No 25 de Abril, um grupo de pessoas decidiu ocupar um antigo asilo de crianças, abandonado há 15 anos, com o propósito de estabelecer um centro social e cultural que revitalizasse o bairro de Santa Engrácia, em Lisboa. Mas, por intervenção policial, a ocupação e a subsequente dinamização do espaço duraram apenas uma semana. O colectivo promete não desistir.
Para Ana, mãe de dois pequenos, o nº 2 da Rua Bartolomeu da Costa, na freguesia de São Vicente, não deveria ser um edifício vazio. Numa freguesia onde diz haver falta de áreas verdes, de espaços de cultura e encontro para adultos e também de zonas onde as crianças possam brincar à vontade, Ana gostaria de ver esse prédio assumir todas essas valências. E foi por isso que ficou contente com a ocupação do edifício devoluto por um grupo de pessoas, sobretudo jovens, no passado 25 de Abril.
Quando as atenções mediáticas estavam viradas para as celebrações dos 50 anos da Revolução na Avenida da Liberdade, um colectivo informalmente organizado abria as portas do prédio onde, em tempos, funcionara uma casa de acolhimento de crianças mais pobres. Propriedade da Fundação D. Pedro IV, instituição que ainda hoje oferece uma resposta social nesta área da infância, com seis alojamentos em Lisboa, o antigo asilo da Bartolomeu da Costa encontrava-se vazio há 15 anos – segundo referem os novos ocupantes –, e os planos da Fundação passam pela sua venda a um qualquer promotor imobiliário para a construção de mais um condomínio privado.
Inconformado não só com este destino, mas também com a existência de 48 mil habitações devolutas em Lisboa, e depois de assistir à especulação imobiliária a expulsar pessoas e colectividades de edifícios em relativo bom estado, o grupo decidiu fazer da ocupação do antigo asilo infantil um acto de protesto pacífico. “A ocupação é uma acção pacífica. Estamos a ocupar a cidade. É feita com boas intenções de suprimir as necessidades para a comunidade”, diz ao LPP uma das ocupantes. “A conversa civilizada é ignorada pelas entidades”, completa outro membro do grupo. “Os privados é que conseguem ter propriedade destes espaços. O público tem perdido competências.”
A ocupação ter sido feita no dia 25 de Abril deu-lhe o simbolismo da data. “Isto é também uma celebração do PREC.” Nos dias seguintes à ocupação, começou a ser divulgada nas redes sociais do movimento, @okuparabril, uma programação diária composta por ensaios de bandas, concertos, conversas temáticas, projecções de filmes, leituras de contos e outras actividades pontuais, como uma “churrascada de vegetais” com vizinhos, uma oficina de banda desenhada ou um torneio de xadrez. Foi criada uma sala com programas específicos para crianças; e também uma cantina social, com almoços e jantares comunitários, onde quem quisesse contribuir podia fornecer ingredientes ou cozinhar. “Nunca fizemos ruído à noite, para além das horas normais”, garante ao LPP um terceiro ocupante, com quem o LPP falou também sob anonimato.
Assim, nasceu o Novo Centro Social e Cultural de Santa Engrácia.
Toda a programação foi sendo mantida à base de doações e da vontade de quem quisesse contribuir com a sua arte ou trabalho. Todos os dias, às 18h30, eram realizadas assembleias populares para, com o envolvimento de vizinhos de todas as idades (“apareceram pessoas mais velhas”), ser desenhado o cronograma de actividades e também discutidas as necessidades para o espaço. “Nunca quisemos ser disruptivos, mas dar à comunidade local o que ela dizia fazer falta. Muitas pessoas deram ideias para a programação e para se fazer aqui neste espaço, e outras pessoas que estavam mais cépticas ao início ficaram do nosso lado quando souberam que estava previsto para aqui um condomínio privado”, conta-nos a primeira ocupante mencionada neste artigo. “Os privados não estão abertos a diálogos, nem a projectos sociais e culturais”, garante.
Enquanto era desenvolvida e activada a programação pública, o colectivo ia dando um jeito no edifício e também no pátio exterior, que, aliás, poderia ser um espaço verde de proximidade num bairro onde há pouca oferta neste campo. Foi feita a limpeza possível de todo o espaço, removido o lixo e cortadas algumas ervas. “Fizemos mais que o senhorio. Limpámos e arranjámos o espaço, que estava bastante sujo por estar abandonado há 15 anos”, diz-nos, explicando que, ainda assim, o “edifício está num bom estado de conservação”, tornando segura a sua ocupação.
Apesar dos esforços, a ocupação do Novo Centro Social e Cultural de Santa Engrácia não durou mais que uma semana. Na manhã da passada quinta-feira, dia 2 de Maio, o grupo foi surpreendido com uma visita da Polícia de Segurança Pública (PSP). A ordem era de desocupação, e foi cumprida pelo colectivo. O prédio foi esvaziado, mas com protestos à porta, envolvendo não só os ocupantes, mas também vizinhos e amigos de outros movimentos que se juntaram à causa. “O objectivo aqui hoje é mostrarmos força, resistência”, disse o segundo elemento desta história. O colectivo alega um comportamento “extremamente desagradável” da parte da polícia, referindo que esta se recusou a apresentar qualquer ordem de despejo ou outra documentação que sustentasse aquela visita, ou a conversar com uma advogada que o colectivo arranjou.
O acesso ao edifício foi vedado com chapas metálicas e outros elementos robustos, mas o grupo de ocupantes não desiste da ideia de reactivar o Novo Centro Social e Cultural de Santa Engrácia. “A ideia é fazer uma nova ocupação.” O colectivo ainda queria afinar esta decisão com a restante comunidade e com a vizinhança e, por isso mesmo, marcou para a passada segunda-feira, dia 6 de Maio, uma nova assembleia popular. Enquanto se discute o futuro, há uma petição pública a pedir a cedência do prédio para a reactivação do centro social e cultural e que conta, neste momento, com mais de 2100 assinaturas. No texto dessa petição é dito, por exemplo, o seguinte:
“Temos o apoio da vizinhança. Planeamos construir, colaborativamente e envolvendo sempre todas as pessoas do bairro, um centro social para todas as idades. Queremos oferecer atividades como pintura e cerâmica, uma cantina social, convívios para partilha de histórias e jogos de tabuleiro e cartas, um jardim e horta comunitários, uma loja livre, um circo social e acompanhamento e segurança no bairro.”
Ao LPP, o colectivo admite vontade de pedir um contrato comodato à Fundação D. Pedro IV para poderem usar o edifício enquanto o mesmo não é vendido para a construção de um condomínio de habitação. Este tipo de contrato permitiria o empréstimo do imóvel pela Fundação ao colectivo durante um período de tempo, com ou sem prazo, e a sua devolução no estado em que foi emprestado, podendo a Fundação pedir a qualquer altura o prédio de volta.
Será que Santa Engrácia vai ter um Novo Centro Social e Cultural?