É já o quinto período de greve no sector ferroviário este ano. Em 28 dias de Fevereiro, as greves afectaram pelo menos 12 dias. Em que consistem estas greves? Quantas já existiram? A CP perde dinheiro? O que dizem o Governo e a CML?

A partir desta sexta-feira, dia 10, e durante sete dias (até dia 17), os maquinistas da CP estão de greve. O dia mais crítico será mesmo esta sexta, prevendo-se apenas a realização de 30% dos comboios habituais com os serviços mínimos decretados.
Esta é mais uma paralisação a afectar o serviço da operadora ferroviária pública desde o início do ano. Trabalhadores querem ser valorizados pelo Governo, mas este tem estado em silêncio. Por seu lado, o Presidente da Câmara de Lisboa já quer que ao executivo de António Costa resolva o problema, tendo apresentado a sua posição.
Em que consistem estas greves?
Os serviços ferroviários podem ser afectados por dois tipos de greves: tanto de sindicatos que representam trabalhadores da CP, que opera os comboios; quer de sindicatos representativos de trabalhadores da IP, que é responsável pela gestão da infraestrutura ferroviária. Quando há greve a afectar a IP, isso significa que a operação da CP e da Fertagus (que opera a linha entre Lisboa e Setúbal) é afectada, mesmo não estando os trabalhadores dessas empresas em greve.
Existem vários sindicatos a representar a força laboral destas duas empresas e as greves podem ser convocadas por um desses sindicatos ou por vários. Por exemplo, a última grande perturbação no serviço ferroviário nacional resultou de uma greve da CP e da IP; essa greve foi convocada por 11 organizações sindicais: SINAFE (Sindicato Nacional dos Ferroviários do Movimento e Afins), SINTAP (Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública), SINFA (Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários, das Infraestruturas e Afins), ASCEF (Associação Sindical das Chefias Intermédias de Exploração Ferroviária), SINFB (Sindicato Independente Nacional dos Ferroviários), SIOFA (Sindicato Independente dos Operacionais Ferroviários e Afins), ASSIFECO (Associação Sindical Independente dos Ferroviários de Carreira Comercial), FENTCOP (Federação nacional dos Transportes, Comunicações e Obras Públicas), STF (Serviços Técnicos Ferroviários), STMEFE (Sindicato dos Trabalhadores do Metro e Ferroviários), e SNTF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Setor Ferroviário).
A greve que agora decorre é da responsabilidade dos SMAQ (Sindicado de Maquinistas).
As greves nem sempre são totais, ou seja, nem sempre afectam um dia completo. Podem ser ao trabalho suplementar, isto é, às horas extraordinárias e aos dias de descanso semanal. Podem também ocorrer ao fim de um determinado número de horas de trabalho. No caso de greves de 24 horas ou de greves prolongadas, são geralmente decretados pelo Tribunal Arbitral serviços mínimos, que terão de ser cumpridos e que parte do pressuposto de que a operação ferroviária é um serviço público demasiado essencial para não se realizar num dia inteiro no país.
Quantas greves já afectaram a CP este ano?
A greve dos maquinistas que arranca neste dia 10 e que se prolonga até dia 17 é a terceira dos maquinistas desde o início do ano, mas, no geral, os trabalhadores da CP já pararam quatro vezes só neste 2023. Vamos a um calendário-resumo?
- depois de um final de ano com paralisações, o ano de 2023 arrancou com uma greve convocada por vários sindicatos que representam trabalhadores da CP e da IP ao chamado trabalho suplementar (horas extraordinárias e dias de descanso semanal), que começou ainda no final de Dezembro e que só terminou no dia 2 de Janeiro. Esta greve afectou algumas circulações;
- nos dias 4 e 5 de Janeiro (uma quarta e quinta-feira), os maquinistas da CP fizeram greve de 24 horas, tendo existido serviços mínimos apenas para 30% dos serviços. E de 3 a 8 de Janeiro, houve nova greve ao trabalho suplementar, afectando vários comboios;
- de 8 a 21 de Fevereiro (14 dias), vários sindicatos representativos de trabalhadores da CP, incluindo maquinistas, convocaram uma greve, para a qual não foram decretados serviços mínimos e que resultou em fortes perturbações na circulação dos comboios;
- entre os dias 27 de Fevereiro e 1 de Março, nova greve convocada também por vários sindicatos representativos dos trabalhadores da CP, mas que não envolveu os maquinistas, desta vez. Além da greve que afectou a CP, também houve uma na IP nos dias 28 e 2 de Março, pelo que os comboios tiveram a sua normal circulação perturbada durante durante um total de quatro dias. Os serviços mínimos garantiram a circulação de apenas 25% dos comboios programados;
- a greve de 10 a 17 de Março (sete dias), foi convocada pelo sindicato representativo dos maquinistas da CP e terá um impacto nos comboios durante sete dias. O dia mais crítico será este dia 10, sexta-feira, e que a greve será de 24 horas. Entre os dias 11 e 17, os maquinistas vão parar a partir das 7 horas e 30 minutos de trabalho. Há serviços mínimos garantidos.
