Carta Municipal de Habitação de Lisboa: apresentada a estratégia da cidade

Carlos Moedas e a Vereadora da Habitação, Filipa Roseta, apresentaram a Carta Municipal de Habitação de Lisboa – o documento que organiza e sintetiza a estratégia da cidade neste campo.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

Com o intuito de organizar e de sintetizar as políticas locais de habitação, as autarquias contam com um instrumento chamado Carta Municipal de Habitação – a sua elaboração é exigida pela Lei de Bases da Habitação. Lisboa apresentou nesta quinta-feira, 23 de Fevereiro, a sua Carta. O documento ainda só é conhecido em linhas gerais e terá ainda de ser debatido e votado, tanto em reunião de Câmara como pela Assembleia Municipal.

“A habitação é, sem duvida, o maior desafio da nossa cidade e, por isso, temos de ser claros nas políticas de habitação”, afirmou o Presidente da Câmara, Carlos Moedas, durante a apresentação da Carta aos jornalistas. “Uma política de habitação tem de ser, em primeiro lugar, inclusiva, tem de ser participativa e tem de envolver todos. Uma política de habitação não pode ser algo que proíba ou que imponha”, explicou. Para Moedas, a política de habitação também não pode “gerar falsas expectativas” nem ser baseada em “medidas que coloquem o público contra o privado, ou os inquilinos contra os arrendantes, ou que transmitam à população que o Estado social pode resolver tudo”.

A Carta Municipal de Habitação de Lisboa clarifica a estratégia do município neste tema, reunindo num só documento as diferentes acções e políticas a seguir num horizonte temporal de 10 anos (até 2032). Foram definidas três grandes prioridades:

  1. aumentar e melhorar a oferta da habitação (não só a habitação municipal, como a habitação em parceria e também a habitação privada);
  2. reduzir assimetrias no acesso à habitação;
  3. regenerar a cidade esquecida.

As medidas

Estas prioridades concretizam-se em diversas medidas, que Moedas apresentou juntamente com a Vereadora da Habitação, Filipa Roseta. Entre as medidas, destacam-se:

