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Ciclovias obrigatórias? Limite de 25 km/h? PSP publica informação falsa sobre bicicletas

Em duas publicações nas redes sociais, a Polícia de Segurança Pública (PSP) partilhou informações falsas sobre a circulação de bicicletas, gerando mais confusão numa altura em que a coexistência entre modos podia ser mais pacífica.

Fotografia LPP

Ao contrário do que a Polícia de Segurança Pública (PSP) afirma, em duas publicações nas suas redes sociais, as ciclovias não são obrigatórias, nem os ciclistas estão forçados a um limite de velocidade de 25 km/h. Também não existe qualquer obrigatoriedade de circular à direita, sendo apenas uma recomendação que, pela segurança de quem circula de bicicleta, não deve ser seguida em todas as situações. Vamos aos factos.

E comecemos pelo início, por contextualizar os posts em análise. Antevendo a Jornada Mundial da Juventude, a PSP fez um conjunto de publicações nas redes sociais (X/Twitter, Instagram e Facebook), a que chamou de “pequeno guia informativo”. “Sabe quais são as principais regras a seguir quanto está a conduzir um velocípede?”, desafiava a polícia portuguesa. Do total de seis publicações feitas no âmbito deste guia, houve duas que chamaram à atenção – uma de 19 de Julho e outra de 28 de Julho – por contradizerem o Código da Estrada.

Ciclovias obrigatórias?

Na primeira dessas publicações, a PSP alegava que os velocípedes têm de “circular na ciclovia (sempre que exista)”. No entanto, segundo o Código da Estrada, a utilização de ciclovias é opcional. O primeiro ponto do artigo 78º é bem claro: “Quando existam pistas especialmente destinadas a animais ou veículos de certas espécies [como ciclovias], o trânsito destes deve fazer-se preferencialmente por aquelas pistas.” Isto significa que, tal como um automobilista pode optar por circular numa autoestrada ou numa paralela estrada nacional, também um ciclista pode escolher entre a ciclovia e a estrada – o Código da Estrada apenas recomenda a utilização da ciclovia. Ao LPP, a secção de Lisboa da MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta explica: “Um automobilista tem a liberdade de escolher que via quer tomar antes de iniciar um trajecto – considerando factores como tempo despendido, segurança, conforto, o nível de congestionamento, as paragens que tem que efectuar, os locais por onde quer ou não passar ou mesmo o tipo de automóvel que se encontra a conduzir. Para os ciclistas deve também aplicar-se o mesmo princípio da liberdade de trânsito”.

A MUBi reforça que a palavra “preferencialmente”, utilizada no Código da Estrada, “não induz a obrigatoriedade”; e diz que “há de facto muitas razões pelas quais um ciclista, exercendo o seu direito de liberdade, pode optar por não usar uma ciclovia e, ao invés, circular na via a par dos outros utilizadores”. Além dos factores já referidos, como o tempo ou o conforto da viagem, aponta que na particularidade das bicicletas “há muitas ciclovias em Portugal que foram mal concebidas e desenhadas com diversos erros de projecto”, porque, por exemplo, foram “pensadas pelos autarcas como percursos de lazer”, sendo compreensível a utilização da estrada no caso de um trajecto quotidiano/regular de casa-trabalho. “Estes erros de concepção e projecto são também óbvios no que diz respeito à segurança dos ciclistas, pois estas ciclovias podem ser mais perigosas para os ciclistas, principalmente nas intersecções, mas também nos conflitos com os peões”, adiciona a associação ao LPP.

Por outro lado, refere que “não faz também sentido exigir que ciclistas em treino desportivo usem as ciclovias, principalmente devido aos erros acima apontados. Tal como não faz sentido exigir que qualquer utilizador da bicicleta use obrigatoriamente uma ciclovia que apresenta falta de manutenção e ‘armadilhas’ que podem potenciar quedas, ou que leva a becos sem saída, sem possibilidade de fazer o seu percurso de modo contínuo e/ou confortável”. E acrescenta: “Esta liberdade de opção é, também e na verdade, uma questão de cidadania. Ao obrigar ciclistas a usar as ciclovias e exacerbarmos a segregação entre os dois modos, os motoristas e os ciclistas ficam com a percepção que o lugar da bicicleta não é a rodovia.”

Assim, é falso que uma pessoa de bicicleta (ou trotineta) tenha de circular na ciclovia sempre que esta exista, tal como referido na publicação da PSP.

Fotografia LPP

Limite de 25 km/h?

Na segunda publicação, a polícia portuguesa alegava a existência de um limite de velocidade para velocípedes de 25 km/h. Uma bicicleta, como qualquer outro veículo, está sujeito aos limites de velocidade dos locais onde circula. Dentro de uma localidade, os limites mais comuns são 30 km/h e 50 km/h. Será mesmo muito difícil encontrar uma bicicleta a circular a mais de 50 km/h em contexto quotidiano – ou mesmo a mais de 30 km/h. Na verdade, a velocidade mais comum de uma bicicleta eléctrica situar-se-á entre os 20 e 25 km/h, sendo que uma bicicleta sem motor (convencional) poderá chegar mais próximo dos 30 km/h (por ser um veículo mais leve e que não tem uma assistência eléctrica a desligar-se aos 25 km/h, permite pedalar a velocidades mais altas e constantes). De qualquer das formas, ao contrário de um carro ou de uma mota, que podem atingir grandes velocidades sem qualquer limitação tecnológica ou humana, uma bicicleta, por ter esse tipo de impedimentos, é considerado um veículo seguro para circular em coexistência, por exemplo, com peões; é também por isso que é desnecessária a fixação de limites de velocidade em ciclovias.

