Vizinhos cuidam dos animais do Campo Mártires da Pátria e alertam para falta de comida e água

Preocupadas com os patos, galinhas e outras espécies que habitam o jardim do Campo Mártires da Pátria, em Lisboa, algumas pessoas estão a voluntariar-se para dar comida e água a esta fauna urbana. Dizem que os animais, em particular os mais pequenos, passam fome. A Junta de Freguesia de Arroios garante que não mas, ainda assim, promete melhorias no espaço.

Patos pequenos a comerem uma ração dada por uma vizinha (fotografia LPP)

Por volta das 18 horas, numa sexta-feira, o jardim do Campo Mártires da Pátria está cheio de pessoas. Crianças a brincar, vizinhos a passear os seus cães, novos e velhos a conviver ou a descansar nos bancos, casais a namorar de toalha estendida na relva, transeuntes a sair dos autocarros… No meio de todo este alvoroço, encontramos “Jéssica”. Chega ao jardim com uma caixa de sementes na mão, que depressa espalha pela relva. Patos, patinhos, gansos, galinhas e pintainhos aparecem de repente, lutando entre si porque todos querem o mesmo: chegar ao alimento. A jovem mulher chuta os pombos para que principalmente os pintainhos, os seres mais frágeis, não fiquem sem comida.

“Jéssica” não é a única a alimentar os animais que habitam livremente o Campo Mártires da Pátria, na freguesia de Arroios, em Lisboa. Diz que o faz porque mora ali perto e acha que a comida e água fornecidos pela Junta de Freguesia são insuficientes. “O que eu ouvi falar, nunca vi pessoalmente, é que uma pessoa que vem colocar comida uma vez por dia num sítio específico, mas que eu acho que são sempre os mesmos animais que conseguem acesso. Os pombos, por exemplo, acabam por pegar tudo. Os gansos também. Os mais pequenos, como os pintainhos, estão sempre a pedir comida”, diz.

A ração de Jéssica (fotografia LPP)

“Eu compro uma ração específica para aves, vejo que algumas pessoas que trazem comidas que não são específicas. Por exemplo, o pão não é o melhor alimento porque tem sal”, acrescenta. “Mas talvez eu não tenha o conhecimento para alimentar estes animais da forma certa. Talvez esta ração não seja a melhor, talvez não esteja a dar na quantidade certa, talvez não consiga alimentar todos os animais de forma igual.” Jéssica diz que não é a favor de que qualquer pessoa alimente os animais do Campo Mártires da Pátria precisamente pelo facto de poder haver desconhecimento de como o fazê-lo.

“O problema é que, estando eles com fome, é melhor que as pessoas os alimentem do que eles morrerem de fome”, refere. Jéssica diz que vem “praticamente todos os dias” dar de comer à fauna do Campo Mártires da Pátria, e aproveita para vir com o filho que “gosta bastante de brincar” no jardim. “Isto é uma despesa, sim, mas isso não é um problema.”

Voluntários falam em animais mortos

Nos últimos dias, alguns moradores e vizinhos deste jardim têm-se mobilizado pelo WhatsApp para denunciar casos de animais mortos. Relatam que, desde Janeiro deste ano, houve 39 vítimas neste espaço verde da cidade – número que o LPP não conseguiu confirmar; dizem que a comida e água fornecidos pela Junta de Freguesia de Arroios não é suficiente para todos os animais do espaço e que não existe um cuidado em garantir que os mais pequenos têm acesso a essa comida. “A gente viu, uma vez, a senhora da Junta assinar o livro de ponto, que está ali afixado, sem deixar comida. Só que isso foi para as redes sociais e meia hora depois já apareceu a comida, que não vinha aparecendo nas últimas semanas”, refere “Lucas”, nome fictício, um dos zeladores atentos da fauna do Campo Mártires da Pátria. “Na semana dos feriados [de Junho], ninguém deu comida”, contesta.

Algumas fotografias que estão a circular pelo WhatsApp (DR)

“Lucas” cresceu no Brasil rodeado de patos, galinhas e de outros animais, e quando se mudou para Lisboa, há uns 15 anos, ficou maravilhado com a existência de um jardim onde a bicharada anda solta no meio das pessoas. Recentemente, diz que começou a ver “algumas coisas diferentes”, como patos marrecos, e também gansos e galinhas “abandonados aqui”, que, por não conhecerem o território, acabam atropelados. “Um ganso branco, que foi abandonado no mesmo dia com a fêmea, não tinha noção muito de território, foi atravessar a rua ali em baixo, onde tem a parte dos aparelhos de exercício, e acabou atropelado.” “Lucas” conhece todos os animais do Campo Mártires da Pátria: os que chegam, os que nascem, os que estão a nascer, os que desaparecem, os que sofrem acidentes… “Agora temos duas ninhadas ali de pintainhos, mais duas que nasceram esta semana. De patinhos temos três ninhadas…”, conta. “Passei a vir mais vezes aqui ao jardim, porque me apeguei aos bichos, principalmente os que estão nascendo. Quero acompanhar o seu crescimento.”

