Mais uma via não resolve. Alargar o IC20 é um “recuo de 30 anos”

O IC20 liga Almada à Costa da Caparica e vai ser alargado no troço entre a rotunda do Centro Sul e o nó das Casas Velhas, junto à FCT. “Portugal será, provavelmente, o único país europeu desenvolvido que continua a apostar em reforço da infraestrutura rodoviária para resolver problemas de acessibilidade e mobilidade urbana”, critica Fernando Nunes da Silva.

O IC20 liga Almada à Costa da Caparica (fotografia LPP)

A notícia caiu de rompante: o IC20, eixo rodoviário estruturante do concelho de Almada, vai ser alargado, passando a ter quatro vias em cerca de metade da sua extensão, entre o centro de Almada e o nó das Casas Velhas/Universidade. Este alargamento é justificado com uma obrigação contratual da empresa Auto-Estradas do Baixo Tejo, subconcessionária que gere aquele infraestrutura pública, por ter sido atingido um tráfego superior a 60 mil veículos por dia.

No entanto, se o alargamento de uma via rápida como o IC20 aumenta a sua capacidade, permitindo que a circulação de mais carros em simultâneo, não resolve o problema do trânsito e do congestionamento: é que quando se tem um troço com excesso de procura e se constrói um novo troço com capacidade para absorver esse excesso, a procura volta a subir e esgota a capacidade do novo troço. É uma pescadinha de rabo na boca.

O que é o IC20?

Já iremos em maior detalhe a esse tema. Primeiro, importa perceber o contexto do IC20 e do seu alargamento. O IC20 é propriedade da Infraestruturas de Portugal (IP) mas é um privado a fazer a gestão, através de uma subconcessão – neste caso, a Auto-Estradas do Baixo Tejo (AEBT). Esse modelo é conhecido como Parceria Público-Privada (PPP).

IC20 assinalado a verde (grafismo LPP/Google Earth)

Apesar de ter um perfil de auto-estrada – e de até ter uma numeração reservada caso venha a ser uma (A38) –, o IC20 mantém-se como um Itinerário Complementar (IC), muito embora tenha um papel central na mobilidade no concelho de Almada (e não só) e se confunda, por vezes, com uma avenida urbana. Sem portagens, o IC20 conecta com a A2, que na área metropolitana liga Lisboa a Setúbal, e também com a A33, que percorre toda a Margem Sul entre Almada e o Montijo. Olhando para o concelho de Almada, o IC20 inicia-se no centro da cidade de Almada e termina no centro da cidade da Costa da Caparica – passando pelo Hospital Garcia da Horta e pela Faculdade de Ciências e Tecnologias (FCT) da Universidade de Lisboa. Chegou a estar previsto o seu alargamento entre a Costa e a Fonte da Telha para responder aos fluxos do Verão, mas essa ideia foi cancelada em 2011 pelo Governo, evitando-se a destruição de parte da Mata Nacional dos Medos e das Terras da Costa.

O alargamento

João Portela, da Baixo Tejo, apresentou o projecto na reunião do Executivo da Câmara de Almada de 18 de Setembro (captura de ecrã LPP)

Foi numa reunião do Executivo da Câmara de Almada a 18 de Setembro, em plena Semana Europeia da Mobilidade, com transmissão online, que a população ficou a saber do alargamento do IC20. Isto apesar de a empreitada já ter passado pelo Diário da República no final de 2022. João Portela, representante da AEBT, foi convidado a estar presente para apresentar a obra que se iniciará formalmente, com a montagem dos estaleiros, já no próximo dia 2 de Outubro. Apresentou-a como uma inevitabilidade. “É uma obrigação do nosso contrato, que prevê que quando as vias atinjam um determinado limite de fluxo de tráfego, têm de ser alargadas”, explicou. É o caso do troço do IC20 entre o centro sul de Almada/acesso à A2 e o chamado nó das Casas Velhas, na Caparica, perto FCT. Neste troço de cerca de quatro quilómetros, onde actualmente existem três vias por sentido, é registado um tráfego médio diário anual superior a 60 mil veículos. “Dado que aquele troço de estrada tem mais de 60 mil veículos por dia, temos de adicionar a quarta via” , disse. “Temos de dar cumprimento ao contrato.”

