“Superquarteirões” vão ser testados na Praça da Alegria e no Jardim da Parada

Um domingo por mês, o trânsito será fechado em redor da Praça da Alegria, na freguesia de Santo António. E no Jardim da Parada, em Campo de Ourique, já se pensa fazer igual. Iniciativas permitirão testar “superquarteirões” naquelas zonas e preparar eventuais acções mais definitivas. Modelo pode não ser o mesmo de Barcelona, mas podem…

Praça da Alegria (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

Fechar as envolventes da Praça da Alegria, em Santo António, e do Jardim da Parada, em Campo de Ourique, ao trânsito a domingos e feriadospelo menos, uma vez por mês – é o que pretendem quer a Câmara de Lisboa, quer as respectivas Juntas de Freguesias. O objectivo é começar a preparar a criação de “superquarteirões” naquelas duas zonas da cidade – uma proposta que saiu da primeira edição do Conselho de Cidadãos.

Superquarteirões são áreas da cidade onde o trânsito automóvel é reorganizado de modo a desviar todos aqueles atravessamentos nos bairros para as ruas principais circundantes; desse modo, no interior dos bairros, é garantida prioridade ao caminhar e à bicicleta, não deixando de ser assegurada o acesso a carros de residentes e a veículos de emergência. A ideia dos superquarteirões nasceu em Barcelona, onde tem estado a ser desenvolvida em várias partes da cidade, com intervenções diversas no espaço público e que em alguns casos passam pela pedonalização total de praças e ruas.

O primeiro modelo de superquarteirões em Barcelona (via Câmara de Barcelona)

Em Lisboa, começou a falar-se de “superquarteirões” com a realização do primeiro Conselho de Cidadãos, em Maio do ano passado. Entre as várias ideias que os cidadãos apontaram para a cidade, esteve a criação de superquarteirões semelhantes aos de Barcelona, começando-se com um projecto-piloto em Alvalade – um bairro que apresenta uma quadrícula urbana semelhante à da capital catalã e que permitiria estabelecer redes de trânsito local e principal. Um ano depois, a proposta do Conselho de Cidadãos vai avançar mas não em Alvalade e não no mesmo modelo de Barcelona: Lisboa vai criar superquarteirões mas só a domingos e feriados, pelo menos numa primeira fase, permitindo testar novos modelos de circulação rodoviária e eventualmente preparar acções mais definitivas. O projecto ainda está numa fase embrionária.

“Falámos muito sobre como é que poderíamos diminuir a poluição e como é que as pessoas poderiam ter vidas mais descansadas”, referiu Carlos Moedas, Presidente da Câmara de Lisboa, na sessão de arranque da segunda edição do Conselho de Cidadãos, que decorreu neste sábado. “E uma das ideias foi que aos domingos ou aos feriados em certas zonas da cidade, em certos quarteirões, tivéssemos os chamados ‘superquarteirões’, em que fechamos quarteirões ao trânsito para que as pessoas possam andar em segurança e passear. Isso é uma ideia que estamos a implementar”, anunciou Moedas, referindo a Praça da Alegria e o Jardim da Parada como dois primeiros pilotos.

Uma proposta cidadã como ponto de partida

A ideia de criar um superquarteirão no Jardim da Parada, em Campo de Ourique, nasceu de uma iniciativa cidadã, que apresentou o conceito com vista à sua possível implementação após as obras de expansão da Linha Vermelha do Metro naquela zona. A sugestão passa por transformar as ruas que convergem no Jardim da Parada em zonas de coexistência e de acesso local, e por suprimir todo o tráfego em torno do jardim. Dessa forma, seria possível criar um “superquarteirão” constituído pelo jardim e pelos oito quarteirões envolventes.

Imagem ilustrativa do “superquarteirão” segundo a proposta deste grupo de cidadãos (DR)
Esquema de circulação do “superquarteirão” segundo a proposta deste grupo de cidadãos (DR)

A proposta do superquarteirão foi divulgada através de uma petição online, que conta com perto de 900 assinaturas à data deste artigo e que integra outras medidas para melhorar o bairro e a convivência com a futura estação de Metro. A ideia foi bem acolhida pelo Presidente da Junta de Campo de Ourique, Pedro Costa (PS), que, em diversos momentos, já mostrou interesse em implementá-la após as obras de prolongamento da Linha Vermelha. Para já, o encerramento da envolvente do Jardim em domingos e feriados pode ser uma primeira abordagem para trabalhar esta ideia com a população.

Ao Lisboa Para Pessoas, Pedro Costa explicou que estes “fechos precários” são uma “forma de mostrar à população como se pode apropriar daqueles espaços”. “No fundo, fechar estas ruas e praças durante um dia por semana ou um dia por mês é uma oportunidade de mostrarmos empiricamente, a cada um, o espaço que estamos a renunciar para o automóvel e que poderíamos reconquistar, comentou o Presidente da Junta de Campo de Ourique. A conversa sobre criar um superquarteirão temporário no Jardim da Parada ainda está numa fase inicial, e entre Pedro Costa e Carlos Moedas aconteceu somente na véspera deste segundo Conselho de Cidadãos. “De acordo com a conversa que tive com o Presidente da Câmara, o Jardim da Parada será uma das zonas a ser estudada para o fazer, mas sinalizei também ao Presidente da Câmara a minha opinião de que a Rua Maria Pia tem potencial para que também nos possamos apropriar dela e provar o que aquilo poderia ser.”

