Um troço de 380 metros do corredor BUS da Rua da Junqueira, em Belém, foi removido no início de Outubro. A Câmara de Lisboa está a estudar a fluidez dos autocarros, do eléctrico e dos carros em geral naquela rua para decidir, com dados concretos, se aqueles metros de BUS regressam ou não no final…

Sem linha de metro a servir a zona ocidental da cidade, e apesar de haver comboio, os autocarros e o eléctrico 15 da Carris são a opção de mobilidade de muitas pessoas que querem chegar a Belém ou que se deslocam daqui para a zona central da cidade. E a Rua da Junqueira, que começa junto ao Museu dos Coches e se liga à Rua 1º de Maio – já na freguesia vizinha de Alcântara –, oferece em quase toda a sua extensão um corredor BUS segregado há vários anos, dando fluidez ao transporte público.
Em 2018, esse corredor BUS tinha sido prolongado nos 380 metros final da Rua da Junqueira do lado de Belém, onde não havia nem há espaço para um canal segregado para transportes públicos, a coexistir com dois sentidos de trânsito generalizado. O referido prolongamento foi feito só num sentido – de Belém para Alcântara –, enquanto que no sentido oposto se manteve uma via de trânsito misto.

Essa extensão de 380 metros foi, no início deste mês de Outubro, desfeita. Ou seja, os autocarros e o eléctrico 15 que entram na Rua da Junqueira do lado de Belém passaram a partilhar a via de novo com todos os outros veículos. Trata-se, para já de um teste – ou de uma “solução diplomática” que, na perspectiva de Gonçalo Matos, coordenador dos Vizinhos de Belém, é “fundamental para dirimir um conflito que foi em crescendo do ponto de vista local”. Aqueles 380 metros foram controversos desde o primeiro dia.
Uma “solução diplomática”
Gonçalo testemunha que “as primeiras queixas” resultaram do facto de o corredor BUS ter sido “implementado durante a noite – as brigadas de sinalização vertical e horizontal [da Câmara] normalmente funcionam durante a noite, quando há menos tráfego –, sem aviso prévio”. E, “por coincidência ou não”, algumas pessoas “tiveram o azar de ser multadas por entrada indevida no corredor BUS” logo no dia seguinte.

Mas, se a situação para os residentes “foi sendo digerida” e resolvida com nova sinalização, por outro lado, a Junta de Freguesia de Belém “tomou uma posição, com o conhecimento que diz ter do território local, de que aquele corredor BUS não tinha vindo mudar nada do que se passava na Rua da Junqueira, ou seja, que não havia necessidade do mesmo”. Gonçalo explica que “a Câmara não acolheu essa posição, mas também nunca contra-pôs com dados que afirmassem que aquele corredor BUS era absolutamente fundamental. Acho que isso também não contribuiu para que as pessoas se convencessem da importância daquele corredor BUS”.
Não foi a primeira vez que esse troço do corredor BUS foi removido. Em 2004, quando a Câmara de Lisboa então presidida por Carmona Rodrigues implementou o corredor segregado na Rua da Junqueira fê-lo também nesses 380 metros finais onde não dava para haver segregação; por influência da Junta de Freguesia na altura, o troço final acabou por ser eliminado poucas semanas depois, situação que se prolongou até 2018.
O polémico regresso desses metros de BUS à Rua da Junqueira originou uma petição entre fregueses da zona, que foi entregue com 214 assinaturas à Assembleia Municipal em Janeiro de 2020. No texto da petição, alegava-se que o prolongamento do corredor BUS foi feito sem o conhecimento da população local e da Junta de Freguesia, e que naquele troço “nunca existiram quaisquer constrangimentos” para os autocarros e eléctricos. Denunciava-se que a alteração realizada na Rua da Junqueira provocou uma transferência de tráfego para a Rua do Embaixador, uma pequena rua residencial de 30 km/h, com uma única via de trânsito; esta rua, paralela à da Junqueira, permitia aos condutores contornar o troço do BUS agora eliminado. “Ou seja, criou-se ali uma situação de tráfego intenso numa rua que praticamente estava deserta. Uma rua local, muito pequenina”, explica Gonçalo.

Outra alternativa que passou a ser utilizada foi a Avenida da Índia, o que, segundo os peticionários, levava a filas na Rua Mécia Mouzinho de Albuquerque, que liga essa avenida à Rua da Junqueira (na secção em que já existe corredor segregado e dois sentidos de trânsito generalizado). A petição falava ainda em “constrangimentos enormes” junto ao Museu dos Coches, no cruzamento entre a Calçada da Ajuda, a Rua da Junqueira e a Praça Afonso de Albuquerque.
Miguel Gaspar tinha-se comprometido a “estudar” a situação
A petição em causa foi apreciada pela 8ª Comissão Permanente daquele organismo, responsável pelas questões da “Mobilidade, Transportes e Segurança”. Nessa análise, a referida Comissão, constituída por deputados municipais de vários partidos, foram ouvidos um representante dos peticionários, o Presidente da Junta de Freguesia de Belém, Fernando Ribeiro Rosa (PSD), e o Vereador da Mobilidade à data, Miguel Gaspar (PS), responsável pela intervenção na Junqueira.

