Quem entrar num autocarro da Carris Metropolitana em Lisboa só poderá sair dele fora do concelho. E, no sentido inverso, a Carris Metropolitana está apenas autorizada a largar passageiros. Tudo isto porque a Carris tem exclusividade na capital. Sempre foi assim, mas poderia ser diferente.
A unificação do sistema rodoviário de transporte público da Área Metropolitana de Lisboa numa marca única – Carris Metropolitana – evidenciou uma questão antiga: dentro do município de Lisboa, a Carris tem exclusividade e, por isso, os passageiros que apanhem um autocarro da recém-lançada Carris Metropolitana em Lisboa só poderão sair quando esse sair do concelho de Lisboa. No sentido inverso, de fora para Lisboa, os autocarros da Carris Metropolitana só estão autorizados a deixar passageiros no município da capital, não podendo receber novos passageiros.
Em Lisboa, o transporte público rodoviário é operado, “em regime de exclusividade”, pela empresa municipal Carris e definido através de um contrato de concessão. O documento é bem claro em relação ao âmbito territorial da transportadora: no “território da cidade de Lisboa”, só pode haver Carris, mas esta pode fazer serviço para “municípios imediatamente contíguos” , como Oeiras, Amadora ou mesmo Almada:
“A área abrangida pela Concessão compreende, em regime de exclusividade, o território da cidade de Lisboa, sem prejuízo da existência de linhas secundárias e complementares ou outros elementos acessórios da sua actividade que entrem ou se situem no território dos municípios imediatamente contíguos.”
– Contrato de Concessão da Carris
Dado que a Carris tem exclusividade do serviço público de transporte rodoviário de passageiros no “território da cidade de Lisboa”, a Carris Metropolitana pode ir para Lisboa mas não pode interferir com a operação da Carris. Ou seja, a Carris Metropolitana pode levar passageiros para fora de Lisboa e pode trazer passageiros para Lisboa, mas não pode transportar passageiros de um ponto para o outro dentro de Lisboa.
Não existe mais nenhum meio de transporte na na Área Metropolitana de Lisboa com restrições de âmbito geográfico na utilização. Aliás, desde o lançamento do tarifário Navegante em 2019, que todo este território metropolitano foi unificado com um passe universal e ilimitado de transporte público, que dá acesso a qualquer operador, a qualquer hora do dia, as vezes que quisermos. E, escolhendo a modalidade Metropolitana do Navegante (40€/mês), podemos olhar para a AML como um todo.
Só em Lisboa e só com a Carris e a Carris Metropolitana é que a promessa de unidade fica quebrada. Numa sessão de discussão sobre o novo serviço de transporte público, que decorreu no início desta semana em Algés, um trabalhador do Aeroporto, residente em Lisboa, contou que tem para se deslocar para o trabalho uma oferta escassa da Carris, tendo, por vezes, de esperar meia hora pelo autocarro, enquanto vê autocarros da Carris Metropolitana a passar e dos quais poderia beneficiar se fosse permitido. A restrição de uso livre do serviço da Carris Metropolitana também já foi levantado no grupo de Facebook de Passageiros da Carris Metropolitana, onde uma passageira indica não haver “qualquer indicação desta restrição nas paragens ou no autocarro”, podendo passageiros mais ocasionais serem surpreendidos pela regra.
Na verdade, existem vários eixos da cidade de Lisboa onde a oferta da Carris Metropolitana é bastante forte, porque são eixos de entrada ou saída da cidade. É o caso da Avenida Calouste Gulbenkian e da Avenida de Ceuta, entre Campolide e Alcântara; é o caso da Calçada de Carriche e da Alameda das Linhas de Torres, entre Santa Clara e o Lumiar; é o caso da Avenida Almirante Gago Coutinho, entre o Areeiro e Alvalade; é o caso também do eixo entre o Marquês de Pombal e as Amoreiras, de parte da zona de Belém ou ainda da área norte do Parque das Nações, em direcção a Loures.
A restrição na utilização de outro autocarro que não da Carris em Lisboa já se colocava antes da Carris Metropolitana, em qualquer um dos operadores privados com serviço na capital – Rodoviária de Lisboa (RL), Vimeca, TST… No entanto, a unificação levada agora a cabo poderia ter sido pretexto para rever esta matéria e reajustar a exclusividade da Carris, até porque usa parte do seu nome; se é verdade que o contrato de concessão procurará salvaguardar o interesse da empresa municipal e da cidade (garantindo que, de repente, não aparece um novo concorrente), a Carris Metropolitana é só uma e a sua actividade é devidamente regulada, gerida e financiada pelos 18 municípios, incluindo pelo de Lisboa. Aliás, uma maior articulação entre a Carris e a Carris Metropolitana, poderia permitir à primeira passar algumas linhas intermunicipais para a segunda, libertando recursos humanos e frota para eventuais reforços em carreiras municipais.
Importa ainda salientar que Lisboa é um caso singular. A Carris Metropolitana também não opera linhas municipais em Cascais e no Barreiro, onde as autarquias têm serviços próprios de transporte público rodoviário – mas nem a MobiCascais, nem a Transportes Colectivos do Barreiro operam num regime de exclusividade semelhante ao da Carris. Isso permite que, tanto em Cascais como no Barreiro, os passageiros possam entrar e sair livremente de autocarros da Carris Metropolitana, sem terem de passar os limites do concelho.
Quanto a Lisboa, será precisa vontade e disponibilidade para criar novas relações entre os dois serviços de transporte público rodoviário. Talvez seja uma questão de tempo. Em Maio de 2022, ainda antes do lançamento da Carris Metropolitana, a TML, responsável pela operação da nova marca, dizia que não estava prevista qualquer alteração à situação de exclusividade em Lisboa, mas que iria estudar eventuais excepções caso a caso, por exemplo, nas ligações ao Aeroporto.