A Câmara de Lisboa aprovou a primeira Carta Municipal de Habitação, que define um plano de 10 anos para aumentar a oferta de habitação pública, com um investimento de 900 milhões de euros e metas como a construção de 3 000 novas casas até 2028. O PS viabilizou a proposta mas deixou alguns avisos.
Depois de ter sido chumbada no início de Outubro e de a Vereadora da Habitação, Filipa Roseta, ter dito que não voltaria a trazer o documento neste mandato, eis que mudou de ideias. No final do mês, a Câmara de Lisboa aprovou, em reunião executiva, a primeira Carta Municipal de Habitação de Lisboa, que estabelece um ambicioso compromisso político a 10 anos para aumentar a oferta de habitação na cidade e inaugura uma década de forte investimento na política de habitação.
“Com a aprovação deste documento estratégico a cidade de Lisboa fica dotada de uma política de habitação audaciosa para os próximos 10 anos, que inclui a reabilitação de habitações vazias e lança uma onda de renovação dos bairros municipais, dotando-os de condições habitacionais e energéticas nunca antes garantidas”, afirmou Filipa Roseta, numa nota enviada às redacções.
“Alcançou-se um compromisso político histórico para investir mais de 900 milhões de euros em habitação”, sublinha em comunicado o Presidente da Câmara, Carlos Moedas, destacando que a Carta agora aprovada permite “construir 3000 novas casas públicas até 2028, urbanizar terrenos públicos parados, como o Casal do Pinto e o Vale de Santo António, e destinar terrenos com capacidade para 500 casas em cooperativa, entre outras medidas essenciais para concretizar as prioridades ambiciosas estabelecidas pelos Novos Tempos: aumentar e melhorar a oferta de habitação pública, reduzir as assimetrias no acesso à habitação e regenerar a cidade esquecida”.
Além da oferta de habitação pública, a Carta Municipal de Habitação de Lisboa lança as bases de um sistema assente nos pilares privado e em parceria para a oferta de habitação acessível. “Mapeámos um potencial de construção de 7400 casas, das quais 3000 com investimento totalmente público. Iremos disponibilizar as restantes 4000 potenciais a parceiros de construção”, destaca Roseta, sublinhando a necessidade de se “aumentar significativamente o número de casas acessíveis em Lisboa aproveitando esta oportunidade”. Neste âmbito, está já em curso o programa municipal de cooperativas, com um concurso aberto para a construção de habitação em cooperativa na freguesia do Lumiar. “Agora temos todas as condições para fazer um verdadeiro choque de oferta de habitação, pondo toda a propriedade municipal com capacidade habitacional a uso, ao serviço das pessoas e das famílias.”
O documento agora aprovado será ainda submetido a votação em Assembleia Municipal de Lisboa, onde é expectável que tenha luz verde nas próximas semanas.
PS aprovou com avisos
O PS explica que viabilizou a Carta Municipal de Habitação “depois de terem sido integradas propostas fundamentais para a mitigação dos efeitos da crise na habitação”, nomeadamente um novo tecto máximo de 5% na cidade para o número de unidades de Alojamento Local (AL) face ao número de casas disponíveis – medida já em vigor no âmbito da nova proposta de regulação do AL. Os socialistas também conseguiram integrar outras propostas, a saber: sempre que possível, prever mecanismos de zonamento inclusivo em operações de loteamento urbano ou de impacto relevante, ou seja, prever uma quota de até 25% do total de fogos destinada a renda acessível; e ainda a antecipação para 2024/25 de projetos para renda acessível deixados prontos pelo anterior mandato no Restelo, Benfica, Ajuda e Parque das Nações, e que tinham sido adiados para 2033.
Para a aprovação do documento pelo PS, também foi feita a controversa “eliminação e correção de gráficos e dados que distorciam os números de construção da CML, ignorando mais de 5 600 fogos de propriedade municipal”, nomeadamente a habitação construída pela EPUL, a já extinta empresa municipal de habitação. Segundo os socialistas, os gráficos “mais não eram do que uma tentativa grosseira de reescrever a história, apresentando valores quatro vezes inferiores ao que foi efectivamente construído”, referindo que “entre 2012 e 2021, quando não havia 560 milhões do PRR e do Orçamento do Estado para habitação e o esforço estava concentrado em sanear as dívidas herdadas”, a autarquia lisboeta “conseguiu construir 620 novas casas“.
O PS considera, no entanto, que a Carta agora aprovada é um documento “frágil e limitado” e não o documento “estratégico e orientador de que a cidade tanto precisa”, deixando cinco alertas. Por um lado, referem que “a Carta devia ter sido precedida de uma revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), que obrigatoriamente devia ter sido feita em 2022. É urgente rever o PDM para dar resposta a fenómenos como a enorme pressão turística, o crescimento excessivo do Alojamento Local, a escalada dos preços da habitação, e a todas as consequências que daí advêm”. Por outro, apontam que, “apesar do nome, o documento não configura uma verdadeira Carta da Habitação, uma vez que olha apenas para a habitação municipal e ignora o potencial de construção quer em terrenos do Estado, quer por privados, não o tentando sequer mobilizar através de incentivos e benefícios fiscais”.
Os socialistas dizem ainda que a Carta “não identifica a verdadeira carência habitacional da cidade, considerando que cerca de 10 mil casas (o número de candidatos a programas municipais de habitação) resolvem a carência de habitação em Lisboa”. Notam que, “apesar de uma gritante e imediata necessidade de construção, há investimento a ser empurrado para 2033, o que levanta sérias dúvidas quanto à capacidade de Carlos Moedas para executar o PRR”. Alertam, por fim, que “os números que constam do documento são pouco rigorosos e fiáveis, variando consoante a página e, muitas vezes, com o claro propósito de serem instrumentalizados para guerrilha política e consolidar uma narrativa a que um documento estratégico devia ser alheio”.
Os partidos mais à esquerda do PS votaram contra ou abstiveram-se a Carta Municipal de Habitação de Lisboa, que só passou, assim, com os votos favoráveis dos socialistas e dos vereadores dos Novos Tempos. O BE, que votou contra, pedia o “fim do pilar PPP do Programa de Renda Acessível para o pilar público”, isto é, da modalidade de construção de Renda Acessível em que os privados participam em parceria com o sector público. Ainda assim, em comunicado, os bloquistas dizem que, “com a aprovação da Carta Municipal de Habitação, o Presidente da CML deixa de ter desculpas para poder começar a produzir habitação pública para a cidade”. Já o PCP, que se absteve, diz que a Carta tem “um programa de acção que, no campo da produção de habitação, fica aquém do nível de carências que a cidade manifesta” e que, “no campo da mobilização do solo com potencial habitacional, deixa em branco o que fazer com o património público do Estado”. “Além disso, mantém fora do quadro de intervenção o grave e volumoso problema dos 48 000 fogos vagos e devolutos”, apontam os comunistas.
O PCPa alerta que “a Carta Municipal de Habitação agora aprovada não encerra o debate sobre política de habitação na cidade de Lisboa. Está aberto o campo para a definição e implementação, em concreto e na especialidade, das opções ali estabelecidas. Há também um caminho a percorrer no sentido de reivindicar do Estado, ao abrigo da Lei de Bases da Habitação, as medidas e iniciativas de política nacional de habitação que contribuam com respostas para os problemas da habitação na cidade de Lisboa e na área metropolitana de Lisboa”, referem os vereadores comunistas.