João Portela limitou-se a transmitir informação sobre a obra. Referiu que, apesar de a montagem dos estaleiros se iniciar já no dia 2 de Outubro, o arranque da obra está previsto para o “final de Outubro ou início de Novembro”, e a conclusão é apontada para Maio de 2025. Estão calendarizadas oito fases de obra. O alargamento fará com que o IC20 passe a ter uma largura de 34,6 metros em vez dos actuais 25 metros naquele troço de quatro quilómetros, o que obrigará a mexer em viadutos (incluindo o da linha de comboio) e loops.

Além do alargamento das vias do IC20, será feita uma intervenção no nó da A2, onde passarão a existir três vias a partir da rotunda do Centro Sul em direcção a Lisboa, e onde também existirá um novo “braço” a ligar o IC20 à A2. “A nossa obrigação estrita do contrato é aumentar o número de vias”, mas “achámos que seria difícil apresentarmo-nos no município de Almada só com esta obrigação”, justificou João Portela, explicando que, com IP, conseguiram “encontrar poupanças noutro projecto e trazê-las para este projecto”, financiando, desse forma, as alterações entre no nó da A2. Salientou que “a melhoria da saída do Centro Sul para a portagem ainda não está fechado”, até porque terá impacto no Parque Urbano do Pragal, uma infraestrutura verde construída em 2019 ao lado do acesso a Lisboa e que funciona como um prolongamento do Parque da Paz, o grande parque de Almada.

O Centro Sul, em Almada (fotografia LPP)

A intervenção no IC20 irá mexer também no nó de Casas Velhas, perto da Universidade (FCT), onde passarão a existir duas vias nas ligações à A33. As três passagens pedonais superiores vão ser substituídas, de modo a mitigar o efeito de barreira que o eixo rodoviário provoca no território; as novas pontes para peões deverão também ser cicláveis e acessíveis a todas as pessoas, incluindo quem se desloca em cadeira de rodas. Vão ser ainda deslocalizadas as paragens de autocarro existentes naquele troço do IC20 para fora do mesmo; serão colocadas ou nas saídas ou mais dentro das áreas urbanas. “Não é própria a localização daquelas paragens”, tendo em conta as características de via rápida do IC20, e “aproveitamos esta ocasião para corrigir”, disse João Portela.

No global, a obra, que estará a cargo do empreiteiro Alberto Couto Alves, S.A., seleccionado por concurso público, custará perto de 20,5 milhões de euros.

O que diz o contrato?

Os contratos das PPPs rodoviárias estão disponíveis aqui. São estabelecidos entre a Infraestruturas de Portugal (IP), a empresa estatal que é responsável pela infraestrutura rodoviária, e as diferentes subconcessionárias. Como referido, no caso do IC20, o contrato é assinado entre a IP e a Auto-Estradas do Baixo Tejo (AEBT), já tendo existido duas versões desde o início da subconcessão: o contrato original é de 2009, sendo que 10 anos depois foi actualizado/renegociado, existindo um novo documento em vigor desde 2019.

Em qualquer uma destas duas versões, há um ponto claro sobre o aumento de vias: “o aumento de número de vias dos Lanços da Auto-Estrada será realizado, salvo instrução em contrário do Concedente: (…) nos Sublanços com seis vias, deverá ser iniciada a construção de mais uma via em cada sentido no ano seguinte àquele em que o TMDA [Tráfego Médio Diário Anual] atingir 60 000 (sessenta mil) veículos”. Ora, o concedente – que é a IP – pode decidir pelo não aumento do número de vias. Há mais outra excepção: se for construída a nova ponte sobre o Tejo ou o novo aeroporto de Lisboa, fica suspensa a contagem do TMDA e a obrigação de aumentar as vias, dado “o potencial impacto, em termos de procura de tráfego, resultante da execução das infraestruturas mencionadas”.

