O centro de acolhimento a pessoas sem abrigo de Santa Bárbara, em Arroios, vai fechar e a Vereadora dos Direitos Sociais, Sofia Athayde quer abrir quatro pólos em quatro bairros sociais. Em 2025, promete um “pólo social inovador” em Marvila, numa antiga escola. A esquerda está contra a proposta e apresentou uma ideia alternativa, numa…
Os vereadores e vereadoras da oposição na Câmara de Lisboa reuniram-se na manhã da passada quinta-feira, 15 de Junho, no Quartel de Santa Bárbara, em Arroios, onde funciona um Centro de Acolhimento de pessoas sem-abrigo, para visitar o espaço e dar a conhecer à comunicação social uma proposta que redigiram em conjunto: querem que este centro se mantenha central na cidade, na zona de Arroios, e que não seja “empurrado” para Marvila, como propõe Sofia Athayde (CDS), actual Vereadora dos Direitos Sociais.
Desde 2021 que o antigo Quartel de Santa Bárbara da GNR acolhe pessoas em situação de sem abrigo. É um dos quatro centros de acolhimento que foram criados na cidade de Lisboa no contexto da pandemia de Covid-19. E é um dos dois que continua em funcionamento; o outro fica na Casa do Lago, na freguesia de São Domingos de Benfica (a autarquia fechou no início de 2022 os centros localizados na Pousada da Juventude, em Moscavide, e na Casa dos Direitos Sociais, em Marvila, alegando falta de condições dignas e referindo que as pessoas que estavam a receber ajuda nesses espaços continuariam a ser acompanhadas).
Em Santa Bárbara, o designado Centro de Acolhimento de Emergência Municipal (CAEM) oferece uma resposta inovadora à problemática dos sem abrigo e tem gestão partilhada por três entidades: a Câmara de Lisboa, por um lado, e duas associações, a Vitae e a Ares do Pinhal, que recebem financiamento do município desde 2020. O centro instalado no Quartel tem capacidade para 128 pessoas e dispõe de equipas multidisciplinares que articulam directamente com as equipas de rua, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e várias estruturas da Saúde, Empregabilidade e Cultura, recebendo homens, mulheres, casais, bem como os seus animais de estimação.
O CAEM de Santa Bárbara divide o espaço do antigo complexo militar com um pólo cultural desde Setembro de 2022; foi nesse mês que se mudou para aquele local o Largo Residências, depois de, meses antes, ter sido expulso pela especulação imobiliária do Intendente. O espaço cultural conta actualmente com 140 trabalhadores e quatro dezenas de projectos de cariz social e cultural. Tanto o centro de acolhimento de sem-abrigo como o Largo Residências sabem que estão a prazo no antigo quartel de 22 mil metros quadrados.
É que Santa Bárbara vai ser transformado em habitação de renda acessível, uma obra do Ministério da Habitação, financiada pelo PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, que envolve 240 fogos. Estas casas vão acrescer a outras 85 casas de renda acessível que a Câmara de Lisboa (CML) tem previstas também para aquela zona, junto ao Paço da Rainha, e cujo concurso de concessão se encontra neste momento a decorrer. No total, nas imediações do Quartel estão previstas 325 habitações com preços baixos que as famílias possam pagar. O projecto do Governo para o Quartel tem de estar concluído até ao final de 2026, sob risco de ficar sem financiamento do PRR, pelo que a desocupação do espaço terá de acontecer nos próximos meses. O Largo Residências terá de encontrar uma nova solução; para o CAEM, a autarquia já tem uma alternativa prevista.
A proposta do executivo de Moedas
Que alternativa é essa? A Câmara de Lisboa quer deslocalizar o acolhimento que hoje é realizado aos sem-abrigo no Quartel de Santa Bárbara para quatro pólos em quatro bairros sociais, o do Alfredo Bensaúde (Olivais), o do Condado e o do Armador (ambos em Marvila), e a Quinta do Ourives (Beato). Segundo o jornal Público, estes centros serão transitórios, prevendo-se a abertura, em 2025, de um “pólo social inovador destinado a vários serviços sociais” na antiga Escola Afonso Domingues, na freguesia de Marvila. Esta escola foi fechada à pressa em 2010 para ser demolida para a construção da linha ferroviária de alta velocidade e da Terceira Travessia do Tejo (TTT), estando ao abandono e à mercê de actos de vandalismo desde então.
Escreve o Público que o futuro equipamento irá acolher pessoas em situação de indivíduos sem abrigo e oferecer respostas para a sua reintegração, disponibilizando também ofertas sociais abertas à comunidade; será um projecto de acolhimento permanente, contemplando “todas as valências necessárias de dignidade, integração e autonomização”, promete o gabinete da Vereadora Sofia Athayde. O financiamento aos parceiros actuais do CAEM de Santa Bárbara será assegurado “pelo período de tempo que for necessário” até que se concretize a efectiva desactivação do espaço, informou o mesmo gabinete ao Público.