O trabalho de avaliação da petição culminou em Novembro de 2020 num relatório e em duas recomendações, que, em Janeiro de 2021, foram aprovadas por maioria (com os votos favoráveis do PS) pela Assembleia Municipal e que eram direccionadas à Câmara Municipal. Pedia-se a esta entidade que procedesse à “avaliação da implementação do corredor Bus, avaliando os seus efeitos na velocidade comercial dos transportes públicos, no volume de tráfego e na segurança da Rua do Embaixador”, reportando os resultados à Assembleia e aos peticionários; e que o “desenvolvimento de projectos com impacto na mobilidade local”, como novos corredores BUS, fosse feito com o envolvimento activo da população e das Juntas de Freguesia, “directamente e indiretamente visadas”.
Na discussão do relatório e das duas recomendações, Miguel Gaspar, responsável pela implementação do troço de BUS polémico, admitiu “estudar” a situação e, em particular, trabalhar para “proteger o tráfego na rua do embaixador sem pôr em causa o corredor da Rua da Junqueira”. Referiu que é preciso “ver a cidade como um todo”, pois, “numa linha de transporte público, o impacto de um minuto no inicio da linha é um minuto a mais no final da linha”.

Na Rua da Junqueira passa o eléctrico 15, que liga a Praça da Figueira a Algés, e quatro carreiras de autocarro – o 727 (entre o Restelo e a estação de comboios de Roma-Areeiro), o 751 (entre Linha-a-Velha e estação de Campolide), o 714 (entre Alfragide e a Praça da Figueira) e ainda o 732 (entre o bairro de Caselas, em Belém, e o Marquês de Pombal). Segundo Miguel Gaspar, antes da pandemia, em Janeiro de 2020, estas carreiras transportavam “mais de 40 mil passageiros por dia”, pelo que a Rua da Junqueira “impacta quase quase 10% do que é a procura da Carris num dia útil normal”.
Em resposta à contestação, a Câmara de Lisboa colocou, de modo imediato, uma sinalização adicional no corredor BUS, passando a permitir a circulação de residentes com garagem naquela rua. Essa excepção veio reforçar uma outra que já existia: a possibilidade de todos os veículos circularem nessa faixa BUS entre as 21 horas e as 7 horas do dia seguinte e também ao fim-de-semana.

O tema da Rua da Junqueira já tinha passado em reunião de Câmara em 2019. Na altura, Miguel Gaspar defendeu o corredor dizendo que “quando as pessoas nos pedem, com toda a razão, regularidade e pontualidade nos transportes públicos, temos de aceitar as medidas que vêm inerentes a isso, como uma rede de corredores BUS adequada”, e lembrando que a definição desses corredores cabe só à Câmara de Lisboa. “Inequivocamente aquele corredor deve existir, é a minha posição e não a vou mudar enquanto for vereador nesta Câmara.”
Mais recentemente, já este ano, numa reunião pública descentralizada, o actual Vereador da Mobilidade, Ângelo Pereira, admitia preocupação com uma eventual retirada do corredor BUS. “Tirando o corredor BUS, os transportes públicos vão aumentar o tempo”, dizia, acrescentando que faria uma visitar ao local para “ver a situação in-loco, na rua”, e “tentar encontrar uma solução intermédia” que não colocasse em causa a competitividade do transporte público.
Avaliar com dados do antes e do depois
Mas, mesmo reconhecendo a importância de canais dedicados a transporte público, os 380 metros de BUS que tinham sido acrescentados, em 2018, ao corredor da Junqueira foram mesmo retirados. Trata-se de um teste apenas; a ideia é perceber se a eliminação daquele pequeno troço de BUS, que existia apenas no sentido Belém-Alcântara, vai ter ou não impacto na velocidade e pontualidade da Carris e como se poderá criar uma melhor solução que compatibilize todas as vontades. Gonçalo Matos entende que aquele troço de corredor BUS “foi mal explicado, mal avisado e mal sinalizado de início” e que “já que não foi consensualizado anteriormente, tem de ser consensualizado agora à posteriori”. Por isso, ele e os Vizinhos de Belém vêem com bons olhos esta “boa decisão”. “Vamos o que dizem os dados e decidir com base nisso”, diz.

