A Assembleia Municipal de Lisboa rejeitou uma recomendação do PAN e do Livre que pedia à Câmara a reversão imediata das autorizações de estacionamento em cima de passeios, não apenas no bairro do Restelo, mas também noutras áreas da cidade, até ao final do actual mandato.

Uma recomendação do PAN e do Livre, intitulada “Os passeios são para a circulação de pessoas e não para estacionamento de viaturas”, foi chumbada esta terça-feira, 16 de Abril, pela Assembleia Municipal de Lisboa. O documento, que teve os votos contra do PSD e CDS e a abstenção do PS, sugeria à Câmara que exercesse “as suas competências em matéria de estacionamento de veículos na via pública e demais lugares públicos, em respeito pelo disposto no Código da Estrada”.
A recomendação assinada pelos dois partidos pedia ainda à autarquia (PSD/CDS) que revertesse “a decisão de autorização de estacionamento em cima dos passeios de forma imediata na zona do Restelo e demais locais do município até final do presente mandato”.
O deputado municipal António Morgado, do PAN, e a deputada municipal Patrícia Robalo, do Livre, entendiam, segundo o texto apresentado, a permissão de estacionar em cima de passeios prejudica o direito à mobilidade e é “grave atentado à circulação das pessoas com mobilidade reduzida, seniores ou crianças, sobretudo as que são transportadas em carrinhos de bebé”. Acrescentavam que a “regulação e fiscalização do estacionamento nas vias e espaços públicos” em Lisboa é uma competência da Câmara Municipal, “não tendo as juntas quaisquer competências em matéria de estacionamento público”. PAN e Livre sublinhavam que “a Câmara Municipal de Lisboa não pode permitir, se assim o fez, ainda que provisoria ou temporariamente, desrespeitar o direito à mobilidade e em concreto permitir o estacionamento em cima do passeio”.
Na recomendação apresentada, os dois partidos pediam à Câmara, além do fim do estacionamento legalizado em cima do passeio no Restelo, mais fiscalização por toda a cidade “por forma a impedir o estacionamento em cima dos passeios, passadeiras, estacionamento em segunda fila e demais locais que coloquem em causa a segurança e circulação pedonal”. O texto foi chumbado com os votos contra de PSD, CDS, Aliança, MPT e Chega, com a abstenção de PS e IL, e os votos a favor de PAN, Livre, BE, PEV, PCP, Cidadãos Por Lisboa, PPM e o deputado do PS Pedro Roque.
Na apresentação da recomendação ao plenário da Assembleia Municipal, António Valente, do PAN, referiu que “não se pode interromper direitos provisoriamente e passar a desrespeitar o direito à mobilidade”, nem “legalizar uma situação que não pode ser normalizada”. “Abram alas aos carros, ditam os sinais em Belém, mas esquecem-se das pessoas que ali passam diariamente, em especial daquelas que têm cadeiras de rodas, mobilidade reduzida ou que utilizam carrinhos de bebé.” Por seu lado, Patrícia Robalo, do Livre, mostrou fotografias de diversos obstáculos à circulação pedonal na cidade de Lisboa, alguns dos quais resultado do novo contrato de exploração publicitária entre a Câmara e a JCDecaux e que tem levado não só à substituição dos abrigos das paragens de autocarro de toda a cidade, mas também de mupis.
Deputados comentam situação no Restelo
“O peão está a ser relegado como utilizador de ‘segunda categoria’ das ruas. Estamos perante casos concretos que aqui temos estado a apresentar, desde os trabalhos em torno das alterações do mobiliário urbano das paragens de autocarro à aberração do estacionamento ilegal normalizado pelos Novos Tempos PSD/CDS no Restelo”, disse a deputada municipal, lembrando, por um lado, que “os passeios constituem os espaços mais democráticos da cidade, porque neles circulam livremente, sem necessidade de carta ou veículo, pessoas de qualquer idade, grupo ou classe social” e, por outro, que “caminhar é o meio mais elementar de deslocação, de integração social e de vivência do espaço urbano, da vida de proximidade, comunitária e da cidade de 15 minutos que defendemos”.
A deputada municipal do Livre indicou que segundo o Decreto-Lei nº 163/2006, o “peão tem direito a um canal de circulação contínuo, regular e desobstruído, com uma largura livre superior a 1,20 metros em toda a sua extensão” e que a Câmara de Lisboa está obrigada a “não criar novas situações de desconformidade, nem agravar as desconformidades existentes” – leia-se, a promover áreas pedonais acessíveis, sem obstáculos. “O facto de muitas barreiras existentes no espaço público de Lisboa terem sido criadas pela acomodação do tráfego automóvel (sinalização vertical, passeios estreitos, estacionamento abusivo, etc.) torna essencial o ajustamento da política de mobilidade, para conseguir um equilíbrio justo para todos os utilizadores da via”, sublinhou Patrícia.
