PSD trava plano da SRU de Moedas e abana grandes obras da cidade. O que está em causa?

Na Assembleia Municipal, o PSD absteve-se, inviabilizando a proposta que revia e ajustava o plano de obras públicas a cargo da SRU para este ano e próximos. Proposta tinha sido construída entre a SRU e a Câmara de Lisboa, e tinha já sido aprovada por todo o executivo camarário. Futuro de alguns investimentos é agora…

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

O orçamento que a SRU – empresa municipal de obras públicas – apresentou ao executivo da Câmara de Lisboa (CML) no início deste ano de 2022 foi revisto, num trabalho conjunto entre o novo conselho de administração da empresa municipal – que entretanto tomou posse – e o executivo camarário. A versão alterada passou, então, para as mãos da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), a quem cabe, como sempre, a última palavra, o último voto. Em caso de aprovação, a SRU poderia começar a executar os projectos previstos nos timings acordados e com o orçamento que receberia da CML.

A votação decorreu nesta terça-feira, 19 de Julho, em plenário da AML: o PSD absteve-se e, contas feitas, a proposta de revisão não passou. Há agora várias obras públicas na cidade que ficam, em teoria, suspensas ou, pelo menos, com futuro incerto. Mas vamos aos detalhes…

O que é que aconteceu ao certo?

Os deputados municipais votaram nesta terça-feira, em sessão plenária, uma proposta de revisão ao plano da SRU para este ano, no qual se propunham alterações ao orçamento inicial. A votação abrangeu dois documentos centrais: de um lado, a versão revista do Plano de Actividades e Orçamento (PAO) da SRU para este ano de 2022; do outro, uma proposta que condensa os vários aditamentos aos diferentes contratos celebrados entre a CML e a SRU e que basicamente permite que o PAO possa ser executado. A aprovação dos dois documentos teria de acontecer para que os mesmos entrassem em vigor.

Mas, como observa o Observador, a votação acabou por ser tão inesperada que até a Presidente da AML, Rosário Farmhouse, hesitou na hora de anunciar que a revisão do plano da SRU tinha sido chumbada com a abstenção do PSD. O PSD, que na AML é liderado por Luís Newton, juntou-se ao PS, IL, PAN, PPM e aos dois deputados independentes (Miguel Graça e Daniela Serralha) na abstenção; BE, PCP, PEV, Livre, Chega e o Presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Ricardo Marques (PS), votaram contra; apenas CDS, Aliança e MPT votaram a favor, o que não foi suficiente para ambos os documentos passarem.

Podes ver de seguida os dois documentos votados:

O que é que alegou o PSD? E o que disseram os outros partidos?

Luís Newton, líder da bancada municipal do PSD e também Presidente da Junta de Freguesia da Estrela, disse que o seu partido discorda do “modelo operacional e de gestão da SRU” e que “não estão a ser implementadas até agora quaisquer mudanças de fundo” ao mesmo. “Teremos de ser muito claros. O PSD não concorda com o modelo de funcionamento da SRU. O PSD não concorda com esta alteração hoje aqui proposta”, garantiu Newton, acrescentando que esse não é o modelo que “os Novos Tempos representam”, mas ressalvando que a Câmara de Lisboa deve “ser sempre uma pessoa de bem” e manter os compromissos já assumidos.

Quando o representante do PSD subiu ao púlpito para anunciar o sentido de voto do partido – o de uma abstenção –, já se adivinhava que a votação final não seria favorável. Afinal, BE tinha anunciado um voto contra, PS também uma abstenção, tal como a IL. Os bloquistas, pela voz do deputado Vasco Barata, consideram “uma má política” o envolvimento de privados na construção de habitação de renda acessível porque “politicamente aprofunda o erro histórico de o publico continuar a favorecer a financiar o negocio privado”. Apesar de valorizar a urgência de intervenções como a da Quinta do Ferro, o BE lamentou que a revisão proposta ao plano da SRU revisse em baixa o investimento em obras públicas com “reduções na habitação e na saúde” e o “fim ou desaparecimento da ZER”.

Por seu lado, Rodrigo Mello Gonçalves, da IL, justificou a sua abstenção não com uma discórdia da revisão do plano da SRU, mas com a disponibilização dessa informação “muito em cima da hora”, tendo exemplificado que “os anexos e aditamentos chegaram-nos na sexta-feira ao final do dia”, o que não terá dado tempo “para analisar tudo”. Também António Valente, do PAN, enquadrou a abstenção do partido com a chegada da informação “muito em cima”. “Precisamos de mais tempo de análise”, disse. Já Jorge de Sá, do Aliança, apoiou-se na declaração de Newton e lembrou que a SRU “é uma empresa com mau histórico e não pode novamente transformar-se numa empresa de ‘posso, quero e mando’ na cidade, sem ser escrutinada, sem ser auditada e sem ser ouvida por aqueles que têm o voto popular”.