Jardim da Parada (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

Não se comprometendo com datas, o Presidente da Junta de Campo de Ourique revelou vontade de testar esse superquarteirão numa periodicidade semanal ou mensal “ainda durante este ano” e de iniciar com a população do Jardim da Parada a “implementação do projecto ou de um projecto semelhante ao que foi apresentado pelo movimento de cidadãos”. Pedro Costa quer desenvolver o superquarteirão na Parada em conjunto com a população local, “negociando com quem lá vive”, e deixou bem claro que “quem lá vive não é porventura quem vive a 500 ou 800 metros é quem verá a porta da sua casa alterada por esta alteração do traçado”. O Presidente da Junta não tem dúvidas de que um superquarteirão naquele local deve “seguir o melhor dos exemplos internacionais” e “ser implementado progressivamente”; e aponta mais certezas: “Não podemos continuar a ter trânsito de travessia naquela praça e temos que reduzir, pelo menos, uma parte do estacionamento”, após o prolongamento da Linha Vermelha. “A chegada do Metro cria uma responsabilidade para todos e temos que a assumir desde o primeiro dia. O superquarteirão é a concretização física dessa responsabilidade e um aumento da exigência.”

Praça da Alegria sem carros uma vez por mês

Também na Praça da Alegria, junto à Avenida da Liberdade, se prepara um superquarteirão temporário. A medida estará numa fase mais adiantada em relação ao Jardim da Parada, segundo declarações do Presidente da Junta de Santo António, Vasco Morgado (PSD), ao Público. “Vamos fechar a Praça da Alegria uma vez por mês. Em princípio, será no último domingo do mês. Isto vem na lógica do que o Presidente da Câmara disse sobre ouvir as pessoas e penso que terá tudo para correr bem”, referiu o autarca àquele jornal. “A Praça da Alegria é o jardim central da nossa freguesia e sempre foi a praça do povo. É para lá que as pessoas confluem naturalmente.”

Segundo reporta o Público, a iniciativa deverá ser concretizada ainda nesta Primavera e, se correr bem, deverá assumir um carácter definitivo, devendo os detalhes ser anunciados dentro de pouco tempo. Por agora, sabe-se que o plano envolverá o encerramento mensal, a um domingo, da envolvente da Praça da Alegria à circulação rodoviária, permitindo a ocupação do espaço pelas pessoas, que encontrarão uma programação cultural e desportiva, e comércio de rua, com, por exemplo, bancas de artesanato e de venda de discos. Dada a localização do Hot Club de Portugal naquela praça, Vasco Morgado pretende estabelecer uma ligação com o espaço e “trazer cá para fora, para a praça, alguma da programação musical que eles têm”, assumindo que “a programação será diversificada e nunca igual, nunca se repetirá. Haverá novidades todos os meses. Tudo isto num jardim que é um local de passagem obrigatório”.

A Câmara de Lisboa confirmou, entretanto, ao Lisboa Para pessoas que o início desta iniciativa está previsto para o dia 30 de Abril, “prevendo-se que o encerramento da circulação automóvel na Praça da Alegria e a dinamização no local de um conjunto de iniciativas dirigidas à população se repita no último domingo de cada mês”.

Praça da Alegria (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

Se a ideia de um superquarteirão no Jardim da Parada é um projecto que ainda está a ser desenhado e que tem a ambição de se assemelhar ao modelo catalão, na freguesia de Santo António o fecho da Praça da Alegria durante um domingo por mês poderá também ser um passo para preparar um novo esquema de circulação definitivo naquela zona, se bem que essa ideia não estará, por agora, em cima da mesa neste caso.

O plano para a Praça da Alegria aproxima-se da vontade expressa numa proposta de Câmara que foi aprovada por unanimidade em Maio do ano passado, depois da polémica proposta de fechar o corpo central da Avenida da Liberdade aos carros aos domingos e feriados, sugerida pelo Livre e que também foi aprovada – mas por maioria –, com a discórdia do Presidente da Câmara. Carlos Moedas referiu, em algumas intervenções na altura, ser mais adepto da ideia de fechar aos carros e aos domingos determinadas ruas, praças ou avenidas em freguesias da cidade do que fazê-lo numa artéria estruturante como é a Avenida da Liberdade. Essa intenção ficou expressa na referida proposta que colheu unanimidade do executivo camarário e que foi avançada pelo PCP:

“Operacionalizar a consolidação e o previsto alargamento do programa ‘A Rua é Sua’
nos seguintes termos: (…) d. O alargamento a todas as freguesias do corte de uma artéria central com comércio e serviços locais, aos domingos, ou de uma via de circulação que se considere mais adequada, deverá ser concretizado após o parecer dos serviços, a concordância da respetiva Junta de Freguesia e a promoção de consulta e participação públicas para a aplicação das opções enunciadas.”