Contas feitas, nos 28 dias de Fevereiro, o serviço ferroviário nacional esteve estável em menos de metade (12 dias), o que tem um impacto na vida de milhões de pessoas, nomeadamente as que usam o comboio para chegar dos subúrbios aos seus empregos na cidade. A última paralisação de Fevereiro ficou marcada por um incidente na Linha de Sintra, já no dia 1 de Março, num comboio que circulava atrasado e sobrelotado.
Uma vergonha essa situação da CP #Comboio #Greve #Lisboa pic.twitter.com/dufbxShOgJ
— Jheymison Breno (@JheymisonBreno) March 1, 2023
Segundo a CP, esse comboio estava previsto nos serviços mínimos e circulava em direcção a Sintra “com um atraso de 45 minutos em consequência do auxílio prestado a passageiros na viagem imediatamente anterior”; “entre as estações de Campolide e Benfica, a cerca 700 metros da estação, um passageiro accionou o sinal de alarme do comboio que, nesse momento, circulava com a lotação completa”, informa em comunicação. A empresa diz que essa acção do passageiro fez activar o sistema de segurança, “imobilizando o comboio imediatamente”, e que, “enquanto o revisor seguia os procedimentos de segurança e se deslocava para a carruagem onde o sinal de alarme havia sido acionado, alguns passageiros abriram as portas das carruagens e saíram para a linha”.
Os impactos na greve sentem-se noutros modos de transporte, principalmente os que ligam os subúrbios à cidade de Lisboa, e dos quais não há registo de haver qualquer reforço. Na interface intermodal do Cacém, a PSP foi chamada a intervir num dia de greve para controlar as entradas nos autocarros da Carris Metropolitana.
O que pedem os ferroviários?
A grande motivação das greves – tanto na CP como na IP – tem a ver com os salários. Os ferroviários querem que os seus vencimentos acompanhem o aumento do custo de vida, resultante do contexto económico e financeiro do país. O problema começa em quem tutela as duas empresas públicas: o Governo. Tanto do lado do Ministério das Infraestruturas, que gere a CP e a IP directamente, como do lado do Ministério das Finanças, que liberta as verbas, a administração da CP (e também a da IP) só está a fazer aumentos de 5,1%, à semelhança do que acontece na função pública. “Mas ao contrário desta, em que o aumento incide sobre o salário-base dos trabalhadores, na CP o aumento incide sobre a massa salarial da totalidade dos funcionários, o que significa que já acomoda os aumentos automáticos por força da progressão da carreira e a que os trabalhadores têm direito. Excluindo esta componente, em termos médios, o pessoal da CP teria um aumento de 3,49%, o que, obviamente, não os satisfaz”, explicam os jornalistas Carlos Cipriano e Rúben Martins, especializados no tema da ferrovia, no Público.
No recente episódio do podcast Sobre Carris, que acompanha o supra referido artigo, os dois jornalistas do Público e o jornalista Diogo Ferreira Nunes, do ECO, falaram com três sindicalistas ferroviários. Um deles, Luís Bravo, presidente do SFRCI (Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante), defendeu um aumento de 7,8%, idêntico ao da taxa de inflação, para parar com as greves. O episódio pode ser escutado aqui:
Têm existido reuniões negociais entre os sindicatos e a administração da CP, mas, num comunicado divulgado a 11 de Fevereiro, o SINAFE (Sindicato Nacional dos Ferroviários do Movimento e Afins) referia que esta tinha mantido “a proposta apresentada na anterior reunião negocial, com algumas nuances não significativas, nem aproximação às reivindicações do SINAFE”. “Claramente condicionado pelo Governo, o negociador patronal acenava com o despacho da tutela financeira que limitava o aumento a 5,1% da massa salarial, o que se traduz por mais um ano de perda de poder de compra para os trabalhadores da CP”, acrescentava.