Pelos socialistas, a deputada Carla Madeira elaborou que, “como partido responsável que é” que “quer que as restantes obras previstas no plano se concretizem”, o PS ia “viabilizar esta proposta abstendo-se”. Os socialistas apresentaram, no entanto “perplexidade e preocupação” com a revisão ao PAO da SRU por representar “uma diminuição em equipamentos sociais e de habitação na ordem dos 22 milhões de euros” e o cancelamento de “projectos importantíssimos”, como centros de saúde ou escolas. “No total, são retirados mais de 500 fogos” ao plano original, contabilizou Carla Madeira.

O socialista Ricardo Marques, Presidente da Junta de Freguesia de Benfica, disse que, ao contrário do seu partido, ia votar contra por não poder “em consciência” abster-se “daquilo que é colocar em stand-by o investimento prometido à freguesia há 30 anos” – Ricardo referia-se ao centro intergeracional das Garridas, um equipamento que juntaria no mesmo espaço os mais novos e os mais velhos, e que teria um lar de idosos. O Presidente da Junta de Benfica disse que essa decisão de adiamento “não foi debatida com a Junta de Freguesia” e que já tinha mostrado o seu desagrado ao Presidente da Câmara e à Vereadora Filipa Roseta, responsável pela SRU, e lembrou que “uma parte substancial da obra” já tinha começado, com “estudos e fundações”.

E agora? Fica tudo suspenso?

Este chumbo significa que a revisão do PAO da SRU para este ano fica suspenso, mantendo-se em vigor o PAO que tinha sido aprovado no início do ano. E é aqui que está o problema da questão. Tanto a CML como a SRU sabem que há obras que estavam previstas e orçamentadas no início do ano que não podem ser realizadas, mas, sem haver uma revisão e uma deslocalização dessas verbas, devidamente aprovadas, a SRU não pode lançar uma outra obra que seja exequível em vez de outra que não pode ser feita.

Ou seja, e como se costuma dizer, “nem o pai morre, nem a gente almoça”. A SRU terá projectos que podia estar a adiantar em vez de outros que são inviáveis, mas não pode fazê-lo porque o orçamento e os contratos não lhe permitem. Isto significa que há obras que estão inscritas no PAO “original” que não vão acontecer e cujas verbas estão na mesma reservadas para esses investimentos; e há obras que estão no PAO revisto que não podem avançar.

Porque é que o plano da SRU foi revisto?

O Plano de Actividades e Orçamento (ou PAO, na sigla) é um documento que orienta as empresas municipais na sua actividade num determinado ano – neste caso, 2022 –, apresentando ao mesmo tempo linhas orientadoras para os quatro anos seguintes que são depois reajustadas anualmente. O PAO da SRU para 2022-2026 foi elaborado no final do ano passado, numa altura de mudança executiva na Câmara de Lisboa, dando continuidade aos compromissos anteriores; a aprovação deu-se no final de Janeiro deste ano, primeiro pela CML e depois pela AML.

Uma revisão ao PAO foi trabalhada nos quatro meses seguintes entre o novo conselho de administração da SRU – que tomou posse também em Janeiro, liderado por António Lamas – e o município. Na proposta de revisão apresentada, explica-se que “foram analisados todos os processos em curso, de empreitadas, de projectos e estudos, e realizadas reuniões de trabalho com as Direcções Municipais” da CML.“Hoje, sobretudo devido à guerra na Ucrânia, verificam-se alterações que obrigam a uma revisão adicional em alta dos valores previstos, alterações essas que em alguns casos se chegaram a traduzir em empreiteiros terem desistido de obras em fase de adjudicação”, pode ler-se também no documento.

Segundo a proposta de revisão apresentada (que podes ler em cima), e de acordo com explicações da Vereadora Filipa Roseta, responsável pela supervisão da SRU, na AML, a revisão do plano da SRU pretendia libertar verba para projectos que pudessem já ser executados, uma vez que havia problemas com empreitadas previstas, seja pela subida de preços devido ao contexto global, seja por outras questões como problemas com loteamentos. “O objectivo foi tentar avançar com todas as obras que neste momento tinham condições para avançar e não termos previstas obras que não tinham condições para avançar”, explicou Filipa Roseta.