“Honrando o relatório de ponderação da petição que foi apresentado na Assembleia Municipal, a posição dos técnicos da Direcção Municipal de Mobilidade e também a posição da Carris, aquilo que a Câmara se comprometeu a fazer foi a aprofundar e a estudar esta situação; e isso só pode ser feito medindo tempos de espera [dos autocarros] e volumes de tráfego [da Rua da Junqueira e sua envolvente], com corredor BUS e sem corredor BUS”, detalhou. “Antes de retirar o corredor BUS, a Câmara informou-nos de que não só esteve a registar aquilo que é a fluidez da Rua da Junqueira no sentido Belém-Alcântara, como no sentido oposto, como promoveu ainda duas deslocações ao local com responsáveis da Direcção Municipal de Mobilidade, o próprio Vereador Ângelo Pereira e a Junta de Freguesia.”
Aquele troço da Rua da Junqueira vai estar sem corredor BUS durante os próximos três meses. “Retirou-se a sinalização vertical e horizontal para ver o comportamento da rua e, no fim, se decidir. Se se provar que o ponto da Junta de Freguesia e dos moradores estava correcto, isto é, que aquele troço de BUS unidireccional não tinha tem impacto expressivo no trânsito na Rua da Junqueira e, por outro lado, alivia bastante as ruas que ficaram prejudicadas, então aí a solução tornar-se-á definitiva. Se se provar o contrário, o corredor será reposto.”

Do lado da Junta de Freguesia de Belém, a remoção destes metros de BUS e o regresso dos dois sentidos de circulação para todos os veículos na Junqueira foi “uma boa notícia”, avançada com a confiança de que a decisão será definitiva. “Desde a implementação do sentido único Alcântara-Belém (excepto para transportes públicos) que a Junta de Freguesia de Belém se bateu pela reversão dessa decisão que trouxe durante vários anos inúmeros constrangimentos ao trânsito”, pode ler-se no Facebook da Junta, num comunicado de 1 de Outubro. Num comunitário a essa mesma publicação, o Presidente da Junta, Fernando Ribeiro Rosa, escreveu que “a teimosia e autismo da anterior Câmara de Lisboa, muito especialmente do ex-vereador Miguel Gaspar, foi superada e vencida para bem de todos nós”.
A “bigger picture”
O problema com aquele troço de BUS prendia-se não só com as garagens dos residentes – mas esta questão foi rapidamente acautelada com as excepções –, mas sobretudo com os acessos ao Hospital Egas Moniz e também à Universidade Lusíada; seria esse tráfego que estaria a sobrecarregar ruas que deveriam ser de trânsito local. No entanto, a visão de futuro para a Rua da Junqueira é de um corredor BUS de alta capacidade, contínuo entre Algés e o centro da cidade. O projecto para resolver as descontinuidade existe e esteve para avançar, mas terá sido inicialmente bloqueado em Alcântara antes de chegar a Belém.

Certo é que esse mega eixo seria semelhante ao que já existe na Estrada de Benfica, isto é, seria dada prioridade ao transporte público com excepções pontuais, avaliadas caso a caso, que permitiriam o acesso a residentes, universidades, hospitais e outros serviços essenciais.
O super-corredor começaria em Algés, na Rua de Pedrouços, e seguiria sempre pelas suas contíguas: Rua Bartolomeu Dias, na zona do Restelo; depois a Praça do Império e a Rua de Belém, na zona monumental; seguiria pela Rua da Junqueira, onde já existe um grande canal segregado; já em Alcântara, na zona de Santo Amaro, continuaria pela Rua 1º de Maio até ao Largo do Calvário; daí seguiria pela Rua Fradesso da Silveira e ligaria à Avenida 24 de Julho, onde já existe um canal dedicado e sem interrupções até à Praça do Comércio. No fundo, acompanharia a actual linha percorrida pelo eléctrico 15, permitindo a este serviço – o mais próximo de um metro ligeiro de superfície que temos em Lisboa – ganhar velocidade e competitividade.

Para Gonçalo Matos, toda esta discussão que se gerou à volta de “um troço específico e em particular de um corredor BUS unidireccional” é uma “oportunidade perdida” para se ver “um pouco mais além de simples sinalização vertical e horizontal”. “Não se percebe como é que uma Câmara, que tem acumulados diferentes projectos para todo aquele eixo, foca de repente toda a sua energia numa questão tão específica” e não se faça, “pelo menos, um ponto de situação dos projectos que estão pensados para a Rua da Junqueira e para todo aquele eixo de transporte público rápido”.
Para o responsável dos Vizinhos de Belém, seria fundamental falar-se sobre reforços de carreiras na zona ocidental – “que é bastante mal servida de transportes públicos” –, “nomeadamente de carreiras que tirem partido de eixos rápidos de ligação ao metro e ao comboio”. A criação do super-corredor BUS referido anteriormente também deveria ser um objectivo, juntamente com mexidas nos cruzamentos da Avenida da Índia, de modo a deslocalizar para lá todo o tráfego de atravessamento que hoje é forçado a passar por dentro das ruas de bairro.