Márcia e Cláudio querem melhorar a Carris Metropolitana com dados e programação

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Márcia Martins, 23, e Cláudio Pereira, 26, não se conhecem mas ambos decidiram pegar na informação disponibilizada pela Carris Metropolitana, traduzi-la em dados, e lançar duas aplicações web com interfaces mais acessíveis.

Ilustração de Lisboa Para Pessoas

Márcia tem 23 anos, mora em Loures e utiliza “transportes públicos para ir a quase todo o lado, apesar de infelizmente existirem alguns sítios em que é complicado”. Ficou entusiasmada com o lançamento da Carris Metropolitana (CM), mas deparou-se com um site pouco prático para pesquisar linhas, percursos e horários. Por isso, decidiu criar uma aplicação não oficial, a Métropolitain, que possa servir de alternativa.

Horários e percursos mais acessíveis

Mas, logo no início, encontrou uma dificuldade: a ausência de uma API oficial da Carris Metropolitana (CM) que permita a terceiros aceder à informação actualizada sobre o serviço, como as rotas e paragens, e integrar essa mesma informação num site ou aplicação externo. As APIs no campo dos transportes e da mobilidade podem ajudar a estimular a inovação – com elas, pessoas, associações e outras empresas podem desenvolver serviços que, por algum aspecto, podem ser melhores que as plataformas oficiais e atrair utilizadores. “Infelizmente é bastante comum” os operadores de transporte não disponibilizarem APIs, lamenta Márcia, que decidiu, então, criar uma a partir dos dados da CM para poder criar a sua aplicação.

Métropolitain é uma interface que Márcia começou a criar para a CM (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)

“Neste momento, tenho um ficheiro com os dados originais no servidor e vou actualizando com alguma regularidade, ou seja, é uma solução temporária e que não funcionaria se a estrutura dos dados mudasse”explique-t-il. “Entretanto, consegui fazer a primeira versão da aplicação com tudo o que estava a planear exceto o download dos horários que será a próxima funcionalidade. Nas últimas semanas não tenho conseguido dedicar tempo ao projeto, mas é bom ver que o site da CM já foi actualizado e que já tem uma utilização mais parecida ao que as pessoas estão acostumadas.”

A primeira versão do site da Carris Metropolitana apresentava um Conversor de Linhas e um navegador de horários que, na perspectiva de Márcia, eram “um pesadelo em termos de usabilidade”. A sua ideia passava por “criar uma alternativa mais acessível até existir uma solução melhor providenciada pela própria CM”. Ou seja, “uma aplicação super simples que permitisse pesquisar por carreiras, tanto com os números novos como com os números antigos, ver o percurso, consultar o horário e fazer download” – pois, “para uma grande parte das pessoas que só usa uma a duas carreiras no dia-a-dia, e que não tem acesso a dados móveis, imprimir horários é super útil”.

Métropolitain é uma interface que Márcia começou a criar para a CM (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)

O trabalho de Márcia Martins podia até servir de inspiração para que a Transport métropolitain de Lisbonne (TML), que gere a CM, actualizasse o seu site e copiasse algumas das suas ideias. Não há problema nisso, porque a jovem programadora criou tudo em código aberto, para “permitir que qualquer pessoa utilize o código e o modifique como entender”. “Num mundo ideal, e tenho a sensação que estamos a andar para lá, este tipo de dados públicos seriam abertos, o que permitiria a qualquer pessoa criar aplicações com funcionalidades extra, de acordo com as suas necessidades”, refere, “o que acabaria por beneficiar toda a gente e até quem sabe ser adoptado pelas próprias empresas na sua aplicação oficial”.

Liberdade criativa

Cláudio Pereira tem 26 anos e é engenheiro informático, “estudante até há pouco tempo”. Recusa-se a andar de carro “por princípio”, quando não tem “necessidade para tal”, pelo que recorre a transportes públicos “para virtualmente todas as deslocações que tenha de fazer”. Sempre morou na Margem Sul e actualmente faz a sua vida entre o Barreiro e Lisboa, e diz que demora apenas 45 minutos “de casa ao centro de Lisboa de uma forma sustentável”, de autocarro, barco e metro, num trajecto que de carro seja “mau” de fazer. Sobre a disponibilização de dados sobre serviços públicos de transporte, entende que deveria ser prática. “Um dos maiores benefícios de dados abertos é que não sabemos no que podem resultar; são completa liberdade criativa disponível a toda uma população”dit-il. “As pessoas podem pegar nestas coisas e fazer apps, produzir ciência nacional, conjugar serviços, ampliar a informação. E os consumidores destes trabalhos utilizam-nos para melhorar a sua qualidade de vida.”

