seu papel na mobilidade urbana. As cidades do futuro dão, em primeiro lugar, espaço e conforto ao andar a pé, ao transporte público e à bicicleta; tratam estas formas de mobilidade com a dignidade que merecem, ao mesmo tempo que apostam numa filosofia de proximidade. Nestas cidades do futuro, as distâncias entre a casa, os locais de trabalho, as instituições de ensino, os serviços do dia-a-dia e as infraestruturas culturais são curtas – não superiores a 15 minutos a pé ou de bicicleta, ou a 30 minutos de transportes públicos. Os bairros são espaços dinâmicos e multifuncionais, onde conseguimos suprir todas as nossas necessidades e, por isso, não precisamos do carro. São zonas seguras, onde se pode estar, brincar na rua ou conviver com a vizinhança. Ao pé de casa temos cafés, supermercados, espaços de convívio e outros serviços que preenchem as nossas necessidades e caprichos quotidianos. Há espaços verdes onde se pode passear e levar o nosso animal de estimação. Há praças e pracetas onde encontramos pequenas feiras e onde se promovem outras actividades lúdicas. Há hortas comunitárias onde podemos plantar as nossas frutas e legumes e partilhá-los com o nosso bairro.

Nas cidades do futuro, somos livres para sair de casa e optar pela bicicleta como meio de transporte porque vamos encontrar ruas calmas e seguras, e ciclovias nas principais avenidas para deslocações utilitárias ou recreativas entre bairros. O transporte público tem prioridade nas ruas em relação ao transporte individual e existem ruas só com transporte público, é complementado com a bicicleta e o andar a pé, e é utilizado por todos os tipos de pessoas, deixando de ser sinónimo de um estatuto social. Nas cidades do futuro, o bem estar, a saúde mental, a ansiedade e o conforto de todas as pessoas – independentemente do seu género ou condição física – são questões centrais no desenho urbano. As cidades do futuro resolvem os problemas que tanto martirizaram as cidades do passado, como o congestionamento que nos faz perder tempo e dinheiro ou a poluição que provoca doenças respiratórias.

Falamos essencialmente de mobilidade e de espaço público porque a forma como nos movemos e como estamos na cidade determina a forma como nos relacionamos com o espaço e uns com os outros. Ao humanizar a mobilidade e ao tornar o espaço público mais inclusivo, estamos a privilegiar as relações humanas e a potenciar encontros entre pessoas. As cidades do futuro são mais que palcos de materialização de grandes dinâmicas do capitalismo, são mais que mega fábricas de produtividade e consumo. As cidades do futuro são espaços de encontro, de convívio; promovem relações humanas que permitem libertar todo o potencial criativo e de inovação que se gera ao concentrar numa área relativamente pequena muitas pessoas e pessoas de diferentes locais e culturas. Só tirando as pessoas dos carros, esse símbolo do individualismo, e trazê-las para a rua é possível promover estes contactos, promovendo comunidades e relações.

O futuro não é assim tão distante e cabe aos decisores políticos, e aos habitantes de cada cidade, definir o tempo que a transição urbana durará. Se de alguns locais nos chegam vislumbres de cidades mais humanas e inclusivas, de cidades para pessoas, noutros pontos do mapa parece haver uma maior resistência a essa mudança. Como todas as mudanças, esta vai ser muito difícil de se implementar porque mexe com hábitos, costumes e preconceitos, acarreta desafios tecnológicos, de engenharia, de foro financeiro (a mudança é dispendiosa) e ao nível da infraestrutura. Também por isso, é fundamental uma comunicação boa e clara que chegue às pessoas e que as envolva nas decisões. Uma política que não seja pensada só por políticos mas que seja baseada na participação das populações; que não seja meramente impositiva, mas a que não falte ambição e visão. As cidades do futuro podem ser as cidades de hoje. Já o são em muitos países, por cá estamos à distância da mudança de mentalidades do futuro.


Hoje, 21 de Abril, ao final do dia, vamos discutir as Cidades do Futuro no primeiro evento do nosso ciclo Encontros Com Impacto. Com a Rosa Félix, investigadora em mobilidade activa, o Mário Alves, consultor na área da mobilidade urbana, e a Bruna Pizzol, especialista em mobilidade e interessada nas desigualdades relacionadas com os transportes, vamos falar de algumas destas temáticas. A entrada é livre.