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Manuel Banza analisou os locais em Lisboa onde é prioritário criar refúgios climáticos

As ondas de calor tem-se intensificado em Lisboa. Nestes dias extremos, valorizamos ruas com árvores e espaços com ar condicionado. Mas há zonas onde faz muito calor mas há poucas opções para nos refrescarmos – zonas onde seria urgente criar refúgios climáticos. Manuel Banza, cientista de dados, apaixonado por Lisboa, identificou esses locais.

Manuel Banza é um cientista de dados apaixonado por Lisboa (fotografia LPP)

A viagem que fez a Barcelona no final de 2022 deixou Manuel Banza entusiasmado. A política progressista da capital catalã ao nível do urbanismo e da mobilidade é apontada internacionalmente como um exemplo e isso inspirou, mais uma vez, o jovem lisboeta. Ao ver os refúgios climáticos que o município de Barcelona criou para que a população pudesse abrigar das temperaturas extremas, Manuel decidiu pegar em dados da cidade de Lisboa para perceber onde é prioritário criar