Precisamos de fazer melhor participação pública

Opinião.

Se a participação pública é para envolver as pessoas, porque é que se começa logo por excluí-las, reservando os melhores lugares para políticos e convidados?

Centenas de pessoas a participar através de uma televisão (fotografias cortesia de munícipe, gentilmente cedidas ao LPP)

A sessão pública de apresentação da expansão do MTS à Costa da Caparica e à Trafaria foi organizada num pequeno auditório com capacidade para apenas 100 pessoas, mais coisa, menos coisa. Compareceram, talvez, o dobro disso, obrigando os organizadores a abrir uma segunda sala. Como se isso não bastasse, cerca 80% dos lugares da sala original estavam reservados a convidados: num evento que supostamente promovia a participação pública, os políticos (incluindo deputados municipais de Almada) e representantes das empresas de transportes tiveram lugar garantido nas primeiras fila, enquanto os cidadãos comuns tiveram de se contentar com os restantes lugares, muitos deles em pé.

É claro que nunca iriam aparecer apenas 80 ou 100 cidadãos. Estamos a falar de um projecto há muito aguardado e que a Câmara de Almada, em particular, tem usado como bandeira (afinal, é ano eleitoral e nada melhor do que um prolongamento do metro para entusiasmar os eleitores, e nada contra isso). Mas o que passou pela cabeça dos organizadores para acharem que 80 ou mesmo 100 lugares seriam suficientes, reservando 80% dos mesmos a convidados? É incompreensível, sobretudo quando a FCT dispõe de auditórios maiores e sobretudo quando dizem que é “participação público”. Porque escolheram o menor? Não faz qualquer sentido.

Mas o que também não faz sentido é obrigar as pessoas a deslocarem-se a um local apenas para, através de uma pequena televisão, ouvirem outras pessoas a falar enquanto assistem a uma apresentação de slides. Permitindo a internet e as tecnologias de streaming alcançar muito mais pessoas, esta sessão podia e devia ter sido transmitida online. Isso teria permitido a participação de muitas mais pessoas, incluindo aquelas que não têm tempo ou paciência (é legítimo) para se deslocarem apenas para obter informações sobre o metro.

Afinal, o Zoom existe e as faculdades têm acesso ilimitado a esta ferramenta. Qual era o problema em fazer um streaming da sessão? Ou, pelo menos, gravá-la e disponibilizá-la depois no YouTube? Na verdade, o Zoom até foi usado nesta sessão, mas apenas para transmitir o evento que decorria no auditório para a sala em baixo, onde ficaram os cidadãos que não couberam na sala principal.

Percebem o absurdo? Obrigam as pessoas a deslocarem-se para “participar” e, depois, colocam-nas numa sala a assistir a uma transmissão num ecrã pequeno. Para isso, podiam muito bem ter ficado em casa, no conforto do seu computador, enquanto faziam o jantar, cuidavam dos filhos ou tratavam de uma tarefa doméstica qualquer (sim, muitas pessoas querem participar mas não podem abdicar do seu tempo pessoal, que os empregos tantas vezes já lhes roubam).

Não sei porque não se aposta mais no streaming, mas percepciono um receio de que a informação ganhe um alcance maior. Há um medo inexplicável de que estas apresentações públicas se tornem realmente públicas, que a informação partilhada chegue a mais pessoas. Evidência disso foi a resistência em facultar aos jornalistas (testemunhámos na primeira pessoa) a apresentação PowerPoint mostrada durante a sessão. Disseram-nos que era para “consulta interna” e que só poderíamos mostrar alguns slides e imagens. Mas porquê? Toda a apresentação foi exibida num espaço público. Qualquer pessoa presente poderia fotografar os slides (e muitas o fizeram). Depois, essas imagens circularam em grupos de WhatsApp e Facebook.

Cartaz a anunciar o processo participativo do MTS na Costa da Caparica (fotografia LPP)

A apresentação lá acabou por ser publicada no site da Câmara de Almada. Importa lembrar que tudo o que foi mostrado está a ser desenvolvido por um grupo de trabalho mandatado pelo Governo – e pago com dinheiro público. Saber o que estão a fazer é, no fundo, saber como estão a ser aplicados os nossos impostos. A transparência é essencial, e a tecnologia oferece ferramentas para garantir que mais pessoas tenham acesso à informação.

O formato da sessão teve ainda outro problema: o tempo foi pessimamente distribuído. Cerca de 20 minutos foram gastos em discursos políticos, 40 minutos na apresentação propriamente dita e, no final, sobravam apenas 10 minutos para perguntas do público. A ideia inicial era recolher apenas duas perguntas por sala – ou seja, quatro no total. Isto, volto a referir, num evento que deveria promover a participação dos cidadãos.

A NOVA FCT foi, supostamente, escolhida pela sua experiência em participação pública, mas, pelo que se viu nesta sessão, não fiquei convencido. Se queremos uma democracia mais transparente e participativa, então temos de fazer melhor. Muito melhor.

Gostaste deste artigo? Foi-te útil de alguma forma?

Considera fazer-nos um donativo pontual.

IBAN: PT50 0010 0000 5341 9550 0011 3

MB Way: 933 140 217 (indicar “LPP”)

Ou clica aqui.

Podes escrever-nos para [email protected].

PUB