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Suja, escura, mal cheirosa: a passagem pedonal subterrânea de Alcântara

No conhecido nó de Alcântara, o carro é rei. E quem queira atravessar o mar de asfalto e a linha de comboio tem de ir por um túnel sujo, escuro e mal cheiroso. CML já aprovou uma proposta para requalificar aquela passagem pedonal subterrânea, que é da sua responsabilidade desde 2005.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

Quem anda de transportes públicos, a pé ou de bicicleta e passa pela zona de Alcântara tem de passar por uma passagem inferior degradada se quiser ir da zona ribeirinha para a parte mais central de Alcântara, e vice-versa. À superfície, é o carro que manda: há poucos atravessamentos pedonais e os existentes não permitem ir de um lado ao outro sem usar o túnel. Também há a barreira criada pela linha de comboio.

A 14 de Julho, em reunião de Câmara, foi aprovada por unanimidade uma proposta apresentada pelos Vereadores do PCP para a “reabilitação, requalificação e revitalização da Passagem Pedonal Subterrânea de Alcântara”. Segundo o texto da proposta, consensual entre todas as forças partidárias, pretende-se que a autarquia inicie “processo de recuperação da Passagem Pedonal Subterrânea de Alcântara, com vista a lhe conferir as adequadas condições de utilização em termos de segurança e salubridade e mobilizar os meios adequados a garantir a sua manutenção futura”. A proposta inclui também que se inicie o estudo e o projecto de requalificação de toda aquela zona de Alcântara, “em obediência ao Plano de Urbanização de Alcântara e em articulação com a rede de LIOS preconizada, contemplando uma alternativa sustentável à passagem pedonal subterrânea actual e às ligações precárias hoje utilizadas”.

Um ambiente pouco iluminado e, por isso, inseguro para muitas pessoas; escadas rolantes que não funcionam há demasiado tempo e onde se acumula lixo; ausência de elevadores ou de outra alternativa para pessoas de mobilidade reduzida e cadeiras de criança; graffitis que escondem os murais de arte urbana que foram ali pintados há uma década; poças de água fruto das limpezas que vão sendo ali feitas; um café que fechou portas em 2013 e que nunca mais teve outra ocupação; evidências e relatos de consumo de droga… Enfim, um ambiente desconfortável com o qual muitas pessoas têm de conviver diariamente: as pessoas que se deslocam entre as estações de Alcântara-Terra e Alcântara-Mar; quem precisa de aceder à estação de Alcântara-Mar porque não existem atravessamentos pedonais à superfície; passageiros da Carris que precisem de atravessar a Avenida da Índia para apanhar o autocarro do outro lado; pessoas que queiram simplesmente ir da frente ribeirinha para a parte interior de Alcântara, e vice-versa.

A passagem pedonal subterrânea de Alcântara foi inaugurada em 1972, juntamente com duas pontes metálicas para automóveis sobre o comboio, eliminando-se a passagem de nível existente naquele ponto da Linha de Cascais. Depois de anos entregues à gestão da CP e da então Refer (hoje IP), o túnel passou em 2005 para posse da Câmara de Lisboa, que, em 2013, sob presidência de António Costa, prometia o lançamento de um concurso público para uma reabilitação profunda do mesmo. Prometia-se duas rampas em cada uma das pontas do túnel, permitindo o acesos de cadeiras de rodas e de bicicletas; prometia-se um ainda novo estabelecimento comercial em substituição do café encerrado, um posto de apoio da PSP e ainda sanitários públicos. Nada avançou. Também não avançaram os elevadores que a Refer (hoje IP) prometia instalar para melhorar o acesso aos cais da estação.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

Nesse ano, a Câmara de Lisboa realizou apenas algumas melhorias de penso rápido, como limpeza e correcção da iluminação.“Queremos que isto seja um local de paragem para os turistas. Que tenha um café agradável, uma livraria e uma tabacaria”, afirmava em 2013 João de Sá Machado, coordenador da Unidade de Intervenção Territorial Ocidental da autarquia, ao jornal Público. “Interessa-nos que isto passe a ser um sítio para estar, mais do que para passar.”

