Porque é que a Biblioteca Nacional abateu uma série de árvores?

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A Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) refere que os exemplares estavam doentes e que serão substituídos por “outros das mesmas espécies já com porte considerável”, no âmbito de uma requalificação da parte frontal do seu espaço verde.

Fotografia de Mário Rui André/Lisboa Para Pessoas

Lisboa acordou esta quinta-feira com o abate de várias árvores que davam sombra em frente da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), no Campo Grande. Através das redes sociais (aqui e aqui, por exemplo), cidadãos partilharam imagens do corte de vários choupos de grande porte. A BNP refere que os exemplares estavam doentes e que serão substituídos por “outros das mesmas espécies já com porte considerável”, no âmbito de uma requalificação da parte frontal do seu espaço verde.

Num exercício de transparência, a BNP fez atempadamente uma publicação no seu site explicando o abate previsto de árvores. A acção tinha também sido assinalada no local, com um pequeno cartaz e um código QR que reencaminhava os interessados para o site da BNP pendurados nos exemplares arbóreos. De acordo com a informação divulgada, as árvores abatidas foram choupos brancos (Populus alba) e choupos negros (Populus nigra), “espécies de crescimento rápido mas com pouca resistência mecânica e a pragas, que frequentemente começam a ser afetados por doenças antes dos 50 anos, idade que os exemplares em causa já ultrapassaram”.

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As árvores cotadas tinham sido sujeitas a uma avaliação fitossanitária e de risco de ruptura, realizada antes do Verão pelo Laboratório de Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida, do Instituto Superior de Agronomia (ISA). Segundo o relatório dessa avaliação, os exemplares apresentavam vários fungos, como um fungo capaz de causar cancro e de levar a planta afectada à sua morte, e um outro fungo que tem uma progressão bastante rápida e afecta a estabilidade mecânica de árvores adultas através da destruição da sua base.

A presença dos fundos estará associada, segundo o mesmo relatório, a podas de talhadia de cabeça ou talhadia alta (“podas de rolagem”) realizadas nos últimos anos naquelas árvores, como a que foi feita em 2013, tal como denunciado por uma equipa de reportagem do programa de televisão Biosfera. No relatório do ISA é explicado que as “podas de talhadia de cabeça de que foram alvo, em que se reduziram as pernadas para obter um efeito de rebaixamento e diminuição do volume de copa” podem ter originando “a formação de inúmeros lançamentos epicórmicos”; e “as lesões (…) dificilmente se recobrem e os fungos causadores de podridões do lenho instalam-se, acelerando o processo de degradação da árvore”. Em detalhe, está escrito o seguinte:

Os choupos avaliados exibem copas descaraterizadas, constituídas maioritariamente por ramos epicórmicos, estrutural e mecanicamente instáveis, em resultado das podas de talhadia de cabeça de que foram alvo, em que se reduziram as pernadas para obter um efeito de rebaixamento e diminuição do volume de copa. Estas podas, realizadas em árvores adultas, originam a formação de inúmeros lançamentos epicórmicos; estes novos lançamentos adquirem rapidamente comprimento e peso excessivos, apresentando elevado risco de rutura. As lesões resultantes dos cortes dos ramos de maior diâmetro, ou mesmo das pernadas, dificilmente se recobrem e os fungos causadores de podridões do lenho instalam-se, acelerando o processo de degradação da árvore. Assim, todos estes choupos apresentam forte rebentação epicórmica e cavidades nas pernadas, na inserção das mesmas e, em alguns casos, ao nível do tronco. Ao nível das chamadas “cabeças de rolagem”, resultantes da redução drástica das pernadas, são visíveis podridões extensas, por vezes com escorrimentos de substâncias do tipo taninos, sinal de que o processo de degradação do lenho está em curso. A rutura dos ramos formados nestas pernadas pode assim ocorrer com facilidade, uma vez que a resistência mecânica dos tecidos onde os mesmos se inserem está comprometida.

– Laboratório de Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida, do Instituto Superior de Agronomia (ISA)

A realização incorrecta de podas no arvoredo urbano é comum pelo país fora, como várias pessoas têm vindo a denunciar em comunidades de Facebook dedicadas à protecção da biodiversidade, como é o caso da Plataforma em Defesa das Árvores, grupo que naquela rede social junta mais de 25,6 mil membros. Um regime jurídico aprovado em Julho deste ano, no entanto, prevê um manual de boas práticas, regulamentos municipais e multas para privados e municípios que façam podas ou abates à margem das regras. A profissão de arborista vai passar a ser reconhecida, conforme noticiou na altura o jornal Público.

Fotografia de Mário Rui André/Lisboa Para Pessoas

No caso da BNP, o ISA avaliou 15 árvores e recomendou o abate de sete delas. Para as restantes, aconselhou a remoção de ramos secos, podas de aclaramento de copa, uma monitorização semestral e a sua substituição em 2/3 anos. No entanto, o Instituto Superior de Agronomia escreveu que “alterações drásticas do sistema de rega (…) podem ter impacto altamente negativo em árvores adultas com problemas fitossanitários e problemas de estabilidade mecânica” e que “qualquer obra (…) que decorra nas imediações de uma árvore, à superfície ou no subsolo, constitui uma ameaça para o vigor, a estabilidade mecânica e, eventualmente, a sobrevivência da árvore”.

No entanto, a BNP decidiu proceder ao abate imediato de todos os exemplares, incluindo aqueles que o ISA disse que poderiam ser mantidos por mais 2/3 anos, uma vez que “tal possibilidade de manutenção, para além de ser por um muito curto período e de afectar o equilíbrio paisagístico do espaço, fica comprometida pela necessidade de renovação da rede de rega e de reparação das calçadas”. É que a BNP tem um projecto de requalificação da área verde frontal (ou nascente) já desenhado e pronto a ser posto em marcha este ano. Da autoria do arquitecto paisagista João Ceregeiro, em consonância com o projecto original do arquitecto Vianna Barreto, o projecto irá completar a requalificação realizada no ano passado e que abrangeu as áreas norte, sul e poente; envolverá a renovação da rede e novas calçadas.

O projecto pode ser consultado aqui em baixo:

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