Como é escrito no Público, existem 17 sindicatos ligados à CP e cada um tem as suas reivindicações. O SMAQ (Sindicato dos Maquinistas), que assina a greve que está a afectar esta primeira quinzena de Março, pede “aumentos salariais efectivos”, “melhoria das condições de trabalho nas cabines de condução e instalações sociais”, bem como “das condições de segurança nas linhas e parques de resguardo do material motor”; pede também a “humanização das escalas de serviço, horas de refeição enquadradas e redução dos repousos fora da sede”, a “implementação de um efetivo protocolo de acompanhamento psicológico aos maquinistas em caso de colhida de pessoas na via e acidentes” e o “reconhecimento e valorização das exigências profissionais e de formação dos maquinistas pelo novo quadro legislativo”. “Os Maquinistas lutam contra a degradação acentuada e continuada das condições de vida dos trabalhadores, exigem a reposição do poder de compra perdido e o respeito pelas suas condições de segurança e de trabalho”, pode ler-se num comunicado publicado no site do SMAQ.
Noutra comunicação pública, esta do SNTSF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário), datada de 20 de Fevereiro, pode ler-se que “a luta tem que continuar” porque as actualizações salariais propostas “não respondem às necessidades dos trabalhadores, nem repõem o poder de compra perdido, que juntando os anos de 2022/2023 é na ordem dos 10%”. “Isso não acontecerá por iniciativa do governo/administrações, mas sim pela pressão e mobilização de todos os trabalhadores em defesa dos seus interesses e do direito e exigência fundamental de um salário digno”, lê-se no documento, através do qual o sindicato pedia a mobilização de toda a força trabalhadora da CP e da IP. “O caminho é unificar e articular lutas em todas as empresas públicas de transportes”, referia ainda o sindicato.

O que diz o Governo?
O Ministro das Infraestruturas, João Galamba, tem estado em silêncio e as conversas entre os sindicatos e o seu Ministério no sentido de desbloquear o impasse laboral têm estado paradas, conforme reporta a imprensa. António Salvado, do SINFA, dizia à agência Lusa a 2 de Março ser “inacreditável” não ter havido durante os quatro dias de greve uma tentativa da tutela de desconvocar a paralisação e de negociar com os trabalhadores. “Nós fizemos uma greve de quatro dias no sentido de que alguém nos oiça e até agora não tem havido qualquer reacção por parte dos ministros das Infraestruturas e das Finanças. Não houve até à data e vamos no quarto dia de greve. Não se percebe como é que não há um pequeno esforço das tutelas para chegar a um acordo”, dizia Salvado, citado pela Lusa. “Não estamos a anos-luz de um acordo. Queremos negociar. Pedimos audiências antes da greve e até agora nada.”
As últimas declarações públicas de Galamba sobre a CP são do início de Fevereiro. O Ministro disse aos jornalistas que haver “sempre toda a disponibilidade da parte do Governo para reunir e resolver os problemas que se vai enfrentando”. Uma reunião entre Galamba e os sindicatos realizou-se apenas no dia 30 de Janeiro – segundo a FECTRANS, federação que agrega vários sindicatos do sector dos transportes, terá sido transmitido a Galamba “que é preciso olhar para a questão salarial, não só do ponto de vista da reposição e valorização do poder de compra dos trabalhadores que estão nas empresas, mas como forma de fixar os trabalhadores, que cada vez saem mais destas empresas devido aos baixos salários e para atrair novos com melhores qualificações”.
No entanto, tanto o Governo como as administrações da CP e da IP, não conseguirão facilmente desbloquear as reivindicações, como explica o Público: “Não é de esperar flexibilização das posições do Governo, que definiu os 5,1% para a função pública e entende que não deve ceder na CP e na IP por correr o risco de haver um efeito de contágio noutras organizações do sector empresarial do Estado.” Portanto, as administrações das empresas estão a manter os aumentos de 5,1% da massa salarial (que resultam, na prática, em aumentos inferiores dos salários) e o Governo também não está disponível para abrir excepções.
O que diz a Câmara de Lisboa?
O executivo da Câmara de Lisboa discutiu esta semana, em reunião privada, uma moção através da qual toma uma posição inédita em relação ao sistema ferroviário da cidade e da área metropolitana. No documento que foi apresentado por Carlos Moedas em reunião e que foi, nessa reunião, melhorado com sugestões dos vereadores do PCP, pode ler-se que “é com grande preocupação que a Câmara Municipal de Lisboa verifica uma crescente insatisfação dos utilizadores do transporte público ferroviário, associada também às recentes perturbações no transporte ferroviário que vêm sendo sentidas e reportadas”; e, a propósito do incidente de dia 1 de Março na Linha de Sintra, o município refere que o Governo se desresponsabilizou de “de qualquer tarefa de mediação que conduza a uma normalização da circulação ferroviária e das condições de mobilidade urbana e metropolitana”.