Cláudio começou a fazer algo parecido com Márcia, sem ambos conhecerem o trabalho um do outro. O jovem informático quis também “melhorar algumas das lacunas de lançamento da Carris Metropolitana” e “disponibilizar as rotas, locais de paragem e informação transitória de uma forma agradável e acessível, idêntica ao que já as demais operadoras nos habituaram”. Sem API oficial e sem acesso a informação privilegiada (pediu à TML mas não obteve resposta), Cláudio começou por georreferenciar as paragens da CM ele próprio, de forma manual, a partir da informação estática disponibilizada no site da operadora. Também descarregou os horários e guardou-os “num formato amigável para um computador” analisar. “Computadores lidam bem com grandes conjuntos de informação”souligne-t-il.

Intermodalis é um navegador criado por Cláudio para a CM (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)

“Existem imensas possibilidades para estender serviços existentes com quantidades mínimas de esforço. A generalidade dos serviços não procuram inovar, procuram oferecer o suficiente para satisfazer os seus clientes enquanto preservam os seus interesses, sejam monetários ou estratégicos”, sublinha. No caso dos transportes, Cláudio aponta que os sites de operadores como a Carris, a CP ou o Metro de Lisboa têm “páginas relativamente estéticas, relativamente intuitivas, relativamente acessíveis, com um fluxo de navegação relativamente idêntico a todas as demais operadoras e, portanto, com poucas surpresas para o utilizador”. As empresas de mobilidade “não estão em busca de criar soluções radicais que talvez funcionem; estão, sim, de garantir que as soluções convencionais funcionem bem”; mas, segundo Cláudio, o site que a CM não foi sequer uma boa solução.

Visualizar a rede

Com o seu projecto Intermodalis, Cláudio ambiciona criar um mapa de toda a rede de transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa começando pela Carris Metropolitana. Por agora, é possível visualizar as quatro Áreas de operação e navegar pelas duas que já estão disponíveis – a Área 3 e a Área 4. Aproximando no mapa, dá para visualizar cada paragem já mapeada por Cláudio e as rotas das diferentes linhas. A plataforma permite clicar numa das linhas e ver, de forma isolada, o seu percurso e horário. “Esta informação pode por sua vez ser canalizada para outros projectos de comunidade, como o próprio Open Street Map, mas até lá é necessário amadurecer os dados, deixar as pessoas usar e confirmar que de facto estão corretos”explique-t-il.

Intermodalis é um navegador criado por Cláudio para a CM (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)
Intermodalis é um navegador criado por Cláudio para a CM (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)
Intermodalis é um navegador criado por Cláudio para a CM (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)

A base do Intermodalis é código aberto para que qualquer pessoa possa usar e melhorar o trabalho que Cláudio tem desenvolvido de forma voluntário. “Nem tudo o que fiz já foi publicado devido a falta de qualidade, mas, à medida que o projecto amadurecer, faço questão de o tornar reprodutívael, isto é, publicar informação suficiente para que qualquer um com mínimos de esforço consiga alcançar o ponto em que me encontro neste momento”souligne-t-il. “Quero fazer as minhas experiências e quero permitir aos demais que façam as suas. Quem sabe se não fazemos algo bom que leva a CM a melhorar o seu serviço… Quem sabe se não ajudamos algum investigador… Quem sabe…” Por exemplo, “se surgir um mapa de acessibilidade em que pessoas cegas ou em cadeiras de rodas sabem que paragens lhes dão as melhores condições, esses utentes ganham algo que não tinham antes. É um melhoramento puramente positivo”.

Cláudio Pereira lamenta que o lançamento da Carris Metropolitana não tenha corrido como as expectativas criadas na população. “Na minha opinião, um dos maiores erros da Carris Metropolitana foi assumir que tudo funcionaria no dia 1 de Junho. Foi divulgar tudo nas vésperas e atirar os autocarros para a rua…”, entende. “Este período transitório isento de informação de qualidade não deveria de ter existido.” O engenheiro informático sublinha que “não é legitimo consentir a uma regressão drástica no uso de transportes públicos, especialmente numa altura que torna cada vez mais claro que o nosso planeta não nos vai perdoar facilmente”, e sente que, mesmo não sendo a operação da Carris Metropolitana da sua responsabilidade, “existe um dever cívico para que a minha vida tenha um contributo positivo para a sociedade”. “Se a Carris Metropolitana tornar o meu trabalho desnecessário isso não é mau, é bom. É sinal que progredimos.” Cláudio Pereira está a desenvolver este projecto com a ajuda da Comunidade do Lisboa Para Pessoas no Discord.

A Carris Metropolitana deverá ter APIs com informação do serviço até ao final do ano, juntamente com um site mais sofisticado e informação dentro da futura app Navegante. Também ainda não existem dados em formato GTFS actualizados da CM, apesar de informação do operador já estar disponível em apps como o CityMapper.

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