ZER ABC na gaveta. O executivo de Carlos Moedas nรฃo quer uma “abordagem catastrofista ou proibicionista” e olha para o “problema do automรณvel” com uma estratรฉgia “gradualista, pedagรณgica e de melhoria de alternativas”.

Ao contrรกrio do que o seu antecessor e adversรกrio pretendia, Carlos Moedas nรฃo quer limitar a circulaรงรฃo automรณvel na zona baixa e histรณrica da cidade, avanรงa esta semana o semanรกrio Expresso. A ZER Avenida-Baixa-Chiado (ZER ABC) fica oficialmente na gaveta.
Questionado pelo Expresso, รngelo Pereira, vereador da mobilidade, disse que o actual executivo da Cรขmara de Lisboa pretende que a baixa seja um “espaรงo urbano vivo e reabilitado”, mas “sem restringir o seu acesso a qualquer rede” โ ou seja, sem restringir o acesso dos automรณveis ร quela zona. รngelo Pereira admite que algumas artรฉrias possam ser pedonalizadas, desde que “nรฃo tenham uma funรงรฃo distribuidora na cidade”, o que coloca de parte limitaรงรตes na Rua da Prata, do Ouro, dos Fanqueiros e da Madalena, como previa o projecto da ZER ABC apresentado pelo executivo de Fernando Medina, em Janeiro de 2020.
“A nossa abordagem ao problema do automรณvel รฉ gradualista, pedagรณgica e de melhoria de alternativas. Nรฃo รฉ uma abordagem catastrofista ou proibicionista. Governamos uma cidade com as pessoas e nรฃo contra as pessoas”, explicou o novo vereador com a pasta da mobilidade na Cรขmara de Lisboa.

Uma abordagem diferente
Ainda ao semanรกrio Expresso, รngelo Pereira defendeu uma melhoria dos transportes pรบblicos na cidade como alternativa ร limitaรงรฃo da circulaรงรฃo automรณvel, referindo que hรก “pontos crรญticos” onde a velocidade de circulaรงรฃo dos autocarros รฉ muito baixa devido ao congestionamento. Disse o vereador da equipa de Moedas que vai ser prioritรกria a fiscalizaรงรฃo das duas ZERs jรก existentes na cidade โ uma das quais no eixo da Avenida da Liberdade e da baixa, onde, em teoria, desde 2015 sรณ podem circular veรญculos construรญdos no ano 2000 ou posteriores. Segundo รngelo Pereira, vai ainda ser melhorada a infraestrutura ciclรกvel na baixa, eliminando “descontinuidades na rede existente”, e expandida a rede GIRA nesta zona โ entre as freguesias de Santo Antรณnio, Santa Maria Maior e Misericรณrdia, a autarquia quer aumentar de 16 para 26 as estaรงรตes de bicicletas partilhadas.
De acordo com o Expresso, o novo executivo nรฃo nega que seja preciso “diminuir a intensidade do uso do automรณvel individual”, mas propรตe fazรช-lo atravรฉs de uma “maior oferta do transporte pรบblico e dos meios suaves”. “Pretendemos que a Baixa Pombalina seja um espaรงo onde todas as redes sejam compatรญveis e nรฃo excluรญdas. Nรฃo defendemos o aumento das restriรงรตes e proibiรงรตes ao cidadรฃo que quer vir ร Baixa, para a sua utilizaรงรฃo, independentemente do transporte utilizado”, referiu ainda รngelo Pereira.
Apresentada em Janeiro de 2020 por Fernando Medina, a ZER Avenida-Baixa-Chiado (ZER ABC) consistia num ambicioso projecto de restriรงรฃo da circulaรงรฃo automรณvel na baixa e no Chiado, afectando tambรฉm o eixo da Avenida da Liberdade e do da Avenida Almirante Reis. O arranque da ZER ABC estava previsto para o Verรฃo desse ano, mas a pandemia levou Medina a suspender o projecto e a adiรก-lo para o mandato seguinte. A ZER na zona histรณrica da cidade estava inscrita no programa eleitoral da sua coligaรงรฃo, que nรฃo venceu as eleiรงรตes.
A ZER ABC previa reduzir em 40% o trรกfego automรณvel na baixa de Lisboa, garantindo o acesso apenas a residentes, comerciantes, transportes pรบblicos, carros elรฉctricos e modos suaves como as bicicletas. O projecto seria activado numa primeira fase com mecanismos fรญsicos de controlo de acesso; posteriormente, e de modo gradual, seria feita uma requalificaรงรฃo do espaรงo pรบblico dos diferentes arruamentos e praรงas. Estava previsto um aumento significativo da รกrea pedonal, a introduรงรฃo de ciclovias, a plantaรงรฃo de รกrvores, a eliminaรงรฃo de estacionamento automรณvel ร superfรญcie e o reforรงo de transportes pรบblicos.
Direita defende uma ZER mas nรฃo quer fazรช-la
Em discussรฃo na Assembleia Municipal no passado mรชs de Novembro, uma ZER na zona da baixa e do Chiado pareceu consensual entre todos os partidos, com a esquerda a pedir que o plano inicial fosse implementado tal como apresentado, mas a direita a querer melhor planeamento e mais participaรงรฃo. Jรก Miguel Coelho (PS), da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, defendeu uma ZER em todo o centro histรณrico e em toda a sua freguesia, e nรฃo somente na zona da Baixa e do Chiado. Desse debate, saiu a aprovaรงรฃo por maioria de uma recomendaรงรฃo apresentada pelo BE pela implementaรงรฃo da ZER ABC.
A ZER ABC tambรฉm foi tema no debate pรบblico sobre o futuro da Almirante Reis, que decorreu na segunda-feira passada, com vรกrios participantes a questionar porque รฉ que nรฃo existe uma estratรฉgia integrada para esse eixo com o futuro da baixa. โEu gostava de saber se [a requalificaรงรฃo da Almirante Reis] รฉ um plano para o futuro, para a ZER e para os compromissos climรกticos, ou se รฉ um olhar para o passado e para o trรขnsito dos anos 90?โ, questionou um participante, preocupado com a possibilidade de a Almirante Reis voltar a ter quatro vias de trรขnsito. โNรฃo sei porque se comeรงa pela Almirante Reis e nรฃo pela baixaโ, reforรงou outra pessoa. E, a certo ponto, na sala, gritou-se quase em unรญssono para se retomar a ZER, conforme relatรกmos aqui. Joรฃo Castro, arquitecto e assessor de Moedas, que conduziu o debate, nรฃo teve uma resposta directa sobre a ZER ABC, apesar de ter dito que concordava com uma visรฃo integrada para a cidade e para uma baixa com menos trรกfego.
No fundo, e resumindo os diferentes momentos em que o tema surgiu, a posiรงรฃo do executivo de Moedas e dos partidos que suportam o actual governo da cidade (PSD e CDS) tem sido a de que a reduรงรฃo do trรกfego automรณvel na baixa รฉ importante e necessรกria, mas rejeitam implementar o plano deixado pelo anterior executivo camarรกrio, e nรฃo se comprometem com a elaboraรงรฃo de um novo projecto. No programa eleitoral de Carlos Moedas, nรฃo existia qualquer referรชncia a uma ZER na baixa; mas questionada pela associaรงรฃo ZERO, a coligaรงรฃo Novos Tempos defendeu โimplementar gradualmente um Plano de Zonas de Zero Emissรตes, por forma a ir de encontro gradualmente aos objectivos de Transiรงรฃo Climรกtica definidos para a Cidade de Lisboa atรฉ 2030, sendo que esta definiรงรฃo terรก que ser feita zona-a-zona e com base em processos participativos, com um envolvimento profundo dos residentesโ.

