O novo jardim de Benfica começa no regresso do velhinho eléctrico 349

Nas traseiras do Palácio Baldaya, em Benfica, Ricardo Marques, Presidente da Junta, e António Camacho, um ex-guarda-redes de hóquei que envergou pela paixão e profissão do restauro, discutem os detalhes do ambicioso projecto de recuperação do antigo eléctrico nº 349 da Carris. Este eléctrico, que outrora circulou pelas ruas do bairro e também da cidade Lisboa, está de volta à freguesia, desta vez para se tornar um elemento central do futuro Jardim das Oliveiras, que vai nascer no topo da Avenida do Uruguai onde existe hoje um espaço verde pouco utilizado.

“Agora começa a fase de restauro e recuperação deste nosso ‘velho amigo”, comenta Ricardo Marques. O regresso do eléctrico 349 a Benfica, mais de 50 anos depois, foi uma conquista difícil, marcada por um trabalho de pesquisa, de namoro, de negociação e de logística – a maior parte dele feita pelo próprio Presidente de Junta. “Eu tinha encontrado na internet um apaixonado português por eléctricos, o Paulo Santos, que entretanto se tornou um parceiro nosso, e perguntei-lhe se tinha algum que tivesse andado na Estrada de Benfica. Disse-me que não, mas passou-me um contacto de um coleccionador espanhol que tinha um e que poderia estar interessado em vendê-lo”, conta. Aproveitando umas férias familiares, no Verão de 2023, Ricardo passou por Saragoça para “namorar” o eléctrico e o seu proprietário. “Chegámos a acordo sobre os valores, mas o senhor teve depois um ano difícil em questões de saúde e, portanto, foi complexo o processo de aquisição”, explica.

Restauro do eléctrico aberto à comunidade

“Ainda mais complexo foi agora o processo para trazer o eléctrico desde Saragoça até Benfica. Foram oito horas para carregar o eléctrico lá no armazém dele. O eléctrico estava atrás de três ou quatro eléctricos, parado desde 1995.” O nº 349 da Carris está agora nas traseiras do Baldaya onde vai ser restaurado ao longo dos próximos quatro a cinco meses pela equipa da Junta, “pelos nossos dois carpinteiros”. António Camacho é um deles. Ricardo conheceu-o como guarda-redes de hóquei pelo Casa Pia e mais tarde pelo seu trabalho de restauro, essencialmente de madeira, feito através do projecto pessoal Second Chance Art (@secondchance.art).

António explica que o velhinho eléctrico passará por um meticuloso processo que irá incluir a recuperação da chapa, pintura, estofos e toda a parte mecânica. “Vamos restaurar o eléctrico todo e tentar mantê-lo o mais original possível”, explica. “Agora estamos a fazer o levantamento das coisas de que precisamos, a fazer orçamentos e depois será dar andamento ao trabalho.” Para o jovem restaurador, que vai coordenar todo o trabalho técnico, este projecto vai ser uma oportunidade para envolver a comunidade local num projeto que aliará memória, cultura e modernidade no bairro. “O Presidente estendeu o convite a entusiastas e pessoas que gostem do restauro”, explica, incentivando a participação activa de quem quiser colaborar, bastando para tal enviar um e-mail para [email protected].

A rotunda que vai ser um jardim

O Jardim das Oliveiras, que nascerá no topo da Avenida do Uruguai, substituirá a actual rotunda por uma praça de lazer, integrando a área verde no coração do bairro com os prédios circundantes. O eléctrico 349, após ser cuidadosamente restaurado, será adaptado para funcionar como uma cafeteria e zona de estar, com uma esplanada em redor, “com cafés, chás, sumos, quiches…”. Este será o ponto central do novo jardim, que também contará com um parque infantil e uma extensão da Biblioteca Baldaya, criando uma nova centralidade cultural no bairro de Benfica. “Este jardim já estava previsto há algum tempo, desde o final do mandato anterior. Sentíamos que o espaço não era aproveitado. Por isso, aquilo que é hoje conhecido como a Rotunda das Oliveiras, no cimo da Avenida do Uruguai, será transformada no Jardim das Oliveiras”, comenta Ricardo. “É, basicamente, um upgrade de rotunda para jardim.”

