A Câmara de Lisboa lançou o “Selo de Acessibilidade Municipal” para distinguir lojas e outros estabelecimentos privados que sejam acessíveis a pessoas em cadeira de rodas. Contudo, para Diogo Martins, especialista em acessibilidade, “estes selos deveriam ser reservados a premiar a excelência, espaços cujas características de acessibilidade sejam notórias” – e não estabelecimentos que somente cumprem uma lei de 2006.
A Câmara de Lisboa lançou, na semana passada, o Selo de Acessibilidade Municipal, uma distinção direccionada a estabelecimentos abertos ao público e que tem como intuito identificar aqueles que cumprem as normas de acessibilidade, sendo, por isso, acessíveis a todas as pessoas, nomeadamente a quem se desloca em cadeiras de rodas.
O Selo de Acessibilidade Municipal pode ser atribuído a qualquer estabelecimento privado, por exemplo, a lojas e cafés, que cumpram as normas e boas práticas facilitadoras da acessibilidade, como sejam a existência de uma entrada acessível a pessoas em cadeira de rodas, ou a existência de uma instalação sanitária adaptada. Os proprietários podem pedir o selo através da loja online de atendimento municipal, que lhes será atribuído se os seus estabelecimentos cumprirem as normas definidas na Lei das Acessibilidades, de 2006.
De acordo com as regras do município para a atribuição do selo, este pode ser dado a estabelecimentos que tenham um ou mais degraus na entrada, desde que disponham de uma rampa amovível “que, estando guardada no seu interior, possa, sempre que solicitada por toque de campainha, vencer confortavelmente esse desnível” ou, em alternativa, de um “meios fixos ou amovíveis regulamentares” que permitam vencer esse desnível “sem comprometer o espaço público envolvente”. O regulamento também permite que estabelecimentos sem uma casa-de-banho acessível, se se comprovar que não conseguem tê-la devido às exigências que tal equipamento requer em termos de área.
A atribuição do selo é feita pelo período de cinco anos, sem renovação automática, sendo que a distinção pode ser retirada se, “por qualquer motivo”, forem comprovadas desconformidades, pode ler-se no regulamento desta iniciativa. Em breve, todos os estabelecimentos acessíveis estarão identificados numa página especial no site da Câmara de Lisboa. A Câmara de Lisboa diz que este selo “pretende dar uma resposta mais alargada e mais satisfatória” ao direito à acessibilidade, consagrado na lei acima referida, “nomeadamente nos estabelecimentos de utilização pública”, e pretende ao mesmo tempo proteger o comércio local e valorizar “o seu esforço de adequação ao princípio de acessibilidade universal”.
O lançamento do Selo de Acessibilidade Municipal de Lisboa decorreu no Dia Nacional das Acessibilidades, assinalado na passada sexta-feira, 20 de Outubro, com a atribuição da distinção a três lojas-piloto na Avenida da Liberdade. Esse momento juntou o Presidente da Câmara, Carlos Moedas, o Vereador Ângelo Pereira, que tem o pelouro da Acessibilidade Pedonal, algumas associações de pessoas com mobilidade condicionada e também os parceiros da iniciativa, a saber: o AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, o Turismo de Lisboa e o UACS – União de Associações do Comércio e Serviços.
“Na realidade, os selos de acessibilidade têm mostrado-se pouco eficientes”
Para Diogo Martins, consultor em acessibilidade, o Selo de Acessibilidade Municipal de Lisboa é uma boa iniciativa, já aplicada noutros contextos, mas que não resolve os problemas a quem diariamente lida com a sua mobilidade condicionada. “Os selos de acessibilidade não são novidade em Portugal. Existem entidades que os vendem, outras que os disponibilizam gratuitamente, e há quem tenha online listagens dos sítios considerados acessíveis sem, no entanto, atribuir selos”, explica ao LPP. “Os selos são vistos como uma forma positiva de premiar quem torna os seus espaços acessíveis e, assim, tentar que os privados queiram tornar os seus estabelecimentos acessíveis, como se a lei não os obrigasse a tal. Mas, na realidade, os selos de acessibilidade têm mostrado-se pouco eficientes.”
Diogo, que participou no lançamento do selo em representação do Centro de Vida Independente, associação da qual é membro, explica que a estratégia dos selos “foi adoptada em diversos países, sem, no entanto, ter resultados eficazes o suficiente para se notarem diferenças práticas para as pessoas com deficiência”. “Não raramente, estes selos não conseguem garantir um nível suficientemente elevado e preciso de critérios que garantem a acessibilidade a todas as pessoas e nos diversos tipos de acessibilidade. São, por isso, uma forma de sensibilização que, em último recurso, beneficia as pessoas sem deficiência, dando-lhes uma sensação de dever cumprido para connosco e uma consciência social errada da situação real, parecendo esta melhor do que realmente é, levando à ideia que a lei é opcional.”
Para o especialista, o selo criado pela Câmara de Lisboa “tem critérios vagos sobre acessibilidade e não cobre todos os tipos de acessibilidade”, e o município deveria ser mais exigente na sua atribuição. Na sexta-feira, foram colados os primeiros selos na Avenida da Liberdade, mas, segundo Diogo, que se desloca numa cadeira de rodas eléctrica, nem todas as lojas distinguidas são realmente acessíveis. “Numa das lojas, a plataforma elevatória para aceder aos diversos pisos não suporta mais do que 200kg, excluindo a maior parte das pessoas que usa cadeira de rodas eléctrica. Noutra loja, a rampa só chegará em Novembro, depois de estar aberta vários anos sem qualquer rampa de entrada”, refere. “E eu irei lá certificar-me que a rampa chegou, de facto, em Novembro.”
“Premiar as pessoas por se esforçarem a cumprir a lei da acessibilidade é como premiar pessoas por pagarem IRS. A lei existe por um motivo concreto: a garantia dos direitos humanos das pessoas com deficiência. Premiar o cumprimento de leis básicas e essenciais para o quotidiano de mais de um milhão de pessoas, só em Portugal, torna-se inútil quando não somos capazes, enquanto país, de cumprir o básico do básico da legislação e daquilo que é um direito fundamental para a vida independente das pessoas com deficiência”, entende o membro do Centro de Vida Independente.
Diogo diz ao LPP que “estes selos devem ser reservados a premiar a excelência, espaços cujas características de acessibilidade sejam notórias, quer por terem ido muito além do requerido quer por terem sido desenvolvidas com pessoas com deficiência. A excelência deve ser destacada, em vez do mero cumprimento dos mínimos legais”.
Mais informações sobre o Selo de Acessibilidade podem ser encontradas aqui.