O futuro do CAEM de Santa Bárbara foi conhecido na reunião camarária de 24 de Maio, quando se discutiu o prolongamento do financiamento às associações Vitae e Ares do Pinhal apenas por mais três meses, ou seja, para os meses de Maio, Junho e Julho. Foi nessa reunião que a oposição terá tomado conhecimento das intenções de deslocalizar a resposta aos sem abrigo para zonas mais periféricas da cidade, o que causou alguma indignação e levou os vereadores dos PS, Livre, BE e Cidadãos Por Lisboa (CPL) a juntarem-se numa contraproposta conjunta.
A proposta alternativa da oposição
A contraproposta do PS, Livre, BE e CPL ainda terá de ser submetida formalmente para discussão e votação numa próxima reunião camarária, mas a iniciativa foi já apresentada à comunicação social e à comunidade da cidade, numa visita ao Quartel de Santa Bárbara na passada quinta-feira, 15 de Junho. Os quatro partidos, que fazem oposição a Carlos Moedas e a Sofia Athayde na Câmara de Lisboa, discordam da ideia da Vereadora dos Direitos Sociais, considerando que “revela fraca compreensão das necessidades sociais das pessoas em situação de sem abrigo, que tipicamente permanecem nas zonas centrais das cidades, como acontece crescentemente em Lisboa em torno da Avenida Almirante Reis”.
Os vereadores da oposição entendem que “uma resposta à realidade das pessoas em situação de sem abrigo, para ser eficaz, tem de acontecer nos locais onde elas permanecem e não na periferia da cidade, de onde, mais cedo do que tarde, se afastarão em direção ao centro”, conforme se pode ler no texto da proposta conjunta. “É por isso necessário alterar o actual plano da Vereação dos Direitos Sociais e iniciar a procura por espaços alternativos que atendam às necessidades específicas e à pouca mobilidade deste grupo vulnerável, segundo critérios de proximidade aos locais de efetiva permanência e de acessibilidade dos serviços essenciais e das redes de apoio existentes”.
A proposta pede que a Câmara de Lisboa garanta que os serviços de apoio e acolhimento se mantenha “no centro da cidade, nas zonas onde estão as pessoas em situação de sem abrigo”. Assim, e perante a indisponibilidade do Quartel de Santa Bárbara (devido ao “calendário dos investimentos do PRR” e à “necessidade” de aquele equipamento “entrar em obra para construção de habitações de renda acessível por parte do Estado Central”), propõe-se, “durante dois meses, um processo de identificação de hipóteses alternativas no património da CML e do Estado situado na zona central da cidade, para a instalação de um equipamento de natureza definitiva”. Os vereadores do PS, Livre, BE e CPL entendem ainda que “as decisões a tomar futuramente deverão tomar em consideração os resultados de um processo participativo que inclui as pessoas em situação de sem abrigo, a rede de apoio e as comunidades locais, assim como as equipas técnicas das associações com experiência comprovada nas respostas psicossociais integradas”.
A proposta pode ser consultada, na íntegra, aqui:
A proposta reúne entre os vereadores oito votos, dependendo a sua aprovação do PCP. Os comunistas têm dois votos e o executivo de Moedas (PSD/CDS) tem sete. Assim, se o PCP se abstiver ou votar favoravelmente, a proposta do PS, Livre, BE e CPL é aprovada; se o PCP votar ao lado do PSD/CDS, a iniciativa será reprovada. Este segundo cenário é altamente improvável, uma vez que o PCP já disse, pela voz da sua vereadora Ana Jara, que vai aprovar o documento que optou por não subscrever. Os comunistas concordam em traços gerais com a contraproposta dos restantes vereadores, considerando que o CAEM de Santa Bárbara poderia ser deslocalizado para o antigo Hospital Miguel Bombarda, compatibilizando, assim, a resposta social com o projeto de arrendamento acessível.
Na visita ao CAEM de Santa Bárbara, os vereadores socialistas Pedro Anastácio e Inês Drummond, o vereador do Livre, Rui Tavares, a vereadora do BE, Beatriz Gomes Dias, e as vereadoras do CPL, Paula Marques e Floresbela Pinto, foram acompanhados por equipas das associações Vitae e Ares do Pinhal. Os jornalistas não foram autorizados a entrar no interior do espaço pelo gabinete da Vereadora Sofia Athayde, apesar do convite que fora enviado às redacções pelos vereadores dos diferentes partidos mencionados. No entanto, a comunicação social pôde escutar um briefing que foi feito à entrada do Quartel.