Excerto do contrato da subconcessão da Baixo Tejo/IC20

Aliás, “no caso de o Estado Português adjudicar concurso para a implantação na margem sul do Tejo da infraestrutura aeroportuária normalmente designada por Novo Aeroporto de Lisboa ou no caso de o Estado Português decidir adjudicar concurso para a construção de uma nova travessia rodoviária do Tejo a jusante da Ponte Vasco da Gama ou se, por outra forma jurídica, for iniciado o projecto e construção de qualquer uma das referidas infraestruturas, o presente Contrato poderá ser rescindido pelo Concedente, aplicando-se, nessa circunstância, o disposto no número 84.10”. Ou seja, para rasgar o contrato, a IP teria de indemnizar a Baixo Tejo.

Trânsito no IC20 à chegada à A2 (fotografia LPP)

Contudo, o contrato renovado em 2018/19 acrescentou uma ressalva sobre o IC20 em específico: “o aumento do número de vias nos Sublanços abaixo identificados, já desencadeado nos termos conjugados dos números 40.1. e 40.2., deve ser concluído, com a entrada em serviço das respectivas vias aumentadas, até ao termo do respectivo prazo indicado no Anexo 21 ao Contrato de Subconcessão”. E esse prazo é 1 de Agosto de 2024. Isto significa que o IC20 entre Almada e o nó das Casas Velhas tem de ser aumentado, ponto. E a obra já vai ficar pronta em Maio de 2025, com um ano de atraso.

O que pensa a Câmara de Almada?

Inês de Medeiros, Presidente da Câmara de Almada, na reunião de 18 de Setembro (captura de ecrã LPP)

Na referida reunião, Inês de Medeiros, Presidente da Cãmara de Almada, não teceu muitas considerações sobre a obra de alargamento do IC20, mas evidenciou que “não compensa a necessidade de uma terceira ou quarta (não quero definir prioridades) travessia entre as margens sul e norte”. Medeiros tem defendido uma ponte entre a Trafaria e Algés, ligando-se aí à CRIL, como forma de descongestionar a 25 de Abril. “A ponte não vai aumentar”, disse. “Nada disto [trânsito] se resolve se não houver uma nova travessia, que permita a circulação entre as duas margens sem passar pelo coração de Almada e pelo centro de Lisboa.” Ou seja, no entender da Presidente de Câmara de Almada, a nova travessia entre a Trafaria e Algés tiraria pressão da rotunda do Centro Sul e de toda a zona da Cova da Piedade. Mas “é importante que as entidades nacionais percebam essa importância”, sublinhou.

Inês de Medeiros clarificou que o IC20 tem “estatuto estranho”, porque, “apesar de ser no coração de uma zona urbana em desenvolvimento, ainda tem um estatuto de IC, tendo em muitos casos características de via urbana”, e salientou a vontade da Câmara de “humanizar” o IC20 e de trazê-lo para a sua gestão. “Há entidades a mais a mandar em Almada. É sempre bom ter várias cabeças a pensar, mas é péssimo ter muitas pessoas a mandar no mesmo território”, disse, referindo-se à repartição da gestão e planeamento do território de municípios como o de Almada entre a autarquia, o Governo e outras empresas públicas, como a IP.

Para a Presidente da Câmara de Almada, há uma parte positiva da obra, a resolução do nó da A2, em que passará a existir uma ligação directa “dos que vêm da Costa para entrar para a ponte” (“são um ponto negro aqueles 100 metros” porque o IC20 tinha sido “feito para ser muito menor do que é agora”) e onde será também alargada a saída de Almada (da rotunda do Centro Sul) para a Ponte 25 de Abril. A resolução deste nó era uma reivindicação antiga de Almada e a sua concretização agora, juntamente com o alargamento contratual do IC20, contribuirá para que esta obra seja mais aceite pela autarquia.