Ainda assim, hรก parcelas da ZER que poderรฃo avanรงar jรก este ano. No orรงamento da SRU, a empresa municipal de obras pรบblicas, que foi aprovado para 2022, estรก prevista a conclusรฃo do projecto de requalificaรงรฃo da Avenida da Liberdade e o lanรงamento da empreitada, com a expectativa de a obra ficar pronta em 2023. Seria apenas a 1ยช fase de requalificaรงรฃo, isto รฉ, o troรงo superior da Avenida da Liberdade, a seguir ao Marquรชs de Pombal. Essa empreitada incluirรก melhores passeios, ciclovia e a reposiรงรฃo do sentido โnaturalโ do trรขnsito nas faixas laterais. A 2ยช fase diria respeito ร recriaรงรฃo do Passeio Pรบblico junto aos Restaurantes, onde a Avenida da Liberdade assumiria uma configuraรงรฃo sem trรขnsito no tabuleiro central e com circulaรงรฃo rodoviรกria apenas nas laterais โ sem ZER, รฉ pouco expectรกvel que este Passeio Pรบblico avance; na documentaรงรฃo da SRU, esta 2ยช fase “aguarda confirmaรงรฃo de prioridade”.
Jรก no Chiado, prevรช-se o lanรงamento da empreitada e inรญcio da obra para o Largo das Duas Igrejas para o tornar maioritariamente pedonal. Serรก feita a renovaรงรฃo dos pavimentos, a revisรฃo da linha de elรฉctrico, a criaรงรฃo de zonas de circulaรงรฃo partilhada entre veรญculos e peรตes, novo mobiliรกrio urbano e o rebaixamento e sinalizaรงรฃo de passadeiras. A obra jรก tem projecto feito e espera-se que fique concluรญda no prรณximo ano, em 2023. Jรก a intervenรงรฃo na Rua da Misericรณrdia, que liga o Largo de Camรตes ao Largo Trindade Coelho, daria mais espaรงo ao peรฃo mas “aguarda confirmaรงรฃo de prioridade” nesta fase.