– proposta aprovada por unanimidade

À espera d’Uma Praça Em Cada Bairro

Para a Praça da Alegria está, há vários anos, prevista uma intervenção no âmbito do programa municipal Uma Praça Em Cada Bairro. Depois de apresentado à população em Junho de 2019 e de ter sido prevista a obra para 2021, certo é que ela nunca avançou. Não havendo datas anunciadas para a sua realização, o projecto continua a ser defendido pelo Presidente da Junta de Santo António, que referiu ao Público querer avançar com essa requalificação com a Câmara de Lisboa, para, desse modo, fechar a intervenção de recuperação do Jardim Alfredo Keil entretanto executada pela Junta de Freguesia.

Imagem ilustrativas do projecto Uma Praça Em Cada Bairro para a Praça da Alegria (via CML)
Imagem ilustrativas do projecto Uma Praça Em Cada Bairro para a Praça da Alegria (via CML)

A intervenção no âmbito d’Uma Praça Em Cada Bairro na Praça da Alegria prevê-se:

  • um reordenamento viário e supressão do estacionamento desordenado, com o redimensionamento das faixas de rodagem e dos estacionamentos, permitindo o alargamento dos passeios e a criação de novas zonas eminentemente pedonais;
  • a criação de zonas mistas e de desnivelamento de passeios com supressão de lancis, de modo a permitir a circulação inclusiva de pessoas com mobilidade reduzida, em vários espaços e em todas as passadeiras, bem como a máxima desobstrução dos passeios de armários e outros equipamentos relativos a infraestruturas;
  • uma melhoria da relação física e espacial do jardim central com a sua envolvente, nomeadamente através da articulação directa entre os caminhos e atravessamentos do jardim com as passadeiras de ligação, conjugadamente com a eliminação de barreiras visuais e arquitectónicas existentes;
  • uma articulação da proposta com intervenções de características similares na área envolvente, como seja a Avenida da Liberdade e o Parque Mayer, estabelecendo uma linha de continuidade entre espaços com características diversas;
  • o reforço da arborização em toda a Praça, com uma selecção de espécies exóticas para o Jardim Alfredo Keil que reforcem o seu caráter romântico, e com a colocação nos passeios laterais de lódãos e de jacarandás, espécies que facultam ensombramento no Verão.

Segundo a Câmara de Lisboa, o projecto d’Uma Praça Em cada Bairro na Praça da Alegria está “em andamento” e “o projecto deverá estar concluído tecnicamente no final de Maio, após o que estarão reunidas as condições para se avançar com a contratação da empreitada”. Podes consultar o projecto geral da intervenção aqui em baixo:

Projecto previsto para a Praça da Alegria no âmbito d’Uma Praça Em Cada Bairro (via CML)

Superquarteirão à Lisboa

A primeira edição do Conselho de Cidadãos decorreu no fim-de-semana de 14 e 15 de Maio de 2022 e teve como tema as alterações climáticas. A segunda edição é dedicada à “cidade dos 15 minutos” e realiza-se, num formato aprimorado, em dois sábados: uma primeira sessão decorreu no passado dia 25 de Março e, no próximo sábado, 1 de Abril, haverá a segunda sessão com a apresentação das propostas ao Presidente da Câmara e à comunicação social.

Na sessão de boas-vindas deste segundo Conselho de Cidadãos, os 50 novos cidadãos seleccionados tiveram a oportunidade de escutar dois testemunhos de cidadãos-embaixadores da primeira edição, incluindo o de Helena Peixoto, que participou na ideia dos superquarteirões. “Fiz parte do projecto com mais seis elementos. É uma ideia que vai ser testada na Praça da Alegria. Se der certo, provavelmente será aprimorada e replicada pela cidade”, comentou, lendo um texto que terá escrito para ajudar a guiar na oralidade. “Vivi e senti o Conselho de Cidadãos como uma espécie de laboratório de criatividade onde se debateram e avaliaram sugestões, de forma a serem implementados projectos que valorizassem a cidade e proporcionassem aos que aqui vivem, trabalham e que nos visitam novas sensações e bem estar”, acrescentou, desafiando os participantes desta segunda edição a aproveitar esta oportunidade para transformar Lisboa numa cidade melhor.

As primeiras abordagens de Lisboa aos superquarteirões surgem numa altura em que a cidade de Barcelona já está a trabalhar num novo paradigma: em vez de pensar estes superquarteirões bairro a bairro, a cidade catalã está a escalar este modelo urbanístico para toda a toda a cidade e a solução passa por desenhar corredores verdes e pedonais, que obrigam a repensar toda a circulação de todos os modos de transporte à escala urbana.

Certo é que Lisboa pode não vir a ter um modelo tão ambicioso de superquarteirões como Barcelona, mas pode estar a surgir um modelo de “superquarteirões à Lisboa”.


Actualização às 14h50 de dia 30 de Março: adicionadas novas informações fornecidas pela Câmara de Lisboa sobre o futuro da Praça da Alegria.

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