“O impacto desta ausência da política ferroviária de que Lisboa e o País carecem por parte do governo e de incentivo à utilização do transporte ferroviário provoca, ainda, um aumento do uso do transporte particular, em contraciclo com o discurso do Governo nesta matéria e com fortes impactos negativos na mobilidade, na saúde e na qualidade do ar, o que afeta negativamente o bem-estar da população de Lisboa, com fortes congestionamentos de tráfego nas principais artérias da cidade, em praticamente todas as horas do dia.”
– moção apresentada por Carlos Moedas
A Câmara de Lisboa pede, assim, ao Governo que tome “as medidas necessárias para a resolução dos problemas que afectam a utilização da ferrovia na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes e, a Assembleia da República, no sentido de promover um amplo debate parlamentar sobre a política pública de mobilidade do Governo”. Na moção, a autarquia lisboeta assegura ainda que fará a sua parte e que “não deixará de assumir as suas responsabilidades nessa e nas outras medidas e políticas que desenvolve com o objetivo de promover uma mobilidade segura, sustentável e previsível que, ao invés de casuar transtornos aos utilizadores, pretende facilitar a circulação fluída na cidade e nas viagens de e para os concelhos limítrofes”.
“É por força da necessidade de políticas concertadas, e defendendo os interesses dos munícipes lisboetas e das pessoas que estudam, trabalham e visitam a cidade de Lisboa, que a Câmara Municipal de Lisboa pretende tomar uma posição através da presente moção”, pode ler-se no documento onde também se fala dos investimentos atrasados neste campo. “A dimensão ferroviária da mobilidade urbana não tem sido devidamente acautelada pelo Governo. Em termos estruturais, deve não só assinalar-se o atraso na execução do Programa Ferrovia 2020, que já deveria ter terminado em Setembro de 2021, como o atraso na requalificação e substituição do material circulante, cujas primeiras composições, para o serviço regional, apenas deverão começar a ser entregues em 2025, sete anos depois de o Governo ter aprovado a respectiva aquisição.”
A moção foi discutida e votada em reunião, com seis votos a favor, seis contra e uma abstenção. Como existiu um empate, o Presidente da Câmara tem o chamado voto de qualidade, ou seja, o seu voto vale por dois, o que permitiria aprovar a moção. No entanto, o PS contestou o voto de qualidade atribuído ao Vice-Presidente, Filipe Anacoreta Correia, que dirigia a reunião em substituição de Carlos Moedas, pelo que a questão foi encaminha para os serviços municipais para avaliação e a votação final acabou por ser adiada.
No entanto, a existência desta moção permite conhecer a posição do Presidente da Câmara de Lisboa e do executivo em relação à situação actual na CP e na ferrovia.
A CP perde dinheiro com as greves?
É uma das grandes perguntas que se fazem em relação a esta temática. Apesar de ser no serviço suburbano que a CP tem mais passageiros, é no longo curso (Intercidades e Alfa Pendular) que a operadora ganha mais dinheiro. De acordo com o jornal Público, em 2019, antes da pandemia, a CP ganhava 500 a 700 mil euros por dia com a venda de bilhetes, dos quais apenas aproximadamente 100 mil euros provinham dos passes. “Nessa altura, a empresa tinha conseguido até lucros operacionais de 4,4 milhões de euros, o que significa que, não fora o peso da dívida, a CP não seria uma empresa deficitária”, é explicado por aquele jornal. “É um mito que a empresa compense a perda de receita com o que poupa nos custos operacionais por não realizar comboios. Pelo contrário, a perda de receita é devastadora para as suas contas e o que já perdeu nestas greves daria para satisfazer as reivindicações salariais dos seus trabalhadores.”
A Iniciativa Liberal, por seu lado, disse que vai apresentar no Parlamento uma proposta para que seja devolvida aos passageiros da CP o valor do passe correspondente aos dias de greve. Segundo Rui Rocha, o líder do partido, citado pela Lusa, “a devolução do valor do passe correspondente aos dias em que não há serviço e em que, portanto, as pessoas têm de ir ou de transporte público alternativo, ou através de um meio próprio que tenham, ou através de serviços de transporte de táxi e Uber”. No entanto, se existem passes próprios da CP em que pode ser possível essa devolução, no caso de passes como o Navegante que incluem vários modos de transporte, é difícil quantificar quantos dos portadores desse passe usam a CP e se usam muito ou pouco, por exemplo.