  • continuação dos programas de arrendamento acessível – o Programa de Arrendamento Apoiado (PAA), dirigido a famílias de baixos recursos (rendimentos mensais <500 €), e o Programa de Renda Acessível (PRA), destinado à classe média (rendimentos mensais >760 €). Estas duas iniciativas vinham de mandatos anteriores, mas Moedas e Roseta identificaram um grupo que não estava a ter resposta nestes programas: as pessoas com rendimentos mensais entre os 500 e 760 €. “Muitas pessoas queriam evitar ganhar mais que 500 € para não perderem os apoios”, explicou Moedas. “Diziam-nos na rua que iam deixar de trabalhar só para terem casa. Isto não fazia sentido. Era um grupo que não tinha espaço nas políticas de habitação”, completou Roseta. Assim, para quem ganha entre 500 e 760 €, o município criou um PRA especial com 36 casas entregues em 2022 e mais 90 casas previstas em dois novos concursos.
Imagem via CML
  • isenção do IMI e IMT na compra da primeira casa até aos 250 mil euros para jovens até aos 35 anos. “Falamos de um valor que pode ir até aos 8 mil euros, disse o Presidente da Câmara, explicando que a medida permite aos jovens “entrarem no mercado imobiliário” com a compra de uma casa que pode ser mais pequena e, “com o tempo, conseguem vender essa casa e comprar outra maior”. No ano passado, Carlos Moedas viu esta medida ser chumbada pela oposição no executivo camarário, mas está confiante que será aprovada desta vez, já que ela surge num contexto mais alargado e diverso de outras medidas. “Espero que [os vereadores da oposição] não tenham a coragem de ir contra uma proposta que é essencial para os nossos jovens”, disse.
  • continuação do programa de Subsídio Municipal de Arrendamento Acessível, lançado em 2022. Trata-se de um subsídio de apoio à renda para jovens e profissionais residentes em Lisboa, em que a Câmara paga um terço dessa renda. É preciso que a renda supere uma taxa de esforço de 30% e que o agregado não ganhe mais que 35-45 mil euros anuais. Este subsídio é “uma maneira mais rápida de entrar na renda acessível”, pois não existe sorteio, ao contrário do PRA (Programa de Renda Acessível, referido anteriormente). “Podemos chegar a toda a gente, sem sorteio”, clarificou a Vereadora com o pelouro da Habitação. “Qualquer casa pode ser acessível se tiver uma renda acessível.”
  • construção de mais habitação municipal, seja com a Câmara a construir em terrenos municipais, seja com a Câmara a ceder o terreno para uma outra entidade nele construir, disponibilizando esses fogos para os programas de renda acessível. No total, Filipa Roseta prevê 9624 novas habitações, a maioria resultante de construção nova e uma parte de reabilitação urbana. Este número de 9624 habitações resulta do “potencial estimado tendo em conta os terrenos de que a Câmara dispõe e que ainda não estão desenvolvidos”, explicou a Vereadora, salientando que “produzir habitação demora tempo” e que, por isso, “existe um cronograma associado” – o Relógio da Habitação. O município tem 1006 fogos com obra concluída desde o início do mandato (Outubro de 2021), 930 fogos em obra, 1721 em projecto e 5967 em estudo. Para esta produção de habitação municipal e em parceria, a Câmara quer aproveitar os 340 milhões de euros de que dispõe de financiamento europeu, por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), até 2026.
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  • a Câmara de Lisboa pretende ainda trazer de volta as cooperativas para as políticas de habitação da cidade. “Vamos lançar cinco concursos para cooperativas até ao final do ano”, anunciou Filipa Roseta. Segundo a Vereadora, a ideia destes concursos para cooperativas é “dar um terreno municipal a um grupo de pessoas para que possam construir nele. Pagam apenas o valor da construção”. Está lançado o primeiro desses cinco concursos: trata-de se um terreno no Lumiar, perto do Estádio de Alvalade, onde uma cooperativa de pessoas poderá construir um edifício de habitação com 18 fogos. O caderno de encargos do concurso define as características dessas habitações, não havendo margem para as cooperativas definirem como querem o edifício e respectivos fogos, participando no processo de desenho e de arquitectura – tal situação desagrada a potenciais interessados como é o caso da Rizoma, uma cooperativa de Lisboa que tem estado a desenvolver projectos de habitação cooperativa, inspirada em casos internacionais como o d’La Borda, em Barcelona. Os concursos destinados às cooperativas estarão integrados no movimento Nova Bauhaus Europeia – uma iniciativa da Comissão Europeia que pretende posicionar a cultura e a criatividade no centro do Pacto Ecológico Europeu, e que assenta nos valores da sustentabilidade ambiental, estética e inclusão. Além do concurso no Lumiar aberto a cooperativas, a autarquia tem, dentro desta Nova Bauhaus Europeia, outros três concursos para projectos de construção de habitação – um deles é para resolver os problemas de alojamento na Quinta do Ferro.
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  • dignificar a habitação municipal. De acordo com um levantamento feito pela autarquia, existem 13 150 famílias em bairros municipais em condições indignas e mais 2 000 outras famílias em condições habitacionais indignas noutro edificado municipal. Só nos bairros municipais – que são geridos pela empresa municipal Gebalis –, estima-se serem necessários 160 milhões de euros para resolver as carências. A autarquia identificou ainda 36 “habitats de requalificação prioritária”, em colaboração com as Juntas de Freguesia. Filipa Roseta pretende canalizar fundos do PRR para melhorar as condições de habitabilidade dessas pessoas e também para dotar os edifícios de melhor eficiência energética. “Não pode haver zonas da cidade que ficam para trás”, afirmou a Vereadora, para quem regenerar a chamada cidade esquecida é fundamental. “Lisboa tem de ser magnífica em todos os seus quilómetros quadrados.”
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  • Moedas anunciou que a autarquia vai proceder à compra de imóveis devolutos da cidade, quando proprietários estejam interessados em desafazer-se deles (seja porque não têm interesse ou porque não têm dinheiro para fazer obras), para reabilitar esses edifícios e colocá-los no mercado acessível de arrendamento. “Não queremos pensar no PRR só para construir”, disse. “Esta é uma solução mais rápida para comprar frações já feitas, exercendo o direito de preferência, e, dessa forma, ter habitação mais barata.” O primeiro passo – que já estará a ser dado – é identificar na cidade imóveis devolutos que possam ser adquiridos pelo município. O Presidente da Câmara não adiantou valores para quantificar esta operação;
  • além de todas as medidas, o executivo de Carlos Moedas pretende ainda prosseguir a apostar em residências universitárias, com a disponibilização de 320 novas camas ainda neste ano, estando outras 900 camas em projecto. Quer ainda, em conjunto com a Universidade Nova de Lisboa, activar uma plataforma digital em que estudantes possam encontrar senhorios – poderá ser algo semelhante à Uniplaces. Filipa Roseta anunciou ainda a criação de um gabinete para o desenvolvimento de políticas habitacionais à escala metropolitana, porque este tema não termina nos limites de um município. A Vereadora explica que este género de gabinete “funciona muito bem ao nível dos bairros”, sendo uma política para continuar – nesta matéria, o objectivo é ter Gabinetes de Apoios de Bairros de Intervenção Prioritária (GABIP) por freguesia. Por seu lado, Moedas revelou que é fundamental promover a habitação para forças de trabalho essenciais ao funcionamento da cidade de Lisboa, como são os elementos da Polícia Municipal, de modo a fixar essas pessoas dentro do município.

