Diogo Martins não conseguia sair do comboio em Entrecampos e aceder ao Metro. A instalação de uma rampa e de três elevadores na estação do metropolitano veio desbloquear-lhe novas opções de mobilidade.

Se Diogo viesse da Linha de Sintra e quisesse sair em Entrecampos para aí apanhar o Metro para o Saldanha, não conseguia. Era capaz de sair do cais ferroviário e aceder ao patamar do Metro pelo elevador existente na estação de comboios, e ainda percorrer a passagem subterrânea de ligação à estação do Metro até bem perto das cancelas. Mas, aí, era surpreendido por cinco degraus que não conseguia transpor – e não valia a pena o esforço sequer: logo mais à frente, depois de passar o cartão do passe, o acesso aos cais de embarque só era possível por escadas.
Para Diogo Martins, a estação de Metro de Entrecampos não existia até esta semana no mapa da rede, à semelhança de muitas outras que continuam a não existir. Mas a instalação de três elevadores e de uma rampa abriu uma nova estação a Diogo, que agora já consegue aceder ao átrio e depois a cada um dos cais. Das 56 estações de Metro de Lisboa, são agora 34 as estações onde é garantida a “acessibilidade plena”, ou seja, onde há elevadores ou plataformas elevatórias para que todas as pessoas, independentemente da sua condição motora, possa aceder ao serviço do metropolitano. Essa razão de 34 para 56 significa que 61% do Metro é acessível; mas, se analisarmos além dos números, vemos que é no miolo da cidade, onde se concentram empresas e serviços, que há mais estações inacessíveis a pessoas de mobilidade reduzida.

Diogo é activista e coordenador da delegação lisboeta do Centro de Vida Independente, uma organização que defende a autonomia de “pessoas com diversidade funcional”. Para ele, a instalação dos três elevadores e da rampa no Metro de Entrecampos vem desbloquear novas possibilidades na sua mobilidade na cidade. Agora, se vier da Linha de Sintra e quiser chegar ao Saldanha, já pode descer para o Metro em Entrecampos. Antes, a única estação ferroviária da chamada Linha de Cintura com ligação acessível ao metropolitano era a do Oriente. Como ir até lá, seria uma grande volta, o trajecto mais lógico seria descer em Entrecampos e fazer o resto pela Avenida da República (que conta com passeios largos e acessíveis desde a intervenção de 2017). “Como estou numa cadeira eléctrica não me canso tanto mas há outras pessoas em cadeiras manuais para quem é mais difícil”, aponta. Apanhar um autocarro era uma solução para escapar ao esforço físico que implica mover uma cadeira manual por cerca de 1 km.
O Saldanha era a primeira e única estação de Metro acessível em todo o eixo entre o Campo Grande e Picoas, que não só é um dos principais pólos empresariais da cidade como também uma zona de planalto, relativamente plana, e por isso melhor para pessoas de mobilidade reduzida. “Tens de fazer as coisas acessíveis por padrão. Não somos nós que temos de nos adaptar às infraestruturas, são elas que têm de estar adaptadas”, lamenta Diogo, que constantemente tem de lidar com obstáculos.

Segundo o Metro de Lisboa, a instalação dos três elevadores e da rampa na estação de Entrecampos teve um custo de 1,08 milhões de euros e insere-se numa empreitada maior que envolve também a estação da Cidade Universitária. A obra tinha sido adjudicada ao consórcio do Grupo Domingos da Silva Teixeira, SA/Efacec em Junho de 2021, por um investimento global de 2,56 milhões de euros. Para o mês de Maio, prevê-se a conclusão da empreitada na estação Cidade Universitária. “A Cidade Universitária é uma obra mais complexa pela estrutura da estação”, aponta Diogo, que tem vindo a acompanhar os trabalhos em ambas as estações.

Em Entrecampos, o elevador do átrio do Metro para a superfície foi colocado junto aos antigos terrenos da Feira Popular e vem complementar os dois elevadores que já existiam na estação de comboios. Esta redundância é importante. “Se houver um problema nos elevadores da estação, o que não é raro, o do Metro está salvaguardado por eles. São eles que gerem.” É que no metropolitano manda a Metro de Lisboa e a estação de comboios é responsabilidade da Infraestruturas de Portugal (IP). Apesar de comboios e metropolitano estarem ligados, cada espaço tem uma gestão diferente e, por isso, a manutenção é feita por equipas diferentes.
No total, existem agora três elevadores entre o átrio do metro e a superfície – um no exterior, do Metro, e os dois da estação de comboios. No metropolitano, há ainda mais dois elevadores para permitir o acesso aos cais de embarque; já no lado ferroviário, os dois elevadores servem todos os pisos e também as plataformas de embarque. Diogo lamenta que sejam apenas dois elevadores “numa das estações de comboios mais movimentada do país” – dados de 2018, apontam para cerca de um milhão de passageiros por mês. “Não faz sentido teres dois elevadores apenas, ainda por cima pequenos.” Em centros comerciais e grandes superfícies comerciais, vemos muitas vezes elevadores amplos e espaçosos, onde cabem dezenas de pessoas e também compras volumosas. Diogo diz que muitas vezes tem de ficar à espera pois, apesar de ter prioridade, há muitas vezes vários passageiros com prioridade também.

