E se os barcos voltassem a parar no Parque das Nações?

O antigo cais fluvial do Parque das Nações (fotografia de Mário Rui André/Lisboa Para Pessoas)

Quando pela altura da Expo 98 se pensou e planeou a zona hoje conhecida como Parque das Nações, o transporte fluvial não ficou esquecido. Em 1998, barcos atracavam na chamada Porta do Tejo para deixar ou apanhar visitantes da grande Exposição Internacional. Dois anos depois, a Transtejo criou ligações regulares entre o Parque das Nações e a margem sul: Seixal, Barreiro e Cacilhas. A falta de passageiros ditou uma redução de oferta em 2003 e o fim do serviço em 2006. Hoje, o terminal fluvial do Parque das Nações encontra-se ao abandono, apesar de esta zona da cidade, agora freguesia, ter uma dinâmica habitacional e empresarial completamente diferente da que tinha há duas décadas.

Da Expo ao abandono

De Belém para Porto Brandão ou Trafaria. Do Cais do Sodré para Cacilhas, Seixal ou Montijo. Do Terreiro do Paço para o Barreiro. É assim que se compõe o mapa do transporte público fluvial entre as duas margens do Tejo, assegurado hoje pela TTSL (Transtejo Soflusa), empresa que nasceu da fusão de duas, a Transtejo e a Soflusa; esta última tinha resultado da exploração pela CP da ligação fluvial entre o Terreiro do Paço e o Barreiro, que permitia estabelecer uma ponte entre a rede ferroviária a Norte e a Sul do estuário do Tejo.

A ligação fluvial entre o Parque das Nações e a margem sul foi estabelecida em 1998 no contexto da Expo 98. O intuito era facilitar o acesso dos visitantes à Exposição Internacional de Lisboa e, ao mesmo tempo, oferecer uma vista diferente sobre uma frente ribeirinha que tinha acabado de ser renovada na capital, um privilégio que muitos terão sabido aproveitar.

O terminal em uso durante a Expo 98 (imagens via RTP Arquivos)

Dois anos mais tarde, a 1 de Março de 2001, iniciou-se uma carreira regular da Transtejo entre o Parque das Nações, o Seixal e Cacilhas com quatro a cinco viagens por dia. Para o Seixal duravam 20 minutos e custavam 300$ (na época a moeda era o escudo) ou seja cerca de 1,50€ (ou 2,50€ com ida e volta); para Cacilhas eram mais curtas e, por isso, mais baratas: 15 minutos e 1,10€ (ou 1,90€ com ida e volta). A Transtejo aproveitou o lançamento dos novos percursos para introduzir um bilhete familiar para casais com filhos abaixo dos 12 anos; custavam entre os 3,75€ e 6,00€, ida e volta.

Para a Transtejo os clientes são o centro da sua actividade. Assim, a partir de 1 de Março (5ª feira) vamos iniciar as novas ligações com o Parque das Nações a partir de Cacilhas e do Seixal com navios da classe catamarã garantindo, deste modo, um serviço de qualidade, com rapidez , comodidade e segurança. Estas ligações representam um grande esforço da Transtejo para aproximar cada vez mais as duas margens do Rio Tejo, quer em deslocações regulares quer em deslocações ocasionais, proporcionando uma opção concorrencial com outros modos de transporte. Os horários e frequências das ligações iniciais são a título experimental, assim a colaboração dos senhores passageiros é fundamental para os adequar às reais necessidades de deslocação da maioria dos potenciais utilizadores. Dando a sua opinião contribui para cada vez mais melhorar o nosso serviço.

– informação no site da Transtejo, à data de 1 de Março de 2001 (via Arquivo.pt)
Recorte do site da Transtejo de 2001 (via Arquivo.pt)

Março de 2001 marcou, assim, a reabertura da Porta do Tejo, o nome do terminal fluvial da então Expo 98. Foi um resultado de um protocolo assinado entre a Transtejo e a Parque Expo, S.A., empresa pública que tinha sido constituída com o fim de organizar a Exposição Internacional de Lisboa de 1998 e de reabilitar toda a frente ribeirinha hoje conhecida como Parque das Nações e que se encontrava em “avançado estado de decadência social e ambiental”. A Parque Expo, S.A. acabou extinta formalmente apenas em Dezembro de 2016, mas em 2013, depois das eleições autárquicas, a Junta de Freguesia do Parque das Nações passou a gerir os 415 hectares “desbravados” para a construção da Expo 98.