Nó das Casas Velhas (fotografia LPP)

Na prática, o contrato entre a IP e a Baixo Tejo transcende a Câmara de Almada, que muito pouco pode dizer sobre a gestão dessa infraestrutura. Qualquer parecer que emita sobre a obra não tem carácter vinculativo e, mesmo que se posicione contra a mesma, difícil seria essa posição ter uma consequência prática. Não tendo jurisdição sob o IC20, compete à Câmara o território em volta desse eixo rodoviário, onde, segundo Inês de Medeiros, continua previsto um corredor verde a ligar o Parque da Paz, em Almada, à frente marítima da Costa da Caparica, com uma ciclovia que ofereça mobilidade entre as duas cidades e o Pragal. O município tentou melhorar também aspectos do projecto de alargamento do IC20, nomeadamente a questão dos atravessamentos pedonais, procurando que sejam acessíveis também a velocípedes. Pelo menos no nó de Casas Velhas estão a tentar uma ponte pedonal que “pudesse ser um troço da rede ciclável para ligar a Universidade às Casas velhas”, garantiu Medeiros.

Na mesma reunião, Nuno Matias, vereador do PSD, lamentou não ser feito nada na chamada praça da portagem da A2, criticando a “forma como está organizada” por provocar “estrangulamentos nas laterais”. “Eu sei que não é da Baixo Tejo, mas seria útil que se repensasse isto tudo e que se fizesse uma organização diferente.” A Presidente da Câmara de Almada reconheceu o problema: “A reorganização do garrafão era o mínimo.” Por seu lado, a vereadora do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, acrescentou que “podemos continuar a aumentar as vias rápidas, mas se não conseguirmos tirar carros da estrada, o problema do trânsito não vai ser resolvido. E a única forma de o fazer é com transportes públicos. A extensão do Metro é absolutamente estratégica na definição da mobilidade entre Almada e várias centralidades das margens sul e norte”. Em resposta, Inês de Medeiros também salientou a importância de levar o MTS à Costa e que esse investimento está previsto no Programa Nacional de Investimentos 2030 (PNI 2030), como veremos adiante.

1900 assinaturas contra

O recente anúncio de alargamento da estrada IC20, em Almada, desencadeou a criação da petição contra o alargamento do IC20. Em comunicado, os peticionários dizem que “a população de Almada foi surpreendida” com esta obra, que resulta de “um contrato caduco, que deveria já ter sido renegociado pelo Estado junto da subconcessionária Baixo Tejo, de modo a ir ao encontro daquilo que são os objetivos estabelecidos a nível ambiental”.

Lançada simbolicamente a 22 de Setembro, Dia Europeu sem Carros, a petição conta já com cerca de 1900 pessoas signatárias. A petição também já foi subscrita pelas associações Centro de Arqueologia de Almada, Estrada Viva, FPCUB – Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta, GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, Mulheres na Arquitectura e The Future Design of Streets, e também pelo núcleo regional de Setúbal da Quercus e pelo colectivo local Estuário.

Os peticionários dizem-se “em revolta com a situação, com o seu curto prazo de aviso e sem qualquer consulta à população” e defendem que “a IP dê instruções à subconcessionária Baixo Tejo de que não é necessário aumentar o número de vias”. “Sublinha-se que investimento financeiro nesta obra por parte da subconcessionária é indiretamente dinheiro público, pois se o Estado renegociar o contrato com a concessionária poderá recuperar o dinheiro que está em perigo de vir a ser desperdiçado numa obra perfeitamente inútil e contra os objectivos ambientais do próprio governo. Ao libertar a subconcessionária dessa obrigação, inútil e caduca, é perfeitamente legítimo ao governo recuperar, pelo menos, parte desse dinheiro. Em economia são os chamados ‘custos de oportunidade’, isto é, custos estimados a partir do que poderia ser ganho no melhor uso alternativo desse dinheiro”, escrevem.