“Os elevadores são a forma mais segura” para pessoas dependentes de uma cadeira de rodas se movimentarem nas interfaces de transporte, comparativamente a outros mecanismos como as plataformas elevatórias em escadas. É essa a facilidade oferecida aos passageiros da estação de Metro da Baixa-Chiado, por exemplo – “demora-se muito, muito tempo e não dá para cadeiras mais pesadas”, aponta Diogo, referindo que, sem elevadores, essa estação tem um “problema crónico” que pela sua profundidade será difícil de resolver. Mas não basta haver elevadores numa estação – “têm de existir em número suficiente, com o espaço suficiente e em funcionamento”. As avarias são recorrentes e, à falta de um site que apresente essa informação, os avisos estão afixados apenas nos locais. Ou seja, pode dar-se o caso de Diogo até conseguir aceder ao Metro de Entrecampos e passar as cancelas, mas verificar depois que o elevador que dava acesso ao sentido que queria apanhar estar em manutenção.
Mesmo com a acessibilidade plena, Diogo não consegue ser totalmente autónomo na sua viagem de Metro. Entre o comboio do Metro e o cais há um degrau que sozinho não consegue transpor. Se eventualmente pode pedir ajuda a algum passageiro, o procedimento normal passa por pedir a um funcionário ou segurança ajuda – em todas as estações há uma rampa que é posta na porta do comboio para que Diogo possa subir. Tudo isto faz com que uma viagem que habitualmente seria imediata possa ser mais demorada. Diogo não pode correr para o Metro que acaba de chegar à estação e muitas vezes tem mesmo de esperar pelo comboio que vem a seguir ao próximo. Uma pequena rampa em todas as estações que desse acesso pelo menos a uma das portas do comboio poderia ser uma solução simples e um investimento relativamente baixo de se fazer. Os novos comboios do Metro já vão estar alinhados com o nível das plataformas, sem degrau, segundo Diogo.

Ainda assim, uma viagem no Metro de Lisboa é bem melhor que na CP, onde para viajar num comboio suburbano (como os da Linha de Sintra) tem de marcar – por telefone ou pelo site da CP – com pelo menos 12 horas de antecedência. E a marcação tem de ser para um comboio específico e para uma hora pré-determinada. Se o comboio atrasar, Diogo tem de esperar pelo comboio atrasado – mesmo que tenha chegado à estação mais cedo e ainda pudesse apanhar o anterior. Se for suprimido, a CP contacta-o para que possa optar entre o comboio anterior e o seguinte ao suprimido. Mas, de qualquer modo, se Diogo quiser viajar de comboio em Lisboa – mesmo que seja para ir de Benfica ao Oriente porque é uma ligação que se faz melhor por comboio do que por Metro – tem de ter essa viagem prevista com 12 horas de antecedência. Nos comboios de longo curso ou e nos regionais, a marcação tem de ser com pelo menos 24 horas de antecedência.
A antecedência é apenas para que o revisor do comboio saiba que existe um passageiro com mobilidade reduzida e possa ajudá-lo no embarque, usando o auxiliar mecânico que existe em todos os comboios da Linha de Sintra (as carruagens que circulam na Linha da Azambuja e os comboios da Fertagus são acessíveis, sem degrau, com a ajuda de uma simples rampa amovível). Um simples botão nas estações que Diogo pudesse pressionar ou uma aplicação móvel com a mesma função poderiam evitar este processo de marcação prévia de viagens, permitindo que o revisor fosse avisado no momento e em tempo real de que existe um ou mais passageiro com necessidades especiais a precisar de embarcar.

Ainda há um longo caminho a fazer no que toca a tornar os transportes públicos acessíveis a todas as pessoas, independentemente da sua condição motora. E numa Lisboa que está prestes a investir 14,9 milhões de euros em transportes gratuitos para jovens estudantes e maiores de 65 residentes na cidade, podemos questionar se não seria prioritário investir em transportes públicos que todos possam usar. Contas feitas, a instalação de elevadores no Metro de Entrecampos e Cidade Universitária está a custar apenas um quinto do orçamento previsto para a gratuitidade – e são estações que, pela sua localização, terão um enorme fluxo de jovens estudantes, por exemplo.