Voltando aos barcos. Estes atracaram no Parque das Nações entre 2001 e 2003. Em Outubro de 2001, foi criado uma nova ligação para o Barreiro. Mas em Janeiro de 2003 era anunciada a suspensão de todos os barcos de e para o Parque das Nações nos dias úteis: os horários e a frequência foi mantida apenas aos fins-de-semana, quando havia maior procura. João Franco, então presidente do conselho de administração da Transtejo, explicou à agência Lusa que “a diminuição do número de clientes era constante”, a ponto de a empresa “chegar a transportar mais tripulantes que passageiros”. “O nosso objectivo é transportar passageiros, não é andar a passear barcos”, comentou o responsável.

A maior procura registada aos fins-de-semana e feriados sugere que a oferta de transporte público no Parque das Nações era sobretudo aproveitada para fins de lazer. Afinal, aquela zona oriental da cidade afirmava-se como um excelente espaço para passear e descansar em família, com espaçosas áreas verdes, jardins temáticos e interactivos, e atracções como o Oceanário de Lisboa ou o Pavilhão do Conhecimento.

Mas a dinâmica do Parque das Nações alterou-se nos últimos vinte anos. Mantém-se como uma área de lazer de eleição, mas por ali fixaram-se grandes empresas, vários serviços e também muitas pessoas. A freguesia – que só foi constituída entre 2012 e 2013, resultando da agregação de parte da antiga freguesia de Santa Maria dos Olivais (Lisboa) com parte das freguesias de Moscavide e Sacavém (Loures) – tinha 21 025 habitantes em 2011, de acordo com os Censos daquele ano. Nos Censos de 2021, estão registados 22 350 habitantes – um aumento de 6,3%. O Parque das Nações são também o lugar de variadíssimos eventos, feiras e concertos, graças a equipamentos como a Feira Internacional de Lisboa (FIL) ou o Altice Arena (ex-Pavilhão Atlântico), a maior sala de espectáculos do país. A restauração tem-se também desenvolvido nesta zona, com uma oferta atractiva.

A ligação do Parque das Nações foi suspensa a 1 de Janeiro de 2006. Uma petição que terá começado a circular em 2019 reúne pouco mais que 280 assinaturas e defende o retorno dos barcos ao Parque das Nações. “Não sei se estão recordados, mas durante e após a Expo 98 houve ligação direta, de barco, entre a margem sul e o Parque das Nações. Esta viagem era agradável, barata e acima de tudo muito rápida (menos de 30 minutos)! Infelizmente na altura, havia poucas empresas no Parque das Nações e, supostamente, por razões de rentabilidade a ligação foi cancelada”, lê-se no texto peticionário, que não é assinado.

A Rede Cais do Tejo e o possível futuro do cais do Parque das Nações

O antigo cais fluvial do Parque das Nações – a Porta do Tejo – encontra-se hoje bem localizado, próximo do Altice Arena, da FIL, dos escritórios de grandes empresas, da estação ferroviária do Oriente e de diversos pontos de interesse cultural, social e gastronómico. Complementado com a rede de transportes públicos da zona, que inclui tanto os autocarros da Carris como o Metro que já chega a Moscavide, bem como com a GIRA e a infraestrutura de ciclovias, o cais fluvial poderia servir quem hoje vive, trabalha, estuda ou visita o Parque das Nações.