Então, de onde vêm os 25 km/h que a PSP refere? Do artigo 112º do Código da Estrada, onde se define o que é um velocípede e onde se inclui, nessa definição, as bicicletas eléctricas. É referido que bicicletas eléctricas têm de ter “motor auxiliar com potência máxima contínua de 1,0 kW, cuja alimentação é reduzida progressivamente com o aumento da velocidade e interrompida se atingir a velocidade de 25 km/h, ou antes, se o condutor deixar de pedalar”. O artigo também equipara as trotinetas eléctricas a velocípedes, definindo para estas uma potência máxima contínua de 0,25 kW e a mesma velocidade máxima de 25 km/h, que, ao ser atingida, leva também ao desligar do motor. Estes trâmites não são nacionais – são resultado da regulação europeia. Quer isso dizer que as regras da União Europeia – e, por homologação, as regras portuguesas – não permitem bicicletas e trotinetas eléctricas com motores que ultrapassem os 25 km/h. No Código da Estrada, existem coimas para quem não respeitar estas regras: “Quem circular (…) em desrespeito das características técnicas e do regime de circulação previstos (…), é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.”

Para que fique claro: essas coimas não são para ciclistas que estejam a circular a mais de 25 km/h; são para pessoas que circulem em bicicletas ou trotinetas eléctricas cujos motores não desliguem aos 25 km/h, porque foram alterados para isso ou porque foram comprados em inconformidade com a legislação europeia. Assim, é falso que uma bicicleta (ou trotineta) esteja limitada, por padrão, a uma velocidade máxima de 25 km/h, tal como referido na publicação da PSP; a velocidade máxima depende dos limites indicados em cada situação. “Os velocípedes não estão abrangidos por qualquer limite máximo de velocidade que não seja o mesmo fixado para os demais veículos. Claro que estamos a comparar potenciais de velocidade diferentes; contudo, a lei que vigora é a mesma, em relação directa com a sinalização existente em determinada via”, confirma a MUBi. “O que existe, sim, é uma limitação intrínseca aos velocípedes com motor auxiliar que só está em funcionamento enquanto o utilizador pedala e é desligado automaticamente aos 25 km/h. São coisas bem diferentes.”

Fotografia LPP

Transitar pelo lado direito?

Na mesma segunda publicação, a PSP também estipula como regra o “transitar pelo lado direito da via”. Contudo, no Código da Estrada, essa situação surge também como uma recomendação: “Os condutores de velocípedes devem transitar pelo lado direito da via de trânsito, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”, pode ler-se no artigo 90º. “Esta é uma das ideias preconcebidas que mais mossa causam à saudável convivência na via entre automóveis e bicicletas”, lamenta a MUBi. “Estamos muitas vezes a falar de uma questão de centímetros, mas o lado direito da via não implica ser o mais à direita possível, como tantas vezes automobilistas mais afoitos pretendem interpretar.” Também segundo a associação, nem sempre circular o mais à direita é o melhor pora a segurança do ciclista. “Ao circular junto ao lancil o ciclista fica sem possibilidade de escapatória na eventualidade de mau estado do piso, detritos acumulados, ou potenciando os sinistros com portas de automóveis estacionados que se abrem de repente.”

Em aulas de condução de bicicleta ensina-se muitas a ter uma posição flexível e defensiva, recomendando-se aos ciclistas a ocupação do centro da via de modo a forçar os condutores a ultrapassar pela via ao lado, respeitando os 1,5 metros de distância de segurança. “Um condutor de um veículo que ultrapasse uma pessoa bicicleta tem de fazê-lo ocupando totalmente a via adjacente, pelo que não faz sentido, do ponto de vista da segurança de todos, que alguém de bicicleta tenha de se encostar mais à direita, situação que com frequência potencia tangentes arriscadas e não observação do necessário 1,5 metros de distância nas ultrapassagens”, adiciona a associação dedicada à mobilidade urbana em bicicleta.

Neste ponto, a informação publicada pela PSP é imprecisa e poderia ser mais clara em relação à posição dos ciclistas na via, do ponto de vista da sua segurança e do carácter recomendatório deste ponto específico no Código da Estrada. “O que nos preocupa em particular é, por um lado, a PSP não saber o Código da Estrada de trás para a frente, e prestar-se a estes equívocos; e, por outro lado, estes equívocos perdurarem, ou seja, serem tidos como verdades pela sociedade e por cidadãos menos informados que, assim, perpetuam ideias falsas”, conclui a MUBi. “Com todo o espírito de colaboração e bondade, fica aqui o repto: a MUBi disponibiliza-se desde já para fazer uma série de workshops na Escola Prática de Polícia sobre o Código da Estrada e a importância da segurança dos modos activos.”

Mário Rui André

Jornalista e editor do Lisboa Para Pessoas, jornal local sobre Lisboa e a área metropolitana. Tenho 30 anos de vida na capital e 10 anos de experiência em comunicação social, tendo co-fundado o Shifter, uma revista independente e de referência na área da tecnologia. Estudei publicidade e marketing na Escola Superior de Comunicação Social e, mais tarde, jornalismo e comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Escrevo sobre Lisboa e sobre cidades, mobilidade e urbanismo no geral. Acompanho uma visão mais humana do espaço público, e sou pela cidadania e pela transparência da parte dos órgãos governativos.Ver Posts de autor

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