Hoje, a passagem subterrânea de Alcântara continua a ser um sítio onde não se quer estar, nem passar – mas não há alternativa. As duas pontes metálicas construídas sobre a Linha de Cascais, que têm duas vias de trânsito e nenhum passeio, já poderiam ter sido intervencionadas com uma empreitada de baixo custo para permitir a circulação segura de bicicletas e de peões, criando-se uma alternativa rápida ao túnel e eliminando a barreira que hoje pessoas de mobilidade reduzida têm naquela zona. De resto, relatos de degradação da passagem subterrânea têm-se repetido ao longo dos anos. Em 2009, o Diário de Notícias escrevia sobre a “miséria de Alcântara”; em 2013, um utilizador daquela infraestrutura denunciava num blogue o cenário de “destruição e vandalismo”; mais recentemente, este ano, o jornal Mensagem escrevia que o túnel “está como há uma década, ao abandono”.

Em 1991, foi complementada com uma passagem superior a ligar directamente as duas estações ferroviária de Alcântara, com passadeiras rolantes a facilitar a mobilidade pedonal; mas todo este equipamento acabou por ser demolido em 2008 devido ao seu avançado estado de degradação e abandono. Agora, está prevista a ligação da Linha de Cascais com a Linha de Cintura, com a construção de uma nova estação em Alcântara, subterrânea, ligada à interface futura do Metro e do LIOS; no entanto, este projecto – previsto no Plano Nacional de Investimentos (PNI) 2030 – ainda não tem datas nem financiamento previsto.

Certo é que com a chegada do Metro a Alcântara, com a construção do LIOS – o metro ligeiro de superfície que irá ligar a Oeiras e Amadora –, com a nova estação ferroviária e com a reorganização de todo o espaço público – prevista no Plano de Urbanização –, Alcântara deverá tornar-se no futuro numa das mais importantes interfaces intermodais da cidade. Por agora, existem problemas imediatos a resolver. A proposta aprovada pela Câmara de Lisboa em Julho reconhece que, “independentemente das intervenções pressupostas na zona em questão por parte de entidades supra municipais, (…) é possível ao Município avançar na requalificação do espaço público ao longo das ruas de Cascais, João Oliveira Miguens e Avenida de Ceuta na envolvente da estação de Alcântara-Terra, bem como na estruturante intervenção na Avenida da Índia/ligação à Avenida de Brasília”.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

O texto da proposta indica ainda que o percurso pedonal entre as duas estações de comboio não tem “as devidas condições de segurança, nomeadamente na Rua Prior do Crato (sem passadeira), no estrangulamento do passeio da Rua de Cascais e por fim na Passagem Pedonal Subterrânea (muito degradada)”. Reconhece-se que “a Passagem Pedonal Subterrânea de Alcântara não reúne hoje as adequadas condições de utilização para as passagens para o lado do rio e assegurar a utilização, diariamente, pelas centenas de pessoas que usam os comboios ou por quem se desloca a pé para trabalhar ou para usufruto das zonas de lazer”.

Mário Rui André

Jornalista e editor do Lisboa Para Pessoas, jornal local sobre Lisboa e a área metropolitana. Tenho 30 anos de vida na capital e 10 anos de experiência em comunicação social, tendo co-fundado o Shifter, uma revista independente e de referência na área da tecnologia. Estudei publicidade e marketing na Escola Superior de Comunicação Social e, mais tarde, jornalismo e comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Escrevo sobre Lisboa e sobre cidades, mobilidade e urbanismo no geral. Acompanho uma visão mais humana do espaço público, e sou pela cidadania e pela transparência da parte dos órgãos governativos.Ver Posts de autor

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