Tomás propõe uma nova Rede da Madrugada à Carris

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Tomás Batista está na idade de sair à noite, mas considera a Rede da Madrugada da Carris insuficiente para os regressos a casa. Por isso, decidiu propor uma nova e já foi à empresa apresentá-la.

Lisboa Fotografía Para Personas

Tomás Batista tem 19 anos quase a fazer 20. Está na idade de sair à noite e é algo que gosta de fazer. Também é um entusiasta dos transportes públicos e, a par da bicicleta, é a sua escolha de eleição para se deslocar na cidade de Lisboa. Mas se de dia encontra os autocarros de que precisa (apesar de se queixar das ligações para o Pólo Universitário da Ajuda, onde estuda Relações Internacionais), à noite a situação não é tão fácil.

Insatisfeito com a actual Rede da Madrugada da Carris, Tomás meteu mãos à obra e desenhou uma nova, proposta que já apresentou à operadora municipal, numa reunião que diz ter corrido bem – até porque a Carris também planeia rever o seu serviço nocturno, juntamente com a anunciada reestruturação profunda da rede.

A proposta que Tomás levou à Carris foi uma segunda versão de um trabalho que tinha feito em Março e publicado no Twitter. “Na primeira versão, havia alguns percursos e linhas que não estavam bons”, relata ao Lisboa Para Pessoas, dando um exemplo: “Tinha deixado o Hospital Santa Maria de fora, no caso da linha 203, e é muito importante o Hospital ser servido porque à noite não tem transportes e há sempre gente a precisar de ir lá. Depois da uma da manhã, deixa de haver qualquer autocarro para o Santa Maria. Também havia outras linhas em que eu pensei, bom, é mais fácil passar aqui do que passar ali, dá para fazer um ajuste ali e outra ajuste ali.

A proposta de Tomás (DR)

O estudante relata que fez algum trabalho de pesquisa para desenvolver esta proposta de oferta nocturna, tendo consultado artigos de jornais, mapas anteriores da rede e outros documentos que conseguiu encontrar online. Diz que o resultado é um trabalho “mais detalhado, apelativo e simplificado” em relação à primeira versão.

En ubers são último recurso porque são muito caros à noite

Para Tomás, a Rede da Madrugada da Carris é a forma mais prática e económica de regressar a casa depois de uma saída à noite. Morando em Arroios, geralmente apanha o 207 ou o 208 no Cais do Sodré e depois só tem de caminhar um pouco da paragem até casa. É que o Metro fecha à uma da manhã – mesmo ao fim-de-semana – e a GIRA, da qual também é utilizador, às duas. Resta-lhe outra alternativa: as plataformas de TVDE, como a Uber e a Bolt. Tomás diz que usa sobretudo em grupo, “mas sempre em último caso, quando estamos num sítio onde não há autocarros ou se só há um autocarro dali uma hora e queremos realmente ir para casa”. “Sobretudo a partir das 3 ou 4 da manhã, os ubers aumentam bastante o preço”, conta Tomás. Por isso, “é algo que tentamos evitar. Mas com a oferta actual de autocarros, não é fácil.” E o velhinho táxi? “Pelo menos eu falo para a minha geração, a gente raramente tem dinheiro físico na carteira. E há outra questão: ao contrário de um uber, num táxi não se sabe quanto vai custar a viagem.”

Mesmo preferindo os autocarros nocturnos da Carris, Tomás aponta-lhes várias falhas, nomeadamente sobrelotação devido às baixas frequências. “O 207 é a carreira que apanho com a maior frequência, mas é raro o dia em que apanhando-o ali às 2 ou às 3 da manhã ele não vá completamente entupido. Só começa ali a esvaziar depois ali do Marquês, Picoas e Saldanha, que é a zona onde também saio”, refere. É por isso que Tomás sugere, na sua proposta, frequências de 30 em 30 minutos, fazendo as contas para que isso não represente mais custos para a Carris. Cada linha pode ser percorrida entre a paragem inicial e a terminal em menos de uma hora; por isso, para haver frequências de meia hora, “para cada carreira são precisos apenas dois autocarros e dois motoristas, à exepção da 201 e da 208, em que, por terem percursos inferiores a meia hora, basta um veículo e um tripulante”, explica Tomás.

Este trabalho de se colocar nos pés dos operadores não tinha sido feito na primeira versão. “Antes tinha sempre a preocupação do passageiro; agora, já comecei a ter muito mais atenção também na perspectiva dos operadores.” O estudante fez tabelas com os tempos estimados de viagem, com os quilómetros de cada trajecto, com os recursos humanos que necessitariam de ser mobilizados. “A única coisa que não trabalhei foi o consumo por quilómetro que cada veículos poderia ter, porque também depende da tipologia do veículo e do combustível usado”, explicou. No desenho dos percursos das carreiras, Tomás teve em atenção ainda aos transbordos, para permitir que “as pessoas possam ir de um lado para o outro, mesmo que tenham de apanhar duas linhas”.

