O MetroPublicNet é um projecto de investigação para pensar e definir as bases de uma possível Rede Metropolitana de Espaço Público na área metropolitana de Lisboa.
Pensar o espaço público à escala da área metropolitana de Lisboa e construir os fundamentos para uma Rede Metropolitana de Espaço Público são objectivos do MetroPublicNet, um projecto de investigação que está a ser desenvolvido no seio da Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Numa manhã de sol, a 14 de Março, o MetroPublicNet abriu-se à comunidade e realizou um passeio por alguns desses espaços públicos na cidade de Lisboa.
O passeio foi promovido entre os investigadores do MetroPublicNet e o Centro de Informação Urbana de Lisboa (CIUL), e contou com a participação de uma dezena de pessoas, que se inscreveram previamente. Foi um momento de interligação entre a academia e a sociedade civil, permitindo a esta segunda contactar não só com o projecto de investigação que está a ser desenvolvido, mas também com outros olhares e perspectivas sobre espaços que conhecem ou talvez não. A visita iniciou-se na vinha de Lisboa, com vista para a 2ª Circular e para o aeroporto, seguiu por um parque hortícola no Vale de Chelas, foi até à foz do Trancão, onde se está a terminar o Parque Tejo, iniciado na Expo’98, e terminou no Parque Ribeirinho Oriente, construído em Braço de Prata à boleia de um novo complexo habitacional.
Liderado pelos investigadores João Rafael Santos e Maria Matos Silva, da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, o MetroPublicNet propõem-se a “construir os fundamentos de uma Rede Metropolitana de Espaço Público como suporte da cidade robusta, descarbonizada e coesa”, conforme se pode ler na descrição do projecto, disponível online. A ideia desta Rede pressupõe, desde logo, pensar a cidade além das fronteiras municipais, isto é, como uma metrópole interligada. O projecto de investigação foi iniciado em Março de 2021 e tem a duração de três anos, devendo terminar em 2024 com a publicação de livros e brochuras com recomendações, orientações políticas e cenários possíveis para uma potencial Rede Metropolitana de Espaço Público.
“Queremos perceber como é que nos últimos 20 anos, no pós-25 de Abril, a área metropolitana de Lisboa se foi transformando do ponto de vista do espaço público”, explicou João Rafael Santos no início do passeio, destacando que esse espaço temporal ficou marcado “por uma enorme diversidade e quantidade de intervenções no espaço público”. A equipa do MetroPublicNet está a mapear esses projectos, com vista a criar um arquivo abrangente, online e de acesso aberto, de requalificações de ruas, praças e frentes ribeirinhas, de criação de espaços verdes ou de infraestruturas de gestão de água, de novas interfaces de transporte público, de organização de estacionamento, ou de intervenções em áreas urbanas de génese ilegal. “Para terem uma ideia, já mapeámos mais de 1000 intervenções. Os municípios são os grandes promotores destas requalificações”, apontou o professor de arquitectura. Este mapa e base de dados de projectos de espaço público constituirá o recurso central do MetroPublicNet em termos de recolha e sistematização de dados.
Analisar o que existe, pensar o futuro
Tendo como ponto de partida a experiência de qualificação do espaço público na área metropolitana de Lisboa desde 1998, o MetroPublicNet fará uma “leitura crítica das múltiplas intervenções, das suas lógicas, objectivos e resultados”, procurando as bases para uma futura Rede Metropolitana de Espaço Público, acreditando-se que esta perspectiva metropolitana “pode proporcionar respostas mais integradas, robustas e coesas aos desafios da resiliência ambiental, da mobilidade de baixo carbono e da coesão territorial” – conforme se pode ler na informação disponível online sobre o projecto. Aliás, “em territórios extensivos confrontados com problemas de fragmentação ecológica, dispersão urbana e mobilidade ineficiente, como é o caso da AML, é necessária uma visão metropolitana para articular vários sistemas e promover uma distribuição mais equilibrada de recursos e oportunidades. Esta escala é fundamental para estruturar coerentemente redes sinérgicas, contínuas e conectadas, como as de infraestrutura verde, transporte e equipamentos urbanos”.
