Agora, a figura masculina de Salgueiro Maia surge ao lado de mulheres, num mural que procura enaltecer o papel delas na Revolução dos Cravos. Obra foi criada a oito mãos, e pode ser apreciada (e fotografada) sem carros à frente por tempo limitado.

O mural alusivo a Salgueiro Maia, um dos generais que liderou as forças revolucionárias no 25 de Abril de 1974, que ocupava uma das paredes da Avenida de Berna desde 2014 foi reinterpretado. Tamara Alves, Sara Fonseca da Graça (Petra Preta), Moami e Mariana Malhão são as artistas que dão vida ao “novo” Salgueiro Maia da Avenida de Berna, baseando-se no trabalho anterior de Vhils, Miguel Januário, Frederico Draw, Diogo Machado e Gonçalo Ribeiro.
A reinterpretação do mural acontece no 50º aniversário da Revolução dos Cravos, que se celebrará em 2024, e é um projecto da galeria Underdogs e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH) – que também é aniversariante, com os seus 45 anos. O mural anterior, apresentado em 2014 por ocasião dos 40 anos do 25 de Abril, já apresentava sinais de desgaste, naturais de qualquer obra artística e mais evidentes numa obra que está no espaço público, à mercê de todo o tipo de intempéries.




Chegou a pensar-se no seu restauro, mas optou-se por criar um novo mural, idêntico. Desta vez, em vez de homens, foram mulheres a pintar a figura masculina de Salgueiro Maia, preenchendo-a com cravos e com elementos que destacam o papel da mulher.
“Para celebrar os 50 anos do 25 de Abril, quatro artistas mulheres portuguesas foram convidadas a combinar as suas diversas linguagens visuais para desenvolver um só mural. A oito mãos, elas criaram juntas uma obra sobre o passado, o presente e o futuro do país”, pode ler-se no texto curatorial da obra. “A artista Tamara Alves é responsável pela pintura realista do Capitão Salgueiro Maia a partir da célebre fotografia a preto e branco capturada por Alfredo Cunha, o maior fotógrafo do 25 de Abril. O olhar tranquilo e compenetrado que naquele momento encarava a câmara fotográfica, está agora voltado para nós.”

“A figura masculina de Salgueiro Maia será para sempre a cara da Revolução. Mas foram várias as protagonistas femininas que lutaram e resistiram durante esse período. De maneira a enaltecer a figura sistematicamente silenciada da mulher na história, a artista Sara Fonseca da Graça representa personagens preponderantes dos movimentos de libertação das ex-colónias de Portugal”, refere o mesmo texto. “O plano de fundo – porém não menos importante – do mural, é banhado pelas cores vibrantes de Moami, que nos traz texturas inspiradas tanto na Filigrana portuguesa como nos padrões visuais de culturas africanas. Como se sabe, a Revolução dos Cravos colocou fim às guerras coloniais de Portugal, e Moami celebra a harmonia entre esses povos ao mesclar e fundir as suas referências visuais. Margarida Malhão é a responsável pela criação das silhuetas brancas que aparecem recortadas no fundo alaranjado. Estas figuras anónimas representam a força do povo unido. De mãos dadas, diversas camadas da sociedade portuguesa lutaram e celebraram a transição da opressão sofrida por décadas para a liberdade. O cravo simboliza a ideia de rompimento, e os braços erguidos personificam a identidade coletiva como força transformadora.“
Como lembra Sara Fonseca da Graça, que mais comummente assina como Petra Preta, “existe uma tendência para o foco na figura masculina, que dominava o cenário bélico, político e económico da sociedade portuguesa, enquanto a figura da mulher ainda permanece no anonimato. A mulher teve uma participação ativa na luta pela liberdade, dentro do seu papel de género, mas também transgredindo as normas da sociedade para o que era esperado do seu papel social. Desde trabalhar nos campos para manter a comida no prato, a cuidar de órfãos da guerra, até a participar desta, de arma na mão”.

O novo mural foi inaugurado esta quarta-feira, 8 de Novembro, e promete ficar pelo menos 10 anos na Avenida de Berna. Por agora, pode ser apreciado e fotografado sem carros à frente – não vai durar muito, porque a remoção da ciclovia está em curso e, ainda este mês, 70 lugares tarifados de estacionamento automóvel vão regressar àquela avenida.