Carris encurtou a sua Rede da Madrugada de nove para seis carreiras em 2011/12

A Rede da Madrugada da Carris foi criada em 1998 com nove carreiras, mas entre 2011 e 2012 foram feitas supressões e alterações justificadas com falta de procura. Assim, existem actualmente seis carreiras a operar entre a meia noite e perto das seis da manhã de segunda a domingo, todas elas com início no partir do Cais do Sodré:

  • a 201 a ir para Alcântara, Belém, Algés e Linda-a-Velha (Oeiras);
  • a 202 a ir para Rato, Campolide, Sete Rios, Benfica e Bairro Padre Cruz;
  • a 206 a ir para Santa Apolónia, Penha de França, Praça do Chile, Alameda, Areeiro, Alvalade, Alta de Lisboa, Lumiar e Senhor Roubado (Odivelas);
  • a 207 a ir para Rossio, Marquês de Pombal, Saldanha, Campo Pequeno, Campo Grande, Lumiar e Fetais (Loures);
  • a 208 a ir para Praça da Figueira, Martim Moniz, Praça do Chile, Alameda, Areeiro, Bela Vista, Chelas, Olivais, Aeroporto, Oriente.
  • a 210 a ir para Santa Apolónia, Xabregas, Beato, Poço do Bispo, Olivais e Oriente.
Rede da Madrugada em 2008 (via Carris)
Rede da Madrugada desde 2013 até aos dias de hoje (via Carris)

Tomás, um entusiasta do autocarro

O entusiasmo de Tomás por autocarros vem do pai, que é motorista nos SMTUC, o serviço rodoviário municipal de Coimbra. Lá, na cidade universitária, não há serviço nocturno de autocarros, pelo que a Rede da Madrugada da Carris foi uma boa surpresa para o jovem de 19 anos, quando veio para Lisboa estudar Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Não tendo formação na área, anda já a mirar um Mestrado em Sistemas de Transportes no Instituto Superior Técnico (IST) para tornar mais sério este seu gosto por fazer mapas de transportes.

Além da Rede da Madrugada, Tomás já imaginou a expansão do Metro de Lisboa, fez uma proposta para um serviço ferroviário com epicentro em Coimbra e está agora a idealizar uma rede nocturna de autocarros para a Cidade dos Estudantes. É na sua conta de Twitter, @tomas__0937, que vai partilhando os seus mapas. Diz que encontra naquela rede social “uma comunidade muito forte de pessoas que se interessam por estes temas”. Sobre estar a fazer voluntariamente trabalho pelo qual outras pessoas são pagas sem receber qualquer retorno monetário em troca, Tomás está tranquilo. “Eu faço isto numa óptica de cidadão que está preocupado e que quer contribuir para melhorar as redes e os sistemas de transporte”dice. “Na reunião com a Carris até fui aconselhado, em tom de brincadeira mas a falar a sério, para criar uma empresa de consultoria de transportes. Não sei, até pode ser uma ideia para o futuro, nunca se sabe.”

Na reunião que teve com a Carris, Tomás aproveitou para expor algumas das situações que como estudante no Pólo Universitário da Ajuda o preocupam. “Temos actualmente cinco linhas – 742, 760, 771, 723 e 729”, mas existem problemas de sobrelotação devido a “um grande espaçamento de frequências” e pouca oferta à noite para os alunos de pós-laboral. “A partir das 9 e meia, a maior parte dos autocarros deixa de circular.” Segundo Tomás, não é preciso novos autocarros mas “criar mais frequência à noite e fazer pequenos ajustes durante o dia”, e também “um reforço daquilo que é frequência ou, pelo menos, criarem percursos específicos com menos paragens, por exemplo, percursos expressos para o 723 ou para o 729”. O jovem estudante diz que deixou propostas à Carris para melhorar a oferta na Ajuda e também um desejo: que o 771, o seu “autocarro favorito”, possa ser prolongado à Cidade Universitária “para termos uma ligação directa entre os dois pólos da Universidade de Lisboa, o principal e o da Ajuda”.

Tomás Batista espera que as suas ideias para a oferta no Pólo Universitário da Ajuda e para a Rede da Madrugada possam vir a ser úteis, num momento em que a Carris se prepara para fazer a maior revisão da sua rede dos últimos 20 anos. Da reunião que teve com a empresa, ficou com duas promessas para 2023: o aumento da frequência dos autocarros nocturnos ao fim-de-semana, para intervalos de 30 minutos, e o relançamento da linha 203, entre o Restelo, a Ajuda, Alcântara e o Cais do Sodré.

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