“O enquadramento temporal do projecto (1998-2020) e o seu foco espacial (área metropolitana de Lisboa) proporcionam um campo de grande riqueza e diversidade de experiências”, perspectiva ainda a equipa de investigadores. “Trata-se de um período durante o qual se evidenciou uma progressiva transição de uma lógica metropolitana assente na expansão urbana para um modelo orientando para uma maior compacidade e baseado na regeneração urbana; por outro lado, a amL tem-se sido um verdadeiro laboratório de aplicação de várias políticas de desenvolvimento urbano, nomeadamente as que enquadram a aplicação de fundos comunitários, colocando-se a necessidade de uma leitura e interpretação críticas para futuros ajustamentos e recomendações.”
“Achamos que na área metropolitana de Lisboa pode haver algo mais que uma multiplicação de projectos. Podemos pensar uma escala mais alargada, planeando de forma integrada e encontrando financiamento em conjunto”, aponta João. O MetroPublicNet centra-se em três perspectivas na sua análise e mapeamento do espaço público: a infraestruturas azuis e verdes, como os corredores verdes, as frentes ribeirinha, os espaços de agricultura urbana ou os projectos de gestão de inundações; a caminhabilidade e mobilidade activa, promovidas através de um urbanismo orientado para o transporte público e da promoção de percursos pedonais e cicláveis acessíveis; e a conexão e coesão dos bairros, através da promoção da multifuncionalidade, da vitalidade comercial e do convívio social.
Além da cidade: a metrópole
Na verdade, segundo João, a Expo’98 abriu caminho a novos tipos de espaço público que passaram a poder ser trabalhados. “Podemos questionar se uma área com uma componente agrícola é um espaço público. O espaço público pode, além do recreio e lazer, também ter uma dimensão produtiva?” No passeio no qual o MetroPublicNet nos levou por Lisboa, visitámos o parque vinícola da cidade, onde essa pergunta ganha outro enquadramento.
Com uma área de dois hectares, o Parque Vinícola de Lisboa é municipal mas a gestão está entregue à Casa Santos Lima, que trata das vinhas e recolhe o vinho. Em meados de Março, quando esta visita se realizou, a Primavera já começava a “puxar” a folhas. “Todos os dias vemos folhas novas a aparecer. Dá vontade de ficar aqui olhar para ela a puxar”, brincou um representante da Casa. As condicionantes do terreno e do clima daquele espaço são refletidas nas características do vinho que se obtém da vindima – desde as pedras que subsistem no espaço, ao vento “que afasta doenças” (estamos numa zona ventosa), ao “calor do Verão que vai trabalhar na uva quando ela está madura” (é uma zona com muita exposição solar). “Isto era um terreno muito maltratado”, lembra o responsável, explicando que cabe à Casa Santos Lima a manutenção de todo o parque. Apesar da intervenção humana, deixa-se a Natureza intervir também, até porque se quer atrair biodiversidade para o local e porque é bom ter algumas ervas daninhas – “a vinha, sendo esperta, precisa de concorrência para as suas raízes irem mais fundo”, elucida o especialista.“O nosso interesse aqui não é económico, é de posicionamento”, disse. Apesar de dar oito toneladas por ano, a vinha de Lisboa serve para aproximar a Casa Santos Lima à cidade. O parque está geralmente fechado ao público, mas abre-se para visitas de escolas e de outros grupos.