Mas será que o regresso do transporte público fluvial à parte oriental da cidade seria sustentável? Bom, essa hipótese não está a ser estudada neste momento, mas existe vontade de reabilitar o cais do Parque das Nações e de nele colocar operadores privados de transporte. O objectivo é, aliás, fazer o mesmo com outros cais ao longo do rio Tejo e integrá-los na denominada Rede Cais do Tejo. Este projecto está a ser promovido pela Associação de Turismo de Lisboa (ATL) e pela Câmara de Lisboa (CML), a partir de uma proposta da vereadora do PSD Teresa Leal Coelho. De acordo com um estudo prévio levado a cabo pela ATL e citado pelo jornal Público, a reabilitação do cais do Parque das Nações poderá custar 950 mil euros, pois, além da recuperação da infraestrutura, é preciso dragar aquela zona de rio.

O antigo cais fluvial do Parque das Nações (fotografia de Mário Rui André/Lisboa Para Pessoas)

A Rede Cais do Tejo foi apresentada em Janeiro de 2020, ainda sem conhecimento da pandemia que viria a tomar o mundo de assalto. Um protocolo assinado entre a ATL e a CML assinalava a intenção de reabilitar pontões e cais de ambos os lados do rio e colocá-los ao serviço de operadores privados, que possam a partir deles explorar ofertas de transporte de passageiros entre as duas margens dos mais variados tipos – tanto poderão ser viradas para o lazer ou turismo, como vocacionadas para o quotidiano utilitário.

O projecto começou por prever um total de 13 pontos de acostagem em cinco concelhos ribeirinhos: seis em Lisboa (Belém, Parque das Nações, Sul e Sueste, Cais da Matinha, Alcântara e Cais do Gás), quatro em Almada (Cacilhas, Porto Brandão, Trafaria e Ginjal) e os outros três no Montijo, Seixal e Barreiro. Alguns destes cais estão activos com serviços da Transtejo e seriam apenas adaptados para receberem ao mesmo tempo a oferta da Rede Cais do Tejo; já outros cais teriam de ser completamente reabilitados, como é o caso dos do Parque das Nações, da Matinha ou do Ginjal. Apesar de abranger apenas Lisboa, Almada e o Montijo para já, a Rede Cais do Tejo pode integrar os municípios de Oeiras, Loures, Moita, Alcochete e Vila Franca de Xira no futuro, permitindo ainda mais ligações fluviais na AML.

No entanto, entre a assinatura do protocolo em Janeiro de 2020 e a conclusão do estudo pela ATL em Março seguinte, houve algumas alterações: a ideia de criar pontões no Montijo e na Matinha caiu, o Ginjal foi substituído por Olho de Boi, e a utilização do Cais do Sodré ia ser avaliada, conforme noticiava o Público em Abril de 2020.

Desde essa data que não se sabe mais sobre o projecto. O relatório apresentado nessa altura apontava 15 meses de duração e um custo de cerca de seis milhões de euros (60% provenientes das receitas da taxa turística de Lisboa) para o total das obras, e indicava que o avanço do projecto iria estar dependente da evolução da pandemia de Covid-19. O ano de 2021 foi apontado para o arranque das reabilitações dos cais, mas o artigo do Público frisava o processo burocrático que ainda existia pela frente: primeiro, a aprovação do estudo da ATL na CML, seguidos de dois meses para preparação e aprovação das candidaturas ao Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa, alimentado pela taxa turística, mais quatro meses para projectos, três para concursos e seis para obras.

A Rede Cais do Tejo partiu de uma ideia proposta pela vereadora do PSD Teresa Leal Coelho e que constava do seu programa eleitoral em 2017. “Não estamos a propor nada que não aconteça já em muitas cidades da Europa e até fora da Europa”, disse Teresa Leal Coelho em Janeiro, citada pelo Público, contando a experiência ter demorado uma vez uma hora e meia de carro entre a Bobadela e São Bento – se tivesse apanhado um barco teria demorado bem menos, acredita. “Até hoje não se potenciou a dinamização do Tejo, que trará enormes vantagens para a mobilidade, para a economia e para o desenvolvimento regional”, disse.

O Lisboa Para Pessoas contactou a TTSL e a ATL para obter mais detalhes sobre a recuperação do cais do Parque das Nações, a possibilidade de reintroduzir transporte público fluvial e o estado do projecto Rede Cais do Tejo, mas não recebeu respostas em tempo útil. Actualizaremos este artigo se assim se justificar.

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