Carlos Moedas planeava vender sete terrenos municipais para arrecadar cerca de 70 milhรตes de euros, visando o financiamento de novas casas de renda acessรญvel. Mas a proposta acabou por ser retirada pelo prรณprio Presidente de Cรขmara, depois de o PS ter defendido vincular essa venda de patrimรณnio a projectos concretos de habitaรงรฃo.

A Cรขmara de Carlos Moedas queria vender sete terrenos municipais, em vรกrias partes da cidade, para angariar perto de 70 milhรตes de euros e, com essa receita, financiar a construรงรฃo de habitaรงรฃo de renda acessรญvel. A proposta tinha sido agendada para a reuniรฃo de Cรขmara desta terรงa-feira, 14 de Maio, mas acabou por ser retirada por Moedas antes da votaรงรฃo, depois de o Presidente da Cรขmara ter ouvido crรญticas ร esquerda, nomeadamente do PS e do BE. Os socialistas entendem que a venda de terrenos municipais sรณ pode acontecer se forem claros os investimentos que serรฃo feitos com as receitas adicionais; os bloquistas mostraram-se contra a alienaรงรฃo de patrimรณnio municipal.
De acordo com a proposta que chegou ร s mรฃos dos vereadores, assinada pelo Presidente da Cรขmara e pela Vereadora da Habitaรงรฃo, Filipa Roseta, os sete terrenos “inserem-se em freguesias que jรก tรชm uma considerรกvel oferta pรบblica de habitaรงรฃo” e a sua venda รฉ, portanto, vista como “uma oportunidade para diversificar as vรกrias ofertas existentes e contrariar uma guetizaรงรฃo dos territรณrios com oferta pรบblica”. A alienaรงรฃo desse patrimรณnio permitiria ao Municรญpio, segundo o mesmo texto, financiar-se para investir na construรงรฃo de habitaรงรฃo pรบblica noutras partes da cidade, vinculando, ao mesmo tempo, seis dessas sete parcelas para funรงรตes residenciais.
Ou seja: os sete terrenos, muitos dos quais localizados junto a bairros municipais, seriam comprados por privados, que ficariam obrigados a usรก-los para construรงรฃo de habitaรงรฃo a colocar posteriormente no mercado livre (com excepcรงรฃo de um dos terrenos, que seria para a construรงรฃo de um equipamento de utilizaรงรฃo colectivo). Esta iniciativa visaria introduzir habitaรงรตes de valor mais elevado junto aos bairros municipais, com o propรณsito de diversificar essas รกreas. Este modelo guarda semelhanรงas com o que foi implementado na regiรฃo da Alta de Lisboa.

Entre os sete terrenos propostos para alienaรงรฃo, destaca-se o “Loteamento das Olaias”, localizado na Avenida Marechal Francisco da Costa Gomes, na freguesia da Penha de Franรงa. Este terreno possui uma รกrea total de 60,5 mil metros quadrados, com uma รกrea mรกxima de construรงรฃo de pouco mais de 58 mil metros quadrados. Destina-se ร construรงรฃo de habitaรงรฃo com espaรงos comerciais e serviรงos, e de um equipamentos de utilizaรงรฃo colectiva. O valor base para licitaรงรฃo deste lote รฉ de 30,4 milhรตes de euros, o que equivale a cerca de 522 euros por metro quadrado. Alรฉm desta parcela, o Executivo de Carlos Moedas propunha vender um terreno no Lumiar, dois em Marvila e trรชs no Beato. No total, estamos a falar de uma รกrea de aproximadamente 100 mil metros quadrados. O terreno do Lumiar, correspondente a uma zona expectante na Rua General Vasco Gonรงalves, seria o รบnico do conjunto destinado ร construรงรฃo exclusiva de um equipamento colectivo.
No texto da proposta que o Executivo de Carlos Moedas distribuiu por todos os Vereadores da Cรขmara de Lisboa, podia ler-se que a alienaรงรฃo de terrenos municipais nรฃo รฉ uma prรกtica nova na autarquia: “Entre 2008 e 2021, o Municรญpio de Lisboa realizou operaรงรตes patrimoniais que geraram mais de 800 milhรตes de euros de receita, incluindo a alienaรงรฃo de imรณveis exclusivamente ou primordialmente destinados a habitaรงรฃo, como รฉ o caso dos terrenos de Entrecampos [da antiga Feira Popular e de outros lotes], que em 2019 renderam cerca de 274 milhรตes de euros.”