O passeio prosseguiu para o Vale de Chelas, onde funciona um dos muitos parques hortícolas municipais. Neste ponto, uma técnica da Câmara de Lisboa fala-nos do papel distinto dos diversos parques hortícolas, uns mais de lazer, outros com uma vertente social, de apoiar famílias desfavorecidas que podem ter na produção de alimento uma forma de poupar na conta do supermercado ou mesmo de fazer alguma receita – é o caso deste parque de Chelas. “Sendo esta uma zona mais desfavorecida socialmente, este parque tem uma valência social e permite um complemento à economia das famílias”, descreveu. Falou-se sobre a “manutenção pesada” destas infraestruturas, onde, por exemplo, a água é gratuita, convidando a abusos. Além da sensibilização para a utilização desse recurso, em Chelas está a ser testado um sistema duplo de caudais: um caudal mais forte ao início e ao final do dia, para forçar a rega nestes períodos, e um menos forte nos restantes períodos. Na gestão dos parques hortícolas e relação com os hortelãos, é precisa alguma sensibilidade. Ao mesmo tempo, é dada bastante liberdade a quem cultiva. “Podem plantar tudo, menos árvores.”
“O projecto de parques hortícolas municipais começou em 2007 por se querer muito dinamizar a agricultura em meio urbano”, detalhou a técnica municipal. Os primeiros parques foram na Quinta da Granja, em Benfica, e no Jardim da Amnistia Internacional, em Campolide; ao longo do tempo, tem-se procurado instalar a agricultura urbana “no meio da cidade, em jardins e parques onde as pessoas já estão”, para suscitar a curiosidade da população – “para as crianças é muito importante verem de onde as frutas e legumes vêm”. “No conjunto da cidade, existem hoje 23 parques. A média de idades dos hortelãos ronda os 58 anos. Um terço são mulheres, perto de metade é população activa, 26% são desempregados.” Os talhões são atribuídos por concurso e tendo como critério principal a distância da residência das pessoas ao parque, estando a ser revisto esse procedimento, uma vez que existem listas de espera infindáveis em alguns locais. Há uma anuidade simbólica, sendo que nos parques hortícolas com cariz social beneficia-se de um desconto de 80%.
A viagem terminou na frente ribeirinha: junto à foz do Trancão, viu-se o avançar das obras que, a propósito da Jornada Mundial da Juventude, vão concluir o Parque Tejo, que se iniciou para a Expo’98. “Temos aqui finalmente a conclusão do projecto do Parque das Nações. Chegámos finalmente ao concelho de Loures.” As duas margens – a de Lisboa e a de Loures – vão, por fim, ficar unidas por uma ponte ciclopedonal que permitirá chegar, a pé ou de bicicleta, a uma zona de rio actualmente inacessível e que passará a contar com uns passadiços (que nos permitirão chegar a Vila Franca de Xira). Nesta parte da visita, falou-se sobre a descontaminação dos solos que foi preciso fazer na Expo e agora. “Esta zona é uma gelatina em cima de terras movediças. Sabemos muito bem onde está o quê, onde estão os químicos. Estudos sobre esses passivos ambientais não faltam, mas falta muitas vezes o que vem a seguir – os projectos de arquitectura”, foi explicado pela equipa do MetroPublicNet. “Tecnicamente, se houver financiamento, conseguimos tudo fazer tudo para resolver esses passivos. Se tivermos todo o dinheiro do mundo, podemos levar este lixo para outro lado.” Ou seja, a regeneração do espaço público não precisa de ficar suspensa pela existência de solos contaminados, podendo esta questão ser resolvida de uma maneira ou de outra, dependendo – como em muita coisa – da capacidade de investimento que se tem.
Por vezes, as soluções para esses tais químicos podem estar em soluções baseadas na Natureza. Na verdade, a foz do Trancão é também um grande sapal. “Os sapais já não são algo que incomoda e de que temos nojo. Podemos criar mais sapais para plantas absorverem os poluentes”, dizem-nos. “E esses sapais podem fazer parte do nosso espaço público”, como os novos passadiços que estão a ser criados em Loures mostrarão. “A cidade já não se restringe aos seus limites administrativos e pelas barreiras naturais como os rios. É importante conseguirmos percorrer essas frentes ribeirinhas, usufruir delas em toda a sua extensão e abrir novas paisagens”, tal como se fez na altura da Expo’98 – que nos abriu “uma paisagem que estava escondida atrás de indústrias e de contentores”. “E a partir do momento em que estas coisas estão mais ligadas, deixamos de estar nesta dualidade de centro e periferias”, apontam os investigadores do MetroPublicNet.
