A aplicação da Carris deixou de funcionar há vários meses e, desde então, vários passageiros queixam-se de ter deixado de conseguir aceder aos horários em tempo real dos autocarros e eléctricos de Lisboa. Miguel, 23 anos, desenvolveu um pequeno site para tentar remendar o problema.

Numa paragem da Carris junto ao Miradouro de São Pedro de Alcântara, tiramos o telemóvel do bolso para ver quando passa o próximo autocarro ou eléctrico. A aplicação oficial da Carris, lançada com uma ampla campanha de comunicação em 2018, dá-nos tempos de espera que parecem corresponder à realidade: o 758 apareceu mais ou menos quando a app nos disse que ia aparecer, tal como o 24E, mas houve um 19B que não veio.
Abrimos o Google Maps, seleccionamos a mesma paragem e verificamos que os tempos de espera são outros – o serviço da Google usa os horários tabelados da Carris para nos dar os tempos de espera, o que faz com que nem sempre exista uma correspondência à realidade. Usamos o serviço de SMS da Carris para verificar se a informação que aparece na app da Carris é efectivamente correcta e percebemos que sim: os tempos de espera em tempo real que o serviço de SMS nos dá correspondem aos apresentados na app.


Há alguns meses que a aplicação da Carris não funciona e vários passageiros têm feito chegar perguntas e reclamações ao Lisboa Para Pessoas, principalmente neste regresso às aulas e ao trabalho. Lançada em 2018 com alguma pompa e circunstância – isto é, com uma campanha de comunicação à mistura –, a app da Carris passou a permitir aos passageiros saberem quanto tempo falta para o seu autocarro em tempo real. Esta informação em tempo real foi disponibilizada primeiro na aplicação da Carris e também na forma de API, para que outras apps – como o Google Maps, a Moovit ou o Citymapper – pudessem também apresentá-la aos seus utilizadores.
Carris não responde

O Lisboa Para Pessoas contactou a Carris a 14 de Setembro para saber o que se passou com a sua app, porque deixou de funcionar e se estaria prevista uma correcção. Não obteve resposta até ao momento. Já esta semana, num encontro com um grupo de cidadãos, o Presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, terá dito que a aplicação da Carris já estava de novo operacional – ou seja, os horários em tempo de real estariam de volta.
O Lisboa Para Pessoas comprovou que sim, mas não em todas as paragens. Voltando ao Miradouro de São Pedro de Alcântara, onde estivemos largos minutos a testar a app e a verificar se os autocarros e eléctricos apareciam efectivamente quando deveriam aparecer, decidimos experimentar a paragem oposta àquela onde nos encontrávamos. Um serviço como o da Carris tem sempre dois sentidos e, se na paragem 10602 “Ascensor da Glória” tínhamos horários em tempo real, na paragem 10601 “Ascensor da Glória”, no lado oposto, não nos aparecia qualquer informação, indicando o seguinte aviso: “Sem informação horária.”
Este mesmo aviso aparecia, até há bem pouco tempo, para todas paragens da Carris. Na loja de apps da Google, a Play Store, a aplicação da Carris conta com mais de 100 mil descargas até à data e uma avaliação de 1,5 estrelas em cinco. Desde pelo menos Março de 2022 que se acumulam mensagens de utilizadores insatisfeitos com a impossibilidade de consultar os horários em tempo real. “Esta aplicação realmente é boa mas só quando está a funcionar, o problema é que não tem estado a funcionar há bastantes meses”, queixa-se uma utilizadora. “A app é só para ocupar espaço na memória do telemóvel”, refere outra pessoa. “Eu usava e tento usar a aplicação mas ultimamente sem sucesso, por mais que tente obter resultados não aparece nada ou se aparece esta limitado a algumas paragens e alguns horários, tenho pena porque usava com muita frequência”, identifica um passageiro. “Já desinstalei e voltei a instalar…e nada. Espero que resolvam o problema, de forma a que possa voltar ao bom uso”, diz outro utilizador, talvez mais esperançoso.
A versão Android não recebe actualizações desde 2020. Já a aplicação iOS foi actualizada ao fim de dois anos a 23 de Agosto com “optimizações gerais e correcções de bug”. Na App Store, a loja de aplicações da Apple, a Carris tem uma avaliação semelhante – 1,6 estrelas em cinco – e os comentários que podemos encontrar são semelhantes.