É num grupo de WhatsApp com mais dois vizinhos – a “Marta” e a “Camila”, nomes também fictícios – que “Lucas” partilha a vigilância comunitária da fauna do Campo Mártires da Pátria, avisando não só do nascimento ou surgimento de novos animais, mas também de incidentes com os habitantes mais antigos. Através do WhatsApp, coordenam a distribuição de comida e de água. “A gente costuma colocar estes recipientes com água. Já foi falado para a gente não as colocar por ficarem feias no jardim, então tentamos colocá-los meio escondidos, debaixo dos arbustos e das árvores”, explica o jovem brasileiro. Quanto a comida, costumam trazer milho. “Eu trago comida, principalmente para os pequenos, porque estão em desenvolvimento e porque não quero que morram à fome. Os grandes ainda conseguem chegar à comida que a Junta deixa, mas os pequenos não conseguem comer nada.”

Um pato no Campo Mártires da Pátria (fotografia LPP)

“Lucas” diz que deveria haver mais depósitos com comida e água espalhados pelo jardim. “Olhe o tamanho deste espaço e para a quantidade de animais. Um só recipiente pequeno, como o que existe, não dá para todos.” “Há uns animais que já me conhecem e que, quando eu passo aqui, vêm atrás de mim. É chato quando às vezes passo aqui sem nada e os bichinhos vêm atrás de mim. Dói o coração de os bichos pedindo comida, porque foi feriado, sábado ou domingo e ninguém os alimentou”, contesta. “Lucas”, “Marta” e “Camila” – que se conheceram no jardim enquanto cuidavam cada um por si dos animais e que decidiram unir esforços através do WhatsApp – chegaram a reunir com a Junta de Freguesia de Arroios em Novembro do ano passado, apresentando problemas e soluções para melhorar o bem-estar dos animais do Campo Mártires da Pátria. Mas dizem que nada foi feito.

“A partir desse momento, nós não tivemos mais nenhuma resposta. Fomos muito bem recebidos na reunião, mas até então não tivemos soluções e o problema do jardim só piorou desde então”, testemunha “Camila”, que refere ter encontrado, nos últimos meses, animais “machucados, meio abatidos e com fome”. “Marta” corrobora: “A gente tem visto o sofrimento dos bichos, e por isso começámos a cuidar deles por contra própria.” Apontando para um edifício vermelho que existe no meio do jardim, “Marta” diz que “antes os animais mais pequenos eram guardados lá dentro daquela casa, ou seja, tinham um refúgio e sobreviviam mais”. “Por exemplo, na semana passada, eu passei por aqui e tinha três patinhos pequenos mortos”, conta. “Há também uma senhora de 86 anos, que não faz parte do nosso grupo mas que gosta muito de nós, que está sempre está por aí, carregando o carrinho dela, super debilitada, a tentar ajudar os animais”, acrescenta “Camila”.

A zona oficial de alimentação e água do Campo Mártires da Pátria (fotografia LPP)

Além do aumento do número de pontos de comida e de água, e de um melhor cuidado por parte dos funcionários da Junta na distribuição desse alimento – para garantir que os animais mais pequenos comem –, o grupo sugere proibir a circulação de pessoas e de animais de companhia no relvado em torno do lago, e ainda clarificar os usos de cada espaço do jardim. Outra ideia é a colocação de placas a sensibilizar para a obrigatoriedade de utilizar trela nos animais de companhia, especialmente cães, com indicação de coimas. “Os cães soltos são um problema aqui”, refere “Marta”.

Junta diz que animais não passam fome

As fotografias e vídeos de animais mortos que estão a circular pelo WhatsApp, num grupo mais alargado de vizinhos, são de vários meses e mostram, na sua maioria, animais feridos. A Junta de Freguesia de Arroios garante, ao LPP, com “certeza absoluta” de que “os animais não passam fome, até pela procriação que existe: tem havido ninhadas de patos, de galinhas…”; e refere que, além da disponibilização de “comida de boa qualidade” aos animais do Campo Mártires da Pátria, existe uma monitorização contínua dessa fauna com a Provedoria dos Animais de Lisboa. Para a autarquia, os cães soltos e a falta de cuidado dos seus donos são o maior problema, juntamente com a existência de pessoas a distribuir alimento sem o conhecimento devido.

Galinha e pintainhos e comerem comida dada por voluntários (fotografia LPP)

A Junta diz estar a avaliar toda a situação e a estudar várias soluções. Uma delas pode passar por melhorar, à entrada do jardim, a sinalização para que as pessoas não alimentem os animais por sua iniciativa e não deixem os cães soltos. Outra possibilidade pode ser a restrição do acesso das pessoas aos animais, criando uma ou duas fechadas para os patos, galinhas e gansos estarem. O Campo Mártires da Pátria “não é uma quinta, é um jardim aberto e em espaço urbano”; e, por isso, existem dinâmicas às quais não é possível escapar, mas a Junta quer “minimizar” o máximo possível as situações. “Existem melhorias que podem ser feitas, tanto para os humanos, como para os animais que lá habitam, mas também para as espécies vegetais que lá existem.”

“Lucas”, “Marta” e “Camila” prometem continuar em contacto e a cuidar dos animais do Campo Mártires da Pátria, dentro das disponibilidades e possibilidades de cada um. Jéssica, mesmo estando fora do grupo, também querem continuar a ajudar. E, além destas pessoas, há mais vizinhos e moradores a voluntariarem-se em prol do bem comum.

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