E acrescentam:

“As razões que justificam esta oposição ao alargamento das vias prendem-se pelo facto de a obra ir contra a estratégia climática nacional, não resolver o problema de congestionamento (criando os chamados efeitos de ‘tráfego induzido’ e ‘bottleneck’) e promover a dispersão urbana em território almadense. Alternativamente, são sugeridas medidas prioritárias a nível de investimentos financeiros, que deverão ser concretizadas no território, nomeadamente com o aumento das faixas BUS, com a melhoria da frequência, qualidade e extensão de transportes públicos e com a criação de mais e melhores infraestruturas para mobilidade suave. É também importante a concretização de medidas como a criação de novas passagens ciclopedonais elevadas que reduzam o impacto negativo de barreira geográfica deste tipo de vias, e a adaptação dos viadutos existentes de modo a incluir vias pedonais e ciclovias seguras.”

Os autores da petição querem chegar, pelo menos, às 2500 assinaturas para que o tema possa ser discutido na Assembleia da República.

A petição está disponível aqui (captura de ecrã LPP)

“Um recuo de 30 anos”

Tráfego induzido – conceito referidos pelos peticionários – é um facto científico bem estabelecido: significa que aumentar o número de vias de um grande eixo rodoviário vai originar uma maior procura, não resolvendo o congestionamento; ou seja, significa mais carros na estrada porque a capacidade aumentou.

É fácil pensarmos que a adição de mais vias equivaleria a menos trânsito e a verdade é que até podem aliviar o congestionamento temporariamente, mas o espaço adicionado irá convidar (induzir) a mais viagens de carro, seja de pessoas que não iam por aquele percurso rodoviário, seja por pessoas que eventualmente usavam outros modos de transporte. E depressa aquele eixo, alargado, ficará de novo congestionado. É uma pescadinha de rabo na boca porque a tentação é, de novo, aumentar a capacidade da infraestrutura, o que só irá originar mais viagens e mais dependência do automóvel.

Para Fernando Nunes da Silva, professor catedrático em Engenharia Civil, responsável pela área disciplinar de Planeamento, Urbanismo e Ambiente, no Instituto Superior Técnico (IST), o alargamento do IC20 é “regressar aos final da década de 1980, início da década de 1990, à chamada revolução rodoviária em Portugal. É um recuo de 30 anos. Do ponto de vista cultural, ambiental e da política de transportes, é um retrocesso inqualificável e injustificável”. Ainda assim, o facto de a obra abranger só quatro quilómetros de extensão “sempre é um pouco melhor do que ser o IC20, mas não faz sentido nenhum fazer-se isto”.

Fotografia LPP

Para o especialista, “é também um desperdício de dinheiro porque não resolve os problemas de tráfego”. Nunes da Silva apenas aceita uma parte da empreitada: a correcção do nó da A2, junto à rotunda do Centro Sul. “O problema do IC20 não é de capacidade, tem a ver com os acessos à Ponte 25 de Abril, que não estão resolvidos.” À boleia do alargamento contratualizado entre a IP e a Baixo Tejo, será resolvida essa situação, que não era uma obrigação da subconcessionária e que, segundo esta, foi um acréscimo à obra. “O problema tem a ver com ir do IC20 para Lisboa sem conflituar com quem sai da A2 para entrar em Almada e com quem vem de Almada. É um problema que tem estudo prévio do Gabriel Oliveira há vários anos e que nunca foi feito. E outro problema é a entrada na A2 vindo de Almada, que tem de ser desconectada do nó do Centro Sul. É preciso desbloquear de uma vez por todas aquele congestionamento permanente nas entradas e saídas de Almada nas horas de ponta.

“Faz todo o sentido libertar o acesso à ponte do que é a distribuição interior no Centro Sul, mas para isso não é preciso alargar o IC20 para colocar mais uma via por faixa de rodagem”, resume. E reforça o seu ponto: o alargamento do IC20 é “absolutamente contrário àquilo que era a política do próprio Governo do ponto de vista da mobilidade sustentável e da descarbonização da mobilidade”. “Portugal será, provavelmente, o único país europeu desenvolvido que continua a apostar em reforço da infraestrutura rodoviária para resolver problemas de acessibilidade e mobilidade urbana. Hoje em dia já ninguém faz isto. Anda toda a gente à procura das alternativas ao transporte rodoviário individual, deixando para ele o que não se pode resolver de outra forma.”