A Vereadora do PSD, que também tem a pasta da habitação, deu dois exemplos: o de “dois grandes concursos da SRU [o dos lotes 7 e 10 do Programa de Renda Acessível de Entrecampos] que fecharam este ano e que não foram adjudicados porque não houve quem fizesse propostas” por o “valor da construção estar 30% acima do que estava no mesmo mês há um ano atrás”; e o do centro intergeracional das Garridas, cuja obra “estava em 21 milhões” quando “inicialmente estava pensada para seis milhões”. “Tivemos de sentar e perceber o que era prioritário, e fazer escolhas para não estarmos a lançar coisas que não íamos conseguir cumprir.”

Render da intervenção em curso para o novo Largo do Rio Seco (imagem cortesia de CML/SRU)

A proposta de revisão da SRU pretendia “permitir o normal decurso das empreitadas já em curso”, como são a do novo Largo do Rio Seco, na Ajuda/Alcântara, ou as de vários centros de saúde e escolas, mas também o “lançamento de empreitadas já mandatadas pela CML para as quais se verifica a necessidade de proceder a acertos no valor base”. Ao mesmo tempo, colocava na calha “novas linhas de acção identificadas como prioritárias pelo novo executivo camarário”, como a “regeneração nos grandes vales da cidade, hoje territórios fragmentados”, nomeadamente os vales de Chelas, da Ajuda e de Santo António; e reservava verbas para o “futuro Parque do Tejo-Trancão”, onde decorrerão os principais eventos da Jornada Mundial da Juventude, que em 2023 decorre entre Lisboa e Loures.

No plano revisto, dava-se prioridade à reformulação da Avenida Santos Drumont, entre a Praça de Espanha e o Rêgo, à Quinta do Ferro ou à grande intervenção urbanística em Santa Clara (Ameixoeira), enquanto que se colocava de lado equipamentos como o Centro Intergeracional das Garridas ou a Unidade de Saúde de Telheiras, algumas escolas e creches, ou ainda a ZER ABC (mas mantinha o planeamento da intervenção na Avenida da Liberdade, que estava integrado nessa ZER). As alterações estão devidamente justificadas nas primeiras páginas da revisão.

O que é a SRU, afinal?

A SRU é uma Sociedade de Reabilitação Urbana, isto é, uma empresa pública com o objectivo de facilitar no desenvolvimento e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas. Em 2018, as SRUs passaram a pertencer apenas aos municípios e, em Lisboa, mantém-se activa apenas a SRU Lisboa Ocidental, que foi criada para reabilitar a zona ocidental da cidade. Mas, com a extinção de outras SRUs e com a municipilização das mesmas, a SRU Lisboa Ocidental foi alargando o seu âmbito territorial a toda a cidade e hoje é responsável por uma vasta maioria de grandes obras públicas em Lisboa, nas áreas do espaço público, da habitação e da saúde. A SRU, que continua a chamar-se “SRU Lisboa Ocidental”, tornou-se a empresa municipal de obras públicas por excelência.

As intervenções de espaço público a cargo da SRU (mapa cortesia da própria)

É a SRU que tem reabilitado escolas, construído novos centros de saúde e assinado os projectos municipais na área da habitação acessível. No campo do urbanismos e espaço público, a SRU é responsável por algumas empreitadas no âmbito do programa municipal Uma Praça Em Cada Bairro, como o Largo do Rio Seco ou a nova Praça de Espanha. No arranque da discussão da revisão do plano da SRU na AML, a deputada socialista Maria Irene Lopes, que preside à 1ª Comissão Permanente da AML, responsável pelas questões das Finanças, Património e Recursos Humanos, realçou ainda a importância da SRU, referindo que “é quase uma segunda Câmara que está aqui, muitos municípios em Portugal gostariam de ter o orçamento que a SRU tem para fazer obra”.

Maria Irene Lopes sugeriu a promoção de uma Assembleia temática dedicada à SRU onde a empresa municipal e os deputados pudessem discutir os projectos de grandes obras para a cidade – um debate que seria também aberto à população. Coube à 1ª Comissão emitir um parecer sobre cada um dos dois documentos que, na terça-feira, foram apreciados pelos deputados em plenário. “Tornou-se bastante difícil para nós fazer coisas a correr, compreendemos a dificuldade e acreditamos que no segundo ano já não será assim”, comentou Maria Irene, realçando os prazos apertados com que tiveram de trabalhar devido à “mudança política” e que não houve sequer tempo para envolver outras Comissões da AML, como a comissão que trata o Urbanismo

“Achamos que a actividade da SRU deve ser escrutinada e achamos que este é o melhor fórum para o fazer, dada a diversidade deste fórum”, comentou Filipa Roseta, respondendo a algumas preocupações dos deputados municipais, garantindo que “o concelho de administração da SRU está sempre disponível” para “ver obra a obra, freguesia a freguesia, o que é necessário”. Reconheceu ainda que os prazos este ano foram mais apertados.

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