Não saímos tecnicamente de Lisboa, e fomos em direcção a Braço de Prata; conhecemos aqui o Parque Ribeirinho Oriente ou, pelo menos, a primeira fase deste – uma área desaproveitada junto ao rio foi reabilitada, à boleia de um novo investimento imobiliário e do espírito urbanístico do Parque das Nações. Plantaram-se árvores, criaram-se pequenos bosques, colocaram-se bancos e outro mobiliário, desenharam clareiras relvadas e instalaram-se contentores que, em breve, deverão ser concessionados para receberem uma cafetaria, uma biblioteca e um serviço de aluguer de bicicletas. “É uma zona muito ventosa e perto do rio, tínhamos de escolher espécies muito bem adaptáveis a este clima específico”, relatou uma das arquitectas autoras do projecto. “Procurou-se também criar um espaço que pudesse ser auto-sustentável no futuro, com pouca rega e plantas que se aguentassem bem em seca.”
O espaço público na área metropolitana de Lisboa
A área metropolitana de Lisboa (amL) partilha com muitas metrópoles europeias padrões territoriais associados a processos de crescimento rápido, intensivo e descontínuo na segunda metade do século XX, de que resultaram situações problemáticas de fragmentação e dispersão urbana. Por outro lado, partilha também uma tendência de mudança estrutural na sua dinâmica territorial, com uma redução do ritmo de consumo de solo rústico e de espaços abertos pelos processos de urbanização, a par de um aumento dos projectos de requalificação e regeneração urbana e territorial, em particular nos últimos 20 anos.
As políticas urbanas têm acompanhado esta tendência não só através de ferramentas normativas de planeamento – com maior restrição à expansão urbana – mas também através da promoção activa de projetos urbanos enquadrados em objectivos de desenvolvimento sustentável e em resposta a desafios societais emergentes. Em linha com as agendas políticas da União Europeia e seus quadros de financiamento, e com o envolvimento de vários níveis de governo e diversos actores sectoriais, muitos projetos de espaço público foram implementados na amL com uma fundamentação centrada na promoção da resiliência ambiental, da mobilidade sustentável e da inclusão social.
Neste quadro, os municípios desempenham um papel central na construção de programas de intervenção urbana em áreas de interesse patrimonial, áreas de valor ambiental e de promoção da mobilidade ativa. Os projectos mais recentes têm vindo a ser implementados em lugares mais heterogéneos, externos aos núcleos históricos e, frequentemente, entendidos como periféricos, reconhecendo a diversidade metropolitana e a necessidade de fomentar a coesão territorial e um desenvolvimento urbano equilibrado.
O MetroPublicNet continuará a fazer visitas e outras acções abertas à população. Podes acompanhar o trabalho no site do projecto, e também nas redes sociais Facebook, Instagram e LinkedIn. O projecto de investigação procura também contribuir para o debate nacional e europeu sobre a política territorial e a escala metropolitana, e quer ser proactivo na concepção do espaço público através de recomendações de políticas e propostas de intervenção. Haverá pelo menos dois livros e três brochuras publicadas.
Por agora, podes conhecer em baixo um dos outputs do projecto, que foi apresentado no final de 2022 quando se registaram múltiplas inundações em meio urbano – um conjunto de reflexões sobre o papel do espaço público na promoção da necessária adaptação do espaço urbano ao ciclo da água e, em particular, aos fenómenos extremos de precipitação, acompanhados por cinco princípios de actuação e por uma selecção de dezoito projectos implementados na amL.