PS de acordo… com um “mas”
A retirada da proposta, pelo Presidente da Cรขmara, da ordem de trabalhos da reuniรฃo desta terรงa-feira resultou na sua nรฃo votaรงรฃo por todo o Executivo Municipal, onde se sentam as vรกrias forรงas polรญticas.
O PS tinha preparada uma proposta de alteraรงรฃo que acabou tambรฉm por nรฃo ser votada nem discutida. Os socialistas nรฃo se opรตem ร venda dos sete terrenos para encaixar 70 milhรตes de euros desde que esta receita seja orientada, no concreto, para a construรงรฃo de habitaรงรฃo pรบblica. Isto รฉ, os Vereadores do PS querem que Moedas definisse jรก em que projectos iria investir cada um dos 70 milhรตes de euros. “O PS nรฃo aceita a ideia que se vende agora para poder vir a construir, sem compromissos firmes e projetos apresentado, num qualquer futuro”, disse a representaรงรฃo socialista na Cรขmara de Lisboa numa nota de imprensa. “Na proposta do Partido Socialista ficava claro que, para ter luz verde, a alienaรงรฃo de terrenos dependeria sempre da construรงรฃo de novas casas, para lรก das financiadas pelo PRR, e que que esses novos empreendimentos tinham de ser identificados.”
“Carlos Moedas, perante essa garantia de salvaguarda dos interesses do municรญpio e dos lisboetas, desistiu da sua proposta. Ficou claro que o seu objetivo era compor as contas da Cรขmara Municipal e nรฃo acrescentar mais casas ao parque habitacional”, acrescentou o PS. No fundo, os socialistas entendem que o Presidente da Cรขmara quereria vender os sete terrenos municipais nรฃo para financiar habitaรงรฃo na cidade, mas como uma resposta ao saldo negativo de 18 milhรตes de euros nas contas de 2023. “Vivemos uma gigantesca crise habitacional e Carlos Moedas, com 800 milhรตes do PRR e do Orรงamento de Estado contratualizados com o anterior Governo, beneficia de condiรงรตes รบnicas para construir mais casas. A autarquia precisa de construir mais casas, e nรฃo desaproveitar PRR como tem acontecido, nรฃo de vender terrenos para compor as contas.”
O Bloco de Esquerda tambรฉm reagiu a esta intenรงรฃo de Moedas de alienar parcelas de terreno. Num comunicado partilhado com a comunicaรงรฃo social, os bloquistas afirmam que a proposta รฉ “imoral” e dizem que, “com esta venda de patrimรณnio municipal, a Cรขmara Municipal de Lisboa desiste da construรงรฃo de mais de 1150 casas pรบblicas, vitais para combater a crise na habitaรงรฃo e baixar o preรงo das rendas”. O Bloco, que estรก representado no Executivo Municipal pela Vereadora Beatriz Gomes Dias, referiu ainda que “a proposta de alienaรงรฃo destes sete terrenos, muitos no centro da cidade, รฉ tรฃo mรก que sรณ pode merecer o chumbo de todas as forรงas polรญticas. A sua aprovaรงรฃo significa que o municรญpio perde o pouco patrimรณnio que tem para enfrentar a crise na habitaรงรฃo”.
Atravรฉs das redes sociais, Carlos Moedas reagiu, depois da reuniรฃo, a este tema. “Os truques partidรกrios do PS colocam, uma vez mais, em causa a concretizaรงรฃo de mais habitaรงรฃo acessรญvel em Lisboa. Privilegiam a sobrevivรชncia partidรกria em detrimento das pessoas”, escreveu no X/Twitter. Sobre a proposta em si, que acabou por retirar, disse numa outra publicaรงรฃo que pretendia “aumentar a construรงรฃo de habitaรงรตes, que serรฃo colocadas no mercado a preรงos acessรญveis, e aumentar tambรฉm o nรบmero de terrenos disponรญveis para construรงรฃo habitacional”.
Nรฃo se sabe se esta proposta voltarรก a discussรฃo.