Em resposta à deputada do Livre, Luís Newton, deputado do PSD e também Presidente da Junta de Freguesia da Estrela, centrou o seu discurso na substituição dos abrigos das paragens de autocarro e dos mupis e disse que “importa corrigir” os erros cometidos, desafiando a Assembleia e a Câmara a acordarem a “necessidade de olhar para este contrato” com a JCDecaux, referindo que foi negociado pelo PS. Miguel Teixeira, deputado socialista, respondeu a Newton referindo que “para a direita, tudo o que está mal foi obra da esquerda, foi do PS. E que tudo o que vem da direita é uma maravilha”.
Sobre a situação no Restelo, recorde-se que, a 25 de Março, a Junta de Freguesia de Belém, com o apoio da Câmara de Lisboa, colocou sinalização vertical em três arruamentos do bairro do Restelo – Rua Dom Cristóvão da Gama, Rua Tristão da Cunha e Rua São Francisco Xavier – para permitir o estacionamento de carros em cima dos passeios com duas rodas, em ambos os lados da via, legalizando, assim, uma situação que já se verificava há décadas. A Junta, presidida por Fernando Ribeiro Rosa (PSD), disse tratar-se de uma regularização provisória, informação que reiterou aos deputados municipais. “A política é arte do possível”, apontou, explicando que teve de “salvar” a população do bairro que estava a ser surpreendida com multas devido a denúncias de “duas pessoas”. “Estamos a fazer orçamentos de quanto pode custar cortar o passeio de um lado e do outro.”
Na Assembleia Municipal, Patrícia Robalo apontou que “o temporário, no nosso país, é permanente ou quase permanente” e que “não se acrescentam problemas ao problema quando se quer chegar a uma solução”. A deputada do PCP Natacha Amaro condenou a legalização concretizada no Restelo, criticou o desprezo da Junta de Freguesia pela proposta cidadã de um grupo de moradores, e pediu para ser partilhado o parecer da Direcção Municipal de Mobilidade em relação a esta matéria. Já Rodrigo Mello Gonçalves, da IL, concorda com o “princípio” de que “os passeios devem ser para os peões e não para os carros”, mas “não podemos concordar com a reversão imediata [da situação no Restelo] porque isso não só não resolve como agrava o problema [do estacionamento]”. O deputado liberal deixou um “repto à Câmara Municipal” para fazer marcações nas três ruas do Restelo onde o estacionamento em cima do passeio foi permitido “de forma a garantir que as distâncias mínimas de 1,20 metros são cumpridas para que as pessoas possam circular no passeio”.
Outros casos em Lisboa

Num esclarecimento enviado à agência Lusa, a Câmara de Lisboa disse que a autorização do estacionamento de carros em cima dos passeios no bairro do Restelo “foi uma decisão da Junta de Freguesia de Belém, com o objetivo de regularizar uma situação existente há décadas, de modo a facilitar o estacionamento a moradores, evitando multas”; e indicou que “está a trabalhar, com a Junta de Freguesia e moradores, numa solução que represente um compromisso entre circulação rodoviária, pedonal e estacionamento”.
A Câmara de Lisboa disse ainda à Lusa que há outros locais da cidade onde a autorização de estacionamento de veículos automóveis em cima dos passeios vigora, nomeadamente: a Rua Dom Carlos de Mascarenhas, em Campolide, Avenida Almirante Gago Coutinho, em Alvalade/Areeiro, a Calçada da Tapada, em Alcântara, Avenida das Descobertas, em Belém, a Calçada das Necessidades, na Estrela, e a Avenida do Brasil, em Alvalade. Estas situações “podem ser definitivas, mas a autarquia trabalha na procura de encontrar melhores soluções”, referiu a Câmara, acrescentando que “algumas” foram implementadas há vários anos, em anteriores executivos.
Por seu lado, na Assembleia Municipal, Joana Almeida, Vereadora do Urbanismo, disse que “este Executivo [municipal] tem olhado para a rede pedonal de uma forma como numa antes foi feito”, dando como exemplo um trabalho com a Faculdade de Arquitectura de Lisboa “para termos pela primeira vez no Município de Lisboa um mapeamento e diagnóstico da rede pedonal, com indicação dos obstáculos, para sabermos que largura livre de passeio temos em cada local para o peão circular”. “Estamos a fazer bem o que ninguém fez bem”, acrescentou Joana Almeida, mencionando ainda o programa municipal Há Vida No Meu Bairro, que tem como um dos objectivos permitir às “pessoas terem um acesso confortável e seguro na ligação entre as varias funções de proximidade, das quais destaco as escolas. A maioria dos nossos projectos de intervenção no espaço publico é no sentido de garantir o acesso pedonal às escolas com segurança e conforto”.
Artigo actualizado às 18h30 de 18/04/2024: adicionadas declarações dos deputados.