Podem as ruas escolares ser diferentes? O Lumiar mostrou que sim

Durante dois dias, os carros não passam nem à porta de quatro escolas na freguesia do Lumiar, em Lisboa. As ruas foram fechadas ao trânsito e a comunidade escolar apropriou-se do espaço público.

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A utilização do automóvel para levar os filhos à escola é responsável por cerca de 20% do tráfego em Lisboa, segundo aponta o ex-vereador da mobilidade, Fernando Nunes da Silva, que trabalhou sobre essa matéria. Às horas de entrada e saída, as ruas escolares tornam-se em autênticos caos rodoviários, com filas por vezes intermináveis de automóveis, cujos condutores tentam parar onde conseguem com o objectivo de deixarem ou apanharem os seus filhos mesmo à porta das escolas. O cenário é praticamente igual por toda a cidade. Também o é à porta do agrupamento de escolas Professor Lindley Cintra, no Lumiar.

Mas nos dias 31 de Março e 18 de Abril foi diferente. Quatro escolas do referido agrupamento, que se situam na proximidade umas das outras, tiveram as áreas circundantes fechadas para o trânsito rodoviário como parte de uma experiência chamada Rua Escolar Activa. Essa iniciativa foi promovida pela Lisboa E-Nova, a agência de energia e meio ambiente de Lisboa, juntamente com a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia do Lumiar, com o objetivo de devolver as ruas às crianças e jovens. Durante todo o dia, o barulho dos carros que normalmente passariam em frente a essas escolas foi substituído pelo som de conversas, brincadeiras, música e uma variedade de outras actividades que foram realizadas na rua. E o canto dos passarinhos ecoava no ar. Aqueles que desejassem levar ou buscar os seus filhos de carro teriam de parar afastados dos portões da escolas.

Um programa abrangente de actividades foi desenvolvido com o objectivo de promover a apropriação do espaço público não apenas pela comunidade escolar, mas também pelos moradores do bairro e da cidade em geral. Houve pequenas aulas de bicicleta para os mais novos e oportunidades para experimentarem à vontade patins ou skates pela rua; sessões de música ao vivo; almofadas e mantas estendidas a convidar a desfrutar de momentos tranquilos de leitura; brincadeiras espontâneas com bola; demonstrações de experiências científicas; jogos tradicionais e muito mais. A diversidade de actividades proporcionou a todos uma ampla gama de opções para se envolverem e desfrutarem da rua.

A Rua Escolar Activa é uma ideia que pode ser replicável por qualquer escola e que serve para sensibilizar sobre as oportunidades que a devolução da rua da escola traz às pessoas, visando estimular a cidadania activa e promover a mobilidade a pé, de bicicleta e de transportes públicos como alternativa ao automóvel. A iniciativa Rua Escolar Activa abrangeu as seguintes escolas: Jardim de Infância do Lumiar, EB1 Quinta dos Frades, EB2,3 Lindley Cintra e Escola Secundária do Lumiar. Parceiros como a Câmara Municipal, a EMEL e a EPAL também participaram com actividades dirigidas ao mais pequenos.

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Filipa Sacadura, da Lisboa E-Nova, explicou-nos “a Rua Escolar Activa foi concebida pela Lisboa E-Nova no âmbito de uma candidatura ao Fundo Ambiental. Apesar de ter sido aprovada, já não havia dotação orçamental no Fundo para termos financiamento. Mas nós considerámos que fazia sentido andar com isto para a frente”. Com menos orçamento do que aquele que teriam se tivessem ganho do Fundo Ambiental, a Lisboa E-Nova preparou duas edições da Rua Escolar Activa com o apoio da Junta do Lumiar e do Agrupamento Lindley Cintra, “que já eram parceiros desta nossa candidatura”. Voltámos a contactá-los e perguntámos se queriam, na mesma, andar para a frente com a iniciativa. Disseram que sim. Foram desde o início uns entusiastas fantásticos.” O papel da Lisboa E-Nova foi de ser “uma espécie de check-list: ver todas as actividades que queríamos concentrar aqui, todas as entidades que eram necessárias ter como parceiras e também em termos logísticos aquilo que era necessário, desde ter aqui a Polícia Municipal, as baias e os cones a fechar o trânsito, tudo isso”.

“A ideia foi fechar ruas, dar uma vivência diferente do normal, permitir que os miúdos vivenciem o que é a rua através de actividades. De manhã vamos ter atividades que são na maioria dinamizadas pelas próprias escolas, pelos professores e alunos de várias idades. E da parte da tarde, temos vários parceiros que vêm também fazer cá jogos de rua, como a EPAL, a EMEL e alguns departamentos da Câmara”, relata Filipa. “Queremos que esta iniciativa da Rua Escolar Activa tenha alguma visibilidade, que outras Juntas de Freguesia tomassem conhecimento e quisessem repeti-la. Connosco, Lisboa E-Nova, ou não.”

No dia 18, enquanto decorria a Rua Escolar Activa, técnicos municipais, especialistas em cidade e membros de associações e colectividades aprendiam, não muito longe daquelas quatro escolas, boas práticas de acalmia de tráfego, de criação de comunidades activas e de im­plementação de percursos escolares estruturados e seguros. A “aula” foi promovida pela Dutch Cycling Embassy, consultora holandesa que se dedica à promoção da mobilidade sustentável em bicicleta, juntamente com outras duas entidades, também holandesas e que desempenham um papel semelhante: a CROW et Mobycon. O encontro serviu também como um momento de diálogo e de permuta de ideias entre os participantes.

Depois de uma componente teórica durante a manhã, o workshop teve um momento prático da parte da tarde: três visitas a três envolventes escolares no bairro de Telheiras – a EB2,3 Telheiras foi uma dessas escolas. Nessas visitas, os participantes foram desafiados a ver a rua à altura das crianças e a apontar, numa folha, melhorias que fariam naquela envolvente. Depois, em conjunto, discutiram-se as soluções para cada escola.

Ainda no âmbito da Rua Escolar Activa foram testados dois protótipos de Comboios de Bicicleta. Duas linhas de crianças da EB1 Quinta dos Frades para a escola em dois horários distintos – uma a chegar às oito e outra à nove – para testar a inclusão ou não desta escola no programa municipal de Comboios. Esses Comboios foram um sucesso e realiza-se agora duas vezes por semana, num trajecto entre a Ameixoeira e a escola, contando com cerca de duas dezenas de crianças. Chris Bruntlett, representante da Dutch Cycling Embassy, participou num destes Comboios experimentais e também experienciou as ruas fechadas ao trânsito.

Durante dois dias, a iniciativa Rua Escolar Activa mostrou, no Lumiar, que as envolventes escolares podem ser mais que ruas de passagem e para largar as crianças às porta das escolas. Podem ser espaços de reunião e de actividades; podem até servir para a escola se abrir à cidade e mostrar o que é feito dentro de portas. Cidades lá fora têm vindo a lançar projectos para proteger e acalmar as ruas e praças em frente às escolas; em Lisboa, foi aprovada na Assembleia Municipal uma recomendação no mesmo sentido, mas do lado da autarquia poucas têm sido as iniciativas. Acções como a Rua Escolar Activa podem ser replicadas, mesmo que temporariamente, noutras escolas da cidade e área metropolitana para nos fazer reflectir a todos sobre o espaço público e a sua relação com as crianças.

Percorre aqui a galeria completa de uma manhã e tarde de Rua Escolar Activa:

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