Durante a apresentação, Filipa Roseta apresentou que o Sistema Municipal de Habitação que se pretende desenvolver com esta Carta e que deve assentar em três pilares:

  • o público, assumido pela Câmara de Lisboa e em que esta constrói habitação, reabilita património ou compra património privado (por exemplo, edifícios devolutos) para colocar no mercado público;
  • o em parceria, em que existe construção privada em terrenos municipais, que são dados a essas entidades por um horizonte temporal de 90 anos e com incentivos fiscais (aqui encaixam-se as cooperativas e também as concessões de renda acessível, um modelo em que são privados a construir habitação para disponibilizar a totalidade ou uma parte com preços abaixo do mercado);
  • o privado, onde se encaixam, do lado da autarquia, os apoios à renda, os incentivos fiscais como a isenção do IMI e do IMT, e os instrumentos de regulação do mercado.
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Neste Sistema Municipal de Habitação proposto,“todos ganham”, sintetizou Filipa Roseta. Neste domínio, Carlos Moedas lembrou que “os privados não contribuem se não tiverem rentabilidade” para referir porque é que algumas das promessas de renda acessível não foram cumpridas anteriormente. “Tínhamos um modelo em que os privados iam contribuir [com a construção de habitação] sem qualquer retorno” e, por isso, não estavam interessados. “Temos de rever o modelo das concessões [de renda acessível]”, a começar pelos projectos já planeados para Benfica e Parque das Nações. “Nós precisamos do privado.”

Sobre o projecto de renda acessível em modelo de parceria (concessão) do Restelo, Roseta adiantou que “nada foi cancelado” e que está a ser dada “prioridade ao que vai ser possível fazer até à data limite do PRR [2026]. Os projectos estão todos a fazer o seu caminho e estamos a gerir quais é possível fazer” para aproveitar os fundos europeus.

O diagnóstico

O grande objectivo da autarquia é superar os níveis de construção da última década, descrita como a pior do século XXI em termos de política pública municipal de habitação. “Houve uma enorme queda ao nível de produção de habitação na última década”, identificou Filipa Roseta. “Produziu-se muito pouco e as rendas subiram muito, não acompanhando os rendimentos”, acrescentou a Vereadora,m resumindo desta forma a problemática da habitação em Lisboa: “Quem está dentro [do ecossistema habitacional] está bem. Quem não está não consegue entrar.”

De um diagnóstico da situação actual, a Câmara de Lisboa identifica cerca de 320 mil habitações na cidade, das quais mais de 242 mil estão ocupadas de forma habitual (50% das pessoas estão a arrendar e 50% são proprietárias dessas habitações). No entanto, há na cidade perto de 78 mil habitações sem ocupação permanente e, destas, cerca de 48 mil estão vagas. A autarquia tinha uma quota parte de responsabilidade nestas casas vazias, já que 1756 fogos eram de habitação de sua propriedade. “Tínhamos duas mil habitações municipais vazias e a nossa primeira prioridade foi colocar todo o nosso património vazio ao serviço das famílias”, destacou Roseta.

“O que está aqui no papel não são promessas, é o que estamos a fazer”, disse Carlos Moedas, mencionando a importância de “ter dados para se fazer essa política”. “A política torna-se ideológica quando não há dados e quando se faz com base em emoções.” Moedas rejeita uma componente ideológica na Carta Municipal de Habitação apresentada, salientando a “diversificação de propostas”, o que o deixa confiante quanto à eventual aprovação da isenção do IMI e IMT para jovens – afinal, deixa de ser uma medida avulsa para estar integrada numa estratégia. “Temos aqui a prova hoje de que a nossa política é diversificada. E por isso volto a levar esta medida. Temos de ter medidas que reduzam os impostos às pessoas.”

Filipa Roseta anunciou que a vontade é desenvolver um relatório anual das políticas de habitação. “Vamos apresentar os nossos números e fazer sempre melhor no ano seguinte”, disse, revelando ambição e vontade em inverter o paradigma. Os dados apresentados sobre o último século e, em particular sobre a última década, mostram que, apesar de ter existido um abrandamento substancial na produção de habitação, aumentaram os apoios e a entrega de novas chaves de renda acessível.

Ainda para Carlos Moedas, as políticas de habitação “não devem ser unilateriais” e devemos desconfiar sempre quando se propõe uma única resposta para todo o universo populacional. “As políticas devem ser segmentadas para grupos diferentes.” A Carta Municipal de Habitação será apresentada, em detalhe, no próximo dia 6 de Março ao Conselho Municipal de Habitação. Será depois debatida publicamente e terá de ser ainda discutida e aprovada, quer pelo executivo camarário, quer pela Assembleia Municipal de Lisboa.

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