Nessa curta apresentação, representantes da Vitae e da Ares do Pinhal explicaram que no Quartel de Santa Bárbara se aposta num modelo de intervenção holístico em que as pessoas sem abrigo – que são sinalizadas pelas equipas de rua da Santa Casa (ou seja, o Quartel não tem a porta aberta, é preciso haver uma sinalização prévia) – recebem neste espaço para lá do acompanhamento tradicional. Na verdade, a resposta oferecida no Quartel inclui camas lavadas onde os residentes podem pernoitar e ter acesso a roupa lavada, casas-de-banho e outros serviços básicos. Têm ainda refeições. E podem receber acompanhamento médico e psicológico, para os ajudar não só ao nível de cuidados primeiros, mas também com ao nível da saúde mental e também com os seus comportamentos aditivos.
As 128 pessoas que estão neste momento no CAEM de Santa Bárbara podem sair e entrar livremente entre as 7 e 22 horas; algumas trabalham nos serviços das imediações, conseguindo fazer algum rendimento e estabelecendo também relações com a vizinhança e o bairro, explicam os responsáveis. Dentro do Quartel, os residentes têm em diferentes horários actividades de lazer e de comunidade, como ateliês de costura, jardinagem, cultivo de hortícolas, artes plásticas e teatro. São também convidadas a participar na preparação das refeições ao longo do dia.
As duas associações dizem que a estadia em Santa Bárbara é participada pelos próprios residentes, procurando os gestores do espaço adaptar as actividades, dinâmicas e estratégias às novas pessoas que vão chegando, respeitando as suas opções e escolhas. Este projecto de acolhimento é, assim, uma iniciativa de cooperação entre a autarquia, a Vitae e a Ares do Pinhal, mas também com a população sem abrigo. No Quartel de Santa Bárbara, trabalham neste momento 24 pessoas das duas entidades sociais, em rotação.
Não existem limitações definidas para o tempo que as pessoas podem permanecer no Quartel, mas é feito um acompanhamento aquando da saída de alguém para que essa pessoa não retorne ao ponto em que estava. Neste âmbito, à margem do projecto de Santa Bárbara, está a ser desenvolvido pela Ares do Pinhal um projecto-piloto intitulado Apartamentos de Transição, em que as pessoas sem abrigo são alojadas de forma temporária em edificado municipal e recebem aí apoio antes de se autonomizarem na vida social quotidiana; este programa funciona actualmente com um mínimo de 8-12 vagas.
Os responsáveis explicaram ainda que os sem-abrigo acaba por se fixar em zonas onde há recursos e, quando há pessoas que são ajudadas e tiradas da rua, outras pessoas chegam para ocupar o seu lugar. A zona de Arroios e o eixo da Almirante Reis tem sido uma área onde historicamente há apoio, estando também na proximidade de muitos serviços, transportes e também de hospitais, o que tem vantagens para as equipas de acompanhamento. No entanto, admitem os responsáveis que as associações da sociedade civil estão habituadas a trabalhar com o que têm e que têm capacidade para se reinventar perante novos paradigmas.
Em 2021, quando os quatro centros estiveram em funcionamento sob responsabilidade do então Vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (PS), a Vitae recebeu da Câmara de Lisboa cerca de 525 mil euros para diferentes actividades; o valor entregue à Ares do Pinhal foi aproximadamente de 258 mil euros. No final desse ano, foram encerrados dois dos quatro centros; e, em 2022, já com os Direitos Sociais da responsabilidade da Vereadora Laurinda Alves (independente da lista de Moedas) para o CAEM de Santa Bárbara a Vitae recebeu 920 mil euros e a Ares do Pinhal cerca de 438 mil euros para darem continuidade ao trabalho realizado no local. Já a associação CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo recebeu 158 mil para assegurar as refeições neste centro. Contas feitas, só no ano de 2022, a autarquia liderada por Carlos Moedas investiu mais de 1,5 milhões de euros directamente nas associações que mantém a resposta aos sem-abrigo activa em Santa Bárbara.
Em 2023, já com Sofia Atayde como Vereadora, a Vitae recebeu cerca de 307 mil euros e a Ares do Pinhal pouco mais de 146 mil euros; e as refeições foram encomendadas por cerca de 65 mil euros à Crescer – Associação de Intervenção Comunitária. Refazendo as contas, o investimento municipal em Santa Bárbara foi de mais de dois milhões de euros entre Janeiro de 2021 e Abril de 2023. Estas contas não incluem outras iniciativas paralelas, como o projecto-piloto Apartamentos de Transição, a cargo da Ares do Pinhal, pelo qual esta associação recebeu mais de 178 mil euros entre Novembro de 2021 e 2023.
Por agora, o Centro de Acolhimento de Santa Bárbara tem dinheiro para funcionar até Julho de 2023. O encerramento do CAEM foi forçado pela proprietária do espaço, a Fundiestamo, do Grupo Parpública, tutelado pelo Governo, que irá transformar o espaço num complexo de alojamento de renda acessível. É esperado que o espaço tenha de ser desocupado até Setembro para que se possa dar início às obras, com financiamento do PRR e data de conclusão máxima no final de 2026. O futuro do CAEM continuará em discussão e depende agora do executivo municipal.
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Actualização às 16h32 de 19/06/2023: corrigida imprecisão no subtítulo.