API indisponível
A principal utilidade da app da Carris era mesmo a disponibilização de informação em tempo real – dados que a operadora municipal, gerida pela Câmara de Lisboa desde 2017, tem em sua posse, que não disponibiliza na sua aplicação e que deixou de dar a terceiros. É que, além de aplicação da Carris ter deixado de funcionar, também a API da operadora com os dados em tempo real deixou de estar disponível há largos meses. Com isso, nenhuma app consegue agora mostrar quanto tempo falta efectivamente para um autocarro ou eléctrico em Lisboa. Com isso também, plataformas tecnológicas que pessoas voluntariamente desenvolveram, como a transportes.live ou a GeoBus, que mostravam a localização dos veículos em tempo real, deixaram de estar operacionais. O Metro de Lisboa, por seu lado, disponibiliza a sua API abertamente – é por isso que serviços como o Google Maps, a Moovit ou o Citymapper mostram informação em tempo real; e é por isso também que na comunidade de entusiastas dos transportes nascem webapps que de forma simples indicam quanto tempo falta para o próximo metro ou sites que quantificam, analisam e documentam as falhas do serviço ao longo de anos.
Frederico Duarte, 43 anos, docente universitário, enviou uma reclamação à Carris, que partilhou com o Lisboa Para Pessoas. Acusa a operadora municipal de lesar os seus passageiros de não “prestar um serviço de forma transparente, acessível e escrutinável”, ao restringir o acesso à sua API – que chegou a ser pública. Frederico acredita que houve uma “decisão da administração da empresa para tornar privada a sua API”, impossibilitando que “entidades exteriores não tornassem públicos os muitos atrasos e inconsistências no serviço”. “Além disso, decisões como esta perpetuam uma falta de confiança no serviço público de transportes, o que leva a uma erosão na sua reputação e consequente desistência dos utilizadores em não só usar transportes públicos como em defendê-los perante o transporte privado e individual”, acredita o académico. Se a API fosse pública – como é a do Metro, por exemplo –, mesmo que a aplicação da Carris deixasse de funcionar correctamente, outras apps continuariam a mostrar os tempos reais de espera dos autocarros.
À mercê do SMS e do e-mail
O mau funcionamento da app poderá ser explicado por um aparente abandono da sua manutenção. Mas, para vários passageiros, especialmente os mais jovens – que agora contam com passe Navegante gratuito em Lisboa se forem estudantes e residentes na cidade –, os transportes públicos não podem funcionar desligados da tecnologia. É o caso de Rúben, 19 anos, estudante universitário, que gosta de andar de transportes com uma aplicação no bolso. No início, era a Moovit por ser a “única aplicação com os transportes da AML integrados num sítio só”. Quando a Carris passou a disponibilizar na sua app os horários em tempo real, diz que começou “a ganhar mais confiança para andar de autocarro ao invés de só o metro”. “Na altura, foi revolucionário para mim pois as transportadoras privadas, como a Vimeca e a Rodoviária de Lisboa, não disponibilizavam – e não disponibilizam – essa informação”, conta. Fala em “degradação” do serviço da Carris e diz que “já quase” faltou a exames “por ter perdido o autocarro”. “Apanhar autocarros em paragens que não são terminais tornam-se um grande jogo de dados – principalmente se estiver com pressa porque o único meio de saber é através do sistema de SMS”, conta o jovem estudante. “Já perdi autocarros por causa desta roleta-russa. Isto agrava-se nas horas de pontas, no trânsito azafamado tornando os autocarros imprevisíveis. Sem informação em tempo real, não me fio nas paragens intermédias e procuro sempre os terminais.“

Miguel Fazenda, 23 anos, também estudante, não se desloca de autocarro diariamente, “mas sempre que o faço é-me bastante útil saber o tempo de espera até à chegada do autocarro, porque assim posso saber se vale a pena sair logo de casa, por exemplo”, conta. “Com a app da Carris podia consulta-lo, mas agora esta raramente funciona”, lamenta. Miguel passou a recorrer ao serviço de SMS, que consiste no envio de uma mensagem escrita para o número 3599 com a seguinte estrutura: “C (espaço) Código de Paragem”. O custo é o de um SMS normal, pelo que dependendo do tarifário do utilizador pode ser pago ou não. “Visto que no meu tarifário são cobrados os SMS para obter o tempo de espera da Carris, comecei a utilizar o serviço por e-mail que a empresa também disponibiliza.” O serviço de e-mail é semelhante: é preciso escrever “C (espaço) Código de Paragem” no campo do assunto e enviar para sms@carris.pt. O código da paragem está nas chapas amarelas das mesmas. Em pouco tempo, recebe-se um SMS ou e-mail de resposta com os tempos de espera das carreiras seguintes.

Por considerar o serviço por SMS e e-mail “muito pouco prático”, e devido ao não funcionamento da aplicação da Carris, Miguel Fazenda desenvolveu uma webapp muito simples. Baptizada informalmente de “Carris alternativa ao SMS”, e alojada em carris-app.freemyip.com, este pequeno site permite digitar o número de uma paragem e obter em poucos segundos os tempos de espera actualizados das carreiras que por ali passam. A plataforma o que faz é enviar, pelo utilizador, um e-mail à Carris através do e-mail oficial (sms@carris.pt) e devolver a informação recebida numa interface simples.


Miguel partilhou o seu trabalho com a Comunidade do Lisboa Para Pessoas, e já fez, por isso, alguns melhoramentos à sua pequena webapp, como a possibilidade de adicionar paragens aos favoritos – porque as pessoas nem sempre estão ao pé da paragem para saberem o seu número. O jovem de 23 anos sabe que o seu trabalho é apenas um remendo e o desejo de todos é que a Carris resolva o problema da sua aplicação e volte a disponibilizar publicamente a sua API – porque dessa API podem surgir plataformas inovadoras e ideias disruptivas, como as que podes conhecer aqui, mas também análise de dados de teor lúdico ou mesmo jornalístico.
Numa resposta a uma reclamação, à qual o Lisboa Para Pessoas teve acesso, a Carris informou que “em relação à performance da App Carris, continuamos a trabalhar para mitigar os períodos de instabilidade de informação temporários, distribuídos ao longo do dia”. Acrescenta que está a ser implementada “uma solução que irá mitigar o problema de fundo, para isso estamos a preparar uma evolução tecnológica da nossa infraestrutura para uma maior escalabilidade e resiliência, com esta implementação acreditamos que iremos conseguir acomodar o mais de um milhão de pedidos diários que são feitos à nossa infraestrutura por clientes e aplicações de parceiros”.

Actualização às 12h30 de 20/09/2022: adicionada resposta da Carris a uma reclamação de um passageiro com detalhes sobre o futuro da aplicação.