Exposição fotográfica mostra o passado esquecido da bicicleta em Lisboa

10 lugares da cidade de Lisboa do século XX foram “refotografados” para uma exposição fotográfica que procura questionar as nossas cidades e que nos mostra quotidianos perdidos no tempo. Uma iniciativa do projecto de investigação Hi-BicLab.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

Uma pequena exposição fotográfica, realizada no âmbito do projecto de investigação Hi-BicLab, que decorre ao longo deste ano em Lisboa, leva-nos a questionar para quem queremos as cidades e mostra-nos quotidianos cicláveis nas ruas lisboetas do século XX – quotidianos que se a História recente foi tornando invisível.

“A visão que temos do passado é fruto e objecto de disputas e de escolhas sobre o que visibilizar. Focarmo-nos apenas na narrativa histórica que descreve a progressiva intensificação da ocupação do espaço público pelo automóvel particular em detrimento de outros meios supostamente mais lentos, como a bicicleta, pode induzir-nos a não perceber as invisibilizações que ocorreram ao longo desse processo, acabando por as reproduzir. Como perceber a importância que a bicicleta teve no quotidiano lisboeta do século XX para diversas categorias profissionais, como meio de transporte, para usos desportivos e também recreativos, para pessoas de diversas idades?”

– introdução à exposição, Hi-BicLab
Fotografia de Lisboa Para Pessoas

Intitulada “A Cidade Para Quem?: Quotidianos Cicláveis Nas Ruas Lisboetas do Século XX”, a exposição coloca lado a lado fotografias do passado e do presente da cidade. As imagens antigas foram recolhidas do Arquivo Municipal de Lisboa – são 10 registos de ruas da cidade de entre o início do século XX e o final dos anos 1970. As fotografias do passado foram “refeitas” em 2022, com a ajuda da antropóloga e cineasta Charlotte Seegers.

Através da comparação entre o quotidiano de outrora e o de agora, a exposição convida o público a pensar “que mudanças são perceptíveis na cidade, como a forma de sociabilizar e de se mover mudou desde então, em prol de quais sujeitos a cidade está construída, e, por fim, mas não menos importante, que cidade queremos no presente e para o futuro”, segundo se pode ler no texto introdutório da exposição.

A exposição está disponível online e no Centro de Informação Urbana de Lisboa (CIUL), em Picoas, até ao final desta semana. Depois irá transitar por outros espaços. A mostra fotográfica insere-se nas actividades do Hi-BicLab, um projecto de investigação que cruza várias disciplinas, reunindo uma dezena de investigadores e parceiros, e que se propõe a trabalhar sobre a invisibilidade da bicicleta na História recente de Lisboa. “Nem sempre o anda de bicicleta foi visto da mesma maneira e isso tem influência nas políticas, nas representações, na forma de as pessoas percepcionam a bicicleta hoje em dia”, disse Maria Luísa Sousa, historiadora e coordenadora do projecto, numa apresentação sobre o mesmo que decorreu a 11 de Janeiro, antecedendo a inauguração da exposição.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

A realização desta exposição fotográfica seguiu-se no calendário do Hi-BicLab a um passeio pela cidade no final de 2022, que contou com a participação de mais de duas dezenas de utilizadores diários da bicicleta em Lisboa e no qual os investigadores procuraram novas pistas e linhas de estudo. “O passeio inspirou-nos a identificar novas questões sobre o passado para investigação futura”, comentou Luísa. Também no ano passado foram promovidos “journal clubs”, encontros para discussão de artigos científicos sobre mobilidade urbana, seleccionados pelos investigadores. Já durante este ano, os planos incluem a realização de um conjunto de workshops abertos à comunidade.

Todos estes momentos inserem-se na metodologia de investigação escolhida pelo Hi-BicLab: a de um Laboratório de História, no qual se pretende reconstruir a História e as histórias da bicicleta em Lisboa, através de um olhar para o passado com os olhos postos no presente e no futuro. A ideia é, no fundo, perceber o que a História nos pode ensinar sobre os quotidianos de hoje. O trabalho irá culminar com a publicação de um livro inserido na colecção internacional Cycling Cities. “O projecto está a ser um processo, está a ser transformativo mesmo para nós. O Hi-BicLab não é uma ideia cristalizada e de ideias fechadas”, garantiu a investigadora.

No dia 11 de Janeiro, além da inauguração da exposição, o Hi-BicLab promoveu uma palestra com Colin Divali, professor na Universidade de York, no Reino Unido, onde dirige o Instituto de Estudos Ferroviários, e consultor na área dos transportes junto do Governo britânico. É “alguém com experiência em realizar Laboratórios de História”, explicou Luísa; por isso, está a ajudar a equipa do Hi-BicLab. Na sua intervenção, realizada via Zoom, Colin apresentou-nos parte do seu trabalho com Laboratórios de História e, em particular, um estudo de caso que se passou nos anos 1960s e 1970s na costa sul de Inglaterra, numa região em rápido desenvolvimento, e que envolveu, na altura, uma discussão sobre o futuro do transporte suburbano – se deveria ser rodoviário ou ferroviário.

Colin Divali participou via Zoom (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

Com os Laboratórios de História, procuramos “perceber o passado para pensar melhor o futuro” e “imaginar melhores visões e visões de forma mais ampla”. Na verdade, disse-nos Colin, o passado condiciona-nos na forma de pensar como nos podemos mover hoje na cidade. É fácil, em cidades rodeadas de carros, esquecemo-nos que houve outras formas de transporte no passado, que podem ser recuperadas no futuro”. O investigador e consultor disse que o resultado é muitas vezes de frustração “porque ideias que nos parecem lógicas acabam logo rejeitadas com a oposição dos demais cidadãos, dos políticos, etc”. Por isso, é importante “escrever boas histórias sobre o passado”, “que nos tornem livres de repensar o senso comum” e a mobilidade dominante nos dias de hoje. Colin Divali disse-nos que “não é preciso inventar a roda”; e muitas vezes basta “falar com especialistas e historiadores, e perguntar a grupos que não estejam necessariamente envolvidos nos transportes”.

O especialista britânico levantou ainda um ponto interessante: o termo “modernização” pode ter diferentes significados para diferentes grupos de pessoas – para uns, pode querer significar modernizar a ferrovia para a tornar mais apelativa; para outros, pode querer dizer que modernizar é trocar a ferrovia pela rodovia. “Hoje em dia, a palavra ‘sustentabilidade’ é usada por diferentes grupos para significar diferentes coisas.”

A mesa redonda (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

À palestra de Colin, seguiu-se uma mesa redonda aberta durante a qual público e convidados discutiram o passado e presente da bicicleta, e a sua representação. Podes acompanhar o Hi-BicLab nas redes sociais Instagram, Facebook e Twitter. E mais importante: se quiseres receber a newsletter do projecto, envia um e-mail a pedir isso mesmo para hi.biclab@campus.fct.unl.pt.

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