“Temos um sistema de justiça capturado por determinados tipo de interesse e de lobbys, e não faz aquilo que devia fazer que é estar em cima da defesa do interesse público e das garantias constitucionais”, lamenta Nunes da Silva. “As concessões e os contratos que foram feitos com entidades privadas são absolutamente ruinosos para o Estado e para o interesse público”, como garantir, “independentemente do tráfego, receitas fixas durante 30 anos a essas empresas privadas; eram negócios sem risco para o investidor”. “Agora ressuscitar isso 30 ano depois, quando toda a política é no sentido contrário… Pelo menos a política que é anunciada e apregoada a quatro ventos em relação às alterações climáticas”, insiste.

Estação da BP, perto de Almada (fotografia LPP)

Fernando Nunes da Silva não tem dúvidas de que “se o Governo fosse de outra cor política, a Câmara já estaria para aí aos berros a protestar contra este recuo em relação às políticas de sustentabilidade e descarbonização. Mas como neste momento a Cãmara de Almada e o Governo são unha com carne, a Câmara está calada perante um despautério destes, de gastar milhões numa coisa que é completamente desnecessária”. Tendo trabalhado no PDM (Plano Director Municipal) de Almada, Nunes da Silva conhece bem o concelho a sul do Tejo e ressalva ainda que o alargamento do IC20 “é uma alternativa extremamente negativa” em relação ao corredor verde, ciclável e pedonal, que estava previsto. “O PDM que estava a ser revisto propôs retomar a ideia do Gonçalo Ribeiro Telles – quando ele trabalhou ainda no anterior regime para o Fundo de Fomento da Habitação e para o Plano Integrado de Almada –, de criar um grande corredor verde entre o Parque da Paz, em Almada, e a Costa da Caparica”, explicou, detalhando ser uma ideia que continua a ser “perfeitamente possível exequível porque aquela zona tem algum uso agrícola e as poucas intervenções de edificado são pontuais ou não estão completamente em cima do IC20”.

E é uma infraestrutura verde “absolutamente essencial para evitar cheias na zona de Cacilhas e também Cova da Piedade, mas sobretudo caso na Cova da Piedade”. Para o professor, faria muito mais sentido ir buscar ao PRR – Plano de Recuperação e Resiliência fundos para financiar este projecto em vez de gastar 20,5 milhões num alargamento de uma via rápida. Ou para levar o MTS, o metro ligeiro de superfície do sul do Tejo, até à Costa da Caparica.

E o MTS?

O MTS na estação do Pragal (fotografia LPP)

Há quase 30 anos que a população de Almada e da Margem Sul do Tejo aguarda a expansão do MTS. Desde que foi inaugurado em 2008, o MTS nunca foi prolongado, mantendo as três linhas, 19 estações e 13,5 km originais; com um traçado na forma de “Y”, tem como principais pontos Cacilhas, Pragal, a Universidade (FCT) e Corroios, já concelho do Seixal.

No entanto, desde os primeiros planos do MTS, elaborados no anos 1990, que está prevista a expansão do serviço de metro ligeiro até à Moita, passando pelo Barreiro, e também até à Costa da Caparica e à Trafaria. Vontades que foram recuperadas num novo estudo de traçado apresentado no início de 2021. Neste trabalho, pretendeu-se estudar a expansão do MTS para lá da Moita, nomeadamente o Montijo e Alcochete, e em territórios de menor densidade, propondo um sistema misto entre LRT (o sistema actual) e BRT (vulgo “metrobus”).

A expansão estudada para o MTS (DR)
A expansão estudada para o MTS (DR)

A expansão do MTS até à Costa da Caparica está desenhada desde, pelo menos, 1995. E o relatório apresentado em 2021 reafirma-o. A ideia, à luz do estudo mais recente, passa por prolongar a actual Linha 3, que termina na Universidade (FCT), em via dupla em direcção à Costa da Caparica, acompanhando a EN 377-1 do lado sul, infletindo para sudoeste antes da Quinta da Armadora (Pêra de Cima) e atravessará uma zona mais rural até ao viaduto da via de ligação da A33 à Trafaria, situado junto à localidade de Pêra.

