Crónica.
Ser voluntário num projecto destes é uma forma fantástica de retribuir ao meio ambiente e de ajudar a mitigar os impactos da desflorestação, que também se deu (e se dá) em contexto urbano.

Desde pequeno que fui habituado pela minha mãe e avó a mexer na terra.
Arrancar ervas daninhas, semear e transplantar flores e vegetais, preservar o meio natural em redor de minha casa… tudo isto me foi incutido cedo. Tendo me mudado para o Lumiar, para um apartamento entre o Parque Oeste e a Quinta das Conchas, consegui, ainda assim, viver num meio urbano mas com imenso espaço verde em redor, fazendo-me lembrar da minha casa no Samouco, em Alcochete.
Sei que muitas pessoas em Lisboa não têm a mesma sorte de ter perto de si estes espaços de bem estar, lazer e ar puro como deveriam. Apesar de o Areeiro ter mesmo ali ao lado um dos melhores Corredores Verdes da cidade, quando soube de uma iniciativa para criar nesse Corredor, mais concretamente no Parque Urbano do Casal Vistoso, uma mini-floresta, quis logo participar como voluntário e ajudar tanto na preparação do terreno como na plantação.

Ser voluntário num projecto destes é uma forma fantástica de retribuir ao meio ambiente e de ajudar a mitigar os impactos da desflorestação, que também se deu (e se dá) em contexto urbano. A perda de cobertura vegetal nas cidades é um dos principais contribuintes para as chamadas “ilhas de calor” e resulta na perda de habitat valioso para a vida selvagem, erosão do solo e libertação de carbono para a atmosfera. Projectos como este, da Urbem, visam plantar novas árvores em áreas descampadas, restaurar terras degradadas e proteger também as árvores já lá existentes. À medida que as novas espécies crescerem e se estabelecerem, elas absorverão dióxido de carbono da atmosfera, reduzindo a quantidade de gases de efeito-estufa no ar, ajudando a mitigar os impactos das mudanças climáticas, e produzindo sombra e humidade que ajuda a baixar as temperaturas locais.
Ao chegar ao local, numa das manhãs de plantação, fomos logo recebidos pelo António e pela Sasy, que rapidamente nos fizeram um resumo dos objectivos a longo prazo do projecto, da primeira mini-floresta criada ali ao lado, no Vale da Montanha, e das tarefas que tinham para nós nesse dia. Após um aquecimento e alongamentos bastante necessários para evitar lesões e câimbras, coube-nos preparar os terrenos. Divididos em grupos e usando fio e estacas, criámos uma demarcação dos talhões onde seriam as plantações e onde seriam os futuros caminhos. Logo a seguir, removemos uma camada superficial dos solos para retirar o grosso das ervas daninhas. Sob a orientação atenta do António, começámos a cavar os buracos onde as árvores e arbustos seriam plantados. Foi nos explicado que o método Miyawaki envolve plantar as espécies de um modo bastante denso, de modo a que compitam por luz solar e que se obriguem umas às outras a crescer mais rápido, mesmo que nem todas sobrevivam no final.

Definidas as plantas que iam estar em cada parcela de terreno, começámos a plantar efectivamente, com o cuidado de espaçar mais as árvores e então colocar as espécies arbustivas e rasteiras em seu redor. Tínhamos disponíveis pequenas árvores provenientes de viveiros da cidade, como oliveiras, carvalhos, espinheiros, zimbros e medronheiros, que se viram rodeados de alecrim, alfazema, oregãos, arruda e salva. Foi tido o cuidado de criar um ambiente biodiverso, com plantas nativas a Lisboa, espécies autóctones portuguesas e adaptadas ao clima temperado mediterrâneo.
Após as plantações, uma nova etapa: proteger o terreno plantado. O uso de cobertura vegetal tem vários objectivos: a manutenção da humidade (já que evita uma rápida evaporo-transpiração do solo e das plantas), a protecção contra erosão e a introdução de nutrientes como nitrogénio no solo, à medida que essa cobertura se decompõe. Foram usados não só a relva e ervas daninhas cortadas anteriormente, mas também palha com borras de café doadas pela Nãm-Mushrooms, uma entidade que recolhe borras de café usadas da Delta e juntando palha e outros compostos cria cogumelos usados então para alimentação.

Este projecto de criação de mini-florestas urbanas não serve somente para a restauração do meio ambiente, mas também como meio de pesquisa e desenvolvimento sobre o próprio método e metodologias utilizadas. Dependendo do talhão, diversas variáveis serão estudadas de modo a aferir as melhores condições para o crescimento das plantas: se é bom colocar ou não composto; se é melhor o uso de palha como cobertura vegetal com borras de café, com relva cortada ou com uma mistura das duas; se é bom a cobertura do terreno com cartão de modo a prevenir o crescimento de ervas daninhas, etc. O objectivo é que os dados sejam disponibilizados a quem necessitar dos mesmos, e que os melhores métodos possam então ser reproduzidos.
Plantações feitas e “cobertas”, seguimos para a criação de lagos semi-permanentes com recurso a telas plásticas, de modo a evitar a infiltração da água de escorrimento no solo (que desceria pela colina) e a criar zonas húmidas que não só servirão a vida selvagem que lá se instalar, como também aumentará a humidade da área, diminuindo o impacto de secas meteorológicas. A ideia é não encher os lagos artificialmente, usando apenas as chuvas.
Um dos aspectos mais espectaculares de toda a manhã com a Urbem foram as pessoas a passar no caminho pedonal e ciclovia que rodeava o terreno. Interessadas, paravam para ver, tirar fotos; as mais curiosas vinham ter connosco e perguntar o que estávamos a fazer, se uma horta, se um parque, se outra coisa… Alguns eram vizinhos do bairro, outros de zonas mais afastadas mas que iam ali passear por ser uma área verde, mas vários mostraram se interessados em participar, prometendo juntar-se em sessões seguintes.

Voltei duas semanas depois para ver o estado do que plantei mas também para novas tarefas. Melhorámos algumas valas para encaminhamento de água, criámos e cobrimos um novo lago, e plantámos mais árvores junto à futura “entrada” da floresta (desta vez já ensinei algumas coisas aos outros voluntários). Fizemos também uma manutenção e monitorização dos talhões plantados para evitar o crescimento descontrolado de ervas daninhas (a chamada monda) – uma tarefa que será necessária nos primeiros anos até a floresta se tornar auto-suficiente, o que pode demorar três a quatro anos.
Por fim, não posso deixar de mencionar a parte de convívio inerente ao projecto. Conhecer pessoas de meios diferentes, não só portugueses mas também americanos, belgas, canadianos e neerlandeses, jovens e adultos, falar sobre as suas experiências de vida enquanto cavávamos e trabalhávamos a terra, criou uma sensação de comunidade onde em pouco tempo após nos conhecermos estávamos todos lá para o mesmo propósito.
Certamente voltarei muitas mais vezes.
Se quiseres participar, podes conhecer as próximas acções de plantação e outras actividades relacionadas com a mini-floresta aqui, na plataforma Meetup.