A proposta do Bloco de Esquerda (BE), aprovada por unanimidade, desafia a Câmara de Lisboa a garantir a acessibilidade de todos os parques infantis da cidade, de modo a que as crianças com deficiência não sejam excluídas do direito de brincar nesses espaços.

São ainda muito poucos os parques infantis inclusivos na cidade de Lisboa, permitindo a sua utilização por crianças com deficiência. Isso resulta numa clara discriminação: as crianças com deficiência são privadas do direito de brincar nesses locais, relegando-as a observarem os amigos a divertir-se.
A Câmara de Lisboa tem vindo a adaptar alguns parques infantis pela cidade para torná-los adaptados também a crianças com deficiência e têm tido também essa preocupação de inclusão na construção de novos equipamentos, mas o Bloco de Esquerda (BE) considera que é preciso ir mais longe e fazer mesmo uma avaliação de todos os parques infantis de Lisboa para que sejam identificadas as condições de acessibilidade. Ao mesmo tempo, pede que seja criado um plano para a requalificação dos parques necessários, permitindo a adaptação do espaço e dos equipamentos de modo a que sejam possíveis de usar por crianças com deficiência.
Na reunião pública de Câmara desta quarta-feira, 31 de Janeiro, o BE apresentou uma proposta para que o município possa fazer esse trabalho de avaliação e de adaptação dos parques infantis, proposta essa que foi aprovada por unanimidade – ou seja, foi bem acolhida por todas as forças políticas com assento camarário (PSD/CDS, PS, Livre, PCP e Cidadãos Por Lisboa).
“Os municípios têm aqui um papel determinante devendo ser promotores de inclusão e não agentes que fomentam a exclusão: garantir a existência de parques infantis acessíveis é um passo fundamental no longo caminho da inclusão que tem que ser feito”, pode ler-se no texto assinado pela Vereadora do BE, Beatriz Gomes Dias. “É necessário encarar esta realidade de frente e fazer o caminho que é premente de garantir, desde a infância, a inclusão das crianças com deficiência. E não se inclui excluindo estas crianças de contextos recreativos e lúdicos, como são os parques infantis.”
Em concreto, a proposta do BE pede que a Câmara de Lisboa:
- realize “uma avaliação em articulação com as Juntas de Freguesia das condições dos
parques infantis”, analisando não só as condições de acessibilidade em redor dos parques mas também o seu interior, incluindo os equipamentos presentes; - proceda a “uma calendarização”, também em articulação com as Juntas de Freguesia, para que se faça a “adaptação dos parques infantis a crianças com deficiência”;
- e ainda que se adapte a “zona circundante dos parques infantis a pessoas com deficiência, nomeadamente através de estacionamento reservado, piso rebaixado e pavimento adequado”.
Parques nas mãos das juntas
Ângelo Pereira (PSD), Vereador responsável pela Estrutura Verde da cidade, explicou que a Câmara tem “conseguido sensibilizar as Juntas de Freguesia e orientá-las para a necessidade da inclusão” nos parques infantis, em particular aqueles que se enquadram em espaços verdes, quer através da adaptação e substituição de alguns brinquedos, quer com a reformulação dos espaços. Essa sensibilização é feita através dos pareceres que o Município tem de dar às juntas no âmbito dos Contratos de Delegação de Competências – isto é, como os parques infantis são uma responsabilidade das juntas, mas muitos desses projectos são financiados pela Câmara no âmbito dos contratos de delegação, esta tem o poder de aprovar ou reprovar os desenhos antes de as obras se concretizarem.
O Vereador Ângelo Pereira deu três exemplos de parques infantis inclusivos que estão a nascer ou vão nascer na cidade: o da Praça Natália Correia, em São Vicente, que resultou de um Orçamento Participativo e da mediática polémica do Forte de Santa Apolónia; um na Rua Fernando Maurício, em Marvila; e outro na Praça Afonso do Paço, em Campo de Ourique. “Já é prática dos nossos serviços dar pareceres, nos Contratos de Delegação de Competências, relativos a vários parques, nesse sentido de fazer alterações para que eles sejam inclusivos”, indicou o autarca.

A Vereadora Ana Jara, do PCP, por seu lado, lamentou que não exista uma rede municipal de parques infantis na cidade, permitindo que exista uma coerência no que toca a estas infraestruturas. “Esta rede de parques infantis, que deveria existir, foi desarticulada com a reforma administrativa de Lisboa, que entregou a gestão dos parques infantis às juntas de freguesia”, referiu, acrescentando que o resultado é “uma aleatoriedade e criatividade” entre parques, de freguesia para freguesia. “Vamos encontramos por toda a cidade desigualdades”, disse. “Estou a lembrar-me dos pavimentos. Alguns parques têm aquelas pedrinhas, que dificultam a mobilidade de crianças com mobilidade reduzida, não lhes permitindo usufruir desses espaços.”
Jara decidiu ainda “desafiar a Câmara a pensar de forma mais abrangente” porque “não nos conformamos que as crianças brinquem em espaços circunscritos na cidade de Lisboa. Queremos que possam usar com segurança os espaços verdes, algumas ruas. Gostávamos que fosse tida em consideração, principalmente pelo Urbanismo da Câmara, a adaptação de espaços cada vez mais abrangentes ao uso infantil”. Até porque, como apontou a Vereadora comunista, “houve uma altura em que foi permitido às crianças da cidade de Lisboa brincarem na rua, estarem na rua, mas esse espaço foi sendo reduzido ao longo dos anos com um urbanismo pouco amigo delas”.
Um tema antigo
O tema dos parques infantis inclusivos não é nova nas instâncias municipais. Quando o seu assento na Assembleia Municipal, Diogo Moura (CDS), actual Vereador da equipa de Moedas, tinha levado à discussão duas propostas pela criação de uma rede de parques infantis adaptados a qualquer criança, independentemente da sua condição motora. A primeira foi aprovada por unanimidade em Outubro de 2018 e recomendava que a Câmara, “em estreita colaboração e coordenação com as Juntas de Freguesia”, avaliasse e estudasse a “possibilidade de adequar os parques infantis da cidade a crianças portadoras de deficiência, através da colocação de modelo de mobiliário adequado e remodelação, quando necessário, do respectivo acesso e pavimento”.
A segunda recomendação foi apresentada em Março de 2020 com o intuito de reforçar o cumprimento da primeira: “o Grupo Municipal do CDS-PP propõe à Assembleia Municipal de Lisboa que recomende à Câmara Municipal de Lisboa que, em articulação com as Juntas de Freguesia, elabore um plano de implementação de parques infantis inclusivos na cidade, priorizando a abrangência territorial do concelho”, podia ler-se no texto que contou também com uma aprovação por unanimidade. Moura concretizava: pedia um parque infantil inclusivo em cada uma das cinco zonas da cidade até Dezembro de 2020, “mês em que se assinala o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência e o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, como acto simbólico e contributo efectivo para uma Lisboa, cidade inclusiva para todos”. Para o então deputado municipal centrista, trata-se de “uma medida necessária, justa e inclusiva, permitindo que as crianças, independentemente da sua condição física e psicológica, possam partilhar o mesmo espaço público recreativo e lúdico”.
As recomendações do CDS nunca chegaram a ser concretizadas pela autarquia.