A rotunda deixará de o ser com a remoção de uma parte de estrada numa dos lados, permitindo que o que é hoje uma área verde circunda por carros passe a ser uma praça ligada aos prédios. Ricardo Marques revela que o projecto foi idealizado para servir os moradores das redondezas, especialmente as famílias que vivem no bairro do Charquinho, na Rua República da Bolívia e na Avenida do Uruguai, onde foi identificada, por exemplo, uma carência de espaços para crianças. “Sempre tivemos a ideia de criar um parque infantil que servisse aquela zona”, explicitou o Presidente da Junta, frisando a importância deste novo espaço para a comunidade. Outro ponto que o projecto trará é mais alguns lugares de estacionamento não só para os moradores mas também para os visitantes do futuro jardim.

A ideia de transformar o eléctrico numa extensão da Biblioteca Baldaia é parte de uma visão mais ampla para o futuro Jardim das Oliveiras, assente na cultura. O eléctrico “vai funcionar como uma extensão da biblioteca que temos no Palácio Baldaya e também das actividades da Livraria Ulmeiro. Queremos ter aqui sessões de leitura para a comunidade e actividades educativas para turmas escolares. Queremos criar um espaço dedicado à leitura e à palavra”, aponta Ricardo. “Será mais equipamento que nesta zona da freguesia, que trará mais espaço cultural, mais espaço de fruição e mais espaço verde.”

Descarbonizar a Estrada de Benfica

O projecto de recuperação do elétrico 349, mais do que um esforço de preservação histórica, simboliza uma “forma de pressão simpática” para que se concretize um estudo sério sobre a viabilidade da reintrodução do eléctrico na Estrada de Benfica, uma promessa que, segundo Ricardo Marques, “não passa de música que nos dão”. “A Estrada de Benfica, que é a estrada da cidade de Lisboa com o maior número de carreiras de autocarro, que chegam a ser nove por minuto, tem que ter uma solução”, afirmou o autarca, sugerindo que a reintrodução de um eléctrico poderia melhorar significativamente a mobilidade entre as freguesias da Venda Nova e Falgueira, na Amadora e a interface de Sete Rios, as freguesias lisboetas de Benfica e de São Domingo de Benfica. “Mais de 250 mil carros utilizam Benfica para entrar e sair da cidade de Lisboa todos os dias. São mais de 300 e tal mil pessoas”, adiantou, referindo que isso cria uma oportunidade para promover a mudança para outros modos de transporte.

“Defendo a descarbonização da Estrada de Benfica com a colocação, preferencialmente de eléctrico, mas hoje em dia há outras soluções mais baratas, como os BRTs”, admite Ricardo Marques, referindo que o objectivo central seria ter um transporte público segregado, frequente e rápido naquele eixo. Além de um corredor de eléctrico ou BRT, defende a introdução de uma ciclovia. “Temos 16 mil alunos que não podem, em segurança, chegar de bicicleta ou de trotineta à escola. É um disparate, é uma oportunidade que perdemos.” A ideia do autarca não seria fechar completamente a Estrada do Benfica aos carros mas continuar a permitir o atravessamento perpendicular desse eixo. “Temos de arranjar uma solução que conjugue o atravessamento da freguesia, que não pode ser interrompido”, disse, comentando que de outra forma “a freguesia ficaria cortada” ao meio.

A freguesia de Benfica já teve duas carreiras regulares de elétrico: a número 1, que ia até à Praça do Chile, e a número 5, que ligava ao Largo do Carmo. Ambas foram suprimidas em 1973. Atualmente, Benfica conta com uma estação de comboio e uma estação de Metro, situada junto ao terminal rodoviário do Colégio Militar. O futuro Jardim das Oliveiras será um espaço pensado para os moradores e visitantes, com estacionamento e circulação rodoviária redesenhada para se adaptar ao novo esquema viário. O eléctrico 349, uma peça viva da história local, assumirá um novo papel como catalisador de cultura e comunidade em Benfica, e será o início de um debate sobre o futuro da mobilidade do bairro. Por agora, quem estiver interessado em colaborar com a pequena e entusiástica equipa de restauro pode entrar em contato por email através de [email protected].