O traçado estudado segue depois para oeste, aproximando-se do IC20, e desenvolvendo-se ao longo do lado norte desta via até à entrada na cidade da Costa de Caparica. Dentro da cidade, o MTS passaria a via simples, atravessando Av. 1º de Maio, Av. General Humberto Delgado, Rua Parque de Campismo de Almada, Estrada Florestal, Av. D. Sebastião e Av. Dr. Aresta Branco, sempre segregado de outros meios de transporte. Preveem-se três circulações por hora no cenário mais optimista e 600 passageiros/hora por sentido. A expansão seria em LRT, ou seja, com o mesmo tipo de veículos que hoje já faz o serviço entre Almada e o Seixal.

A população de Almada e, em especial, a da Costa da Caparica há muito que reivindica a expansão do MTS, não percebendo como é que, aparentemente, esse investimento não é prioritário em relação a um alargamento do IC20. É certo que a chegada do MTS à Costa está contemplado no Plano Nacional de Investimentos 2030 para ser eventualmente financiado através de fundos comunitários no “próximo bolo”, designado de Portugal 2030; mas, por enquanto, não existem ainda datas nem valores concretos. E enquanto se espera, Almada vai ter mais duas vias de trânsito por sentido num grande eixo rodoviário, convidando ainda mais a uma utilização do automóvel, contrariando metas ambientais e de transferência modal. Darão o Governo e IP, sua tutelada, a tempo de recuar?

Fotografia LPP

Para Paulo José Silva, criador do grupo de Facebook Transportes Públicos na Costa da Caparica, o prolongamento do MTS à Costa deveria ser prioritário e, “além da Costa, deveria chegar também à Charneca da Caparica, está é a freguesia de Almada mais densa e que tem crescido mais”. “Fala-se muito nas alterações climáticas e na descarbonização, e queremos colocar mais carros em vez de reduzir, e de termos mais e melhores transportes públicos”, lamenta. Paulo, ex-empregado bancário, utilizou os transportes públicos durante mais de 35 anos de vida profissional. Por estar com uma vida mais local, na Costa, onde reside, tem sido um utilizador menos frequente, mas ter um grupo de discussão no Facebook e participar em debates e fóruns presenciais, é “uma questão de cidadania”. “Quero ajudar os outros, contribuir com a minha experiência de utilização e do que senti durante muitos anos na pele.”

Não tem dúvidas de que “o facto de aumentarem mais uma via,nada vai resolver. Só vai aumentar o caudal, que vai bloquear ali na entrada na ponte. Por muito que se mexa no IC20 e no resto, a ponte continua com a mesma dimensão”. E “mesmo que sejam carros eléctricos, vão entupir a ponte na mesma”, aponta. Paulo entende que este tema do alargamento do IC20 não afecta apenas Almada – “Lisboa também não deve querer mais carros, não?”. Além do MTS, sugere melhorias na ferrovia e no transporte fluvial, lamentando quer a travessia de Cacilhas, quer a da Trafaria. “Já tivemos barcos de meia em meia hora na Trafaria, agora é de hora a hora e muitas vezes falham.” Pede ainda ligações rápidas de autocarro entre a Costa e a Trafaria, e entre a Costa e a estação do MTS mais próxima – a da FCT – enquanto não houver a expansão do sistema de metro ligeiro. “Não temos nenhuma ligação rápida entre a Costa e o MTS. Deveria haver um shuttle.” Seriam formas de aliviar o IC20.

Paulo José Silva não tem muitas esperanças quanto a eventuais alterações nos planos de alargamento do IC20, até porque a obra está prestes a iniciar-se. Por isso, pede que a via adicional por sentido seja uma via BUS. “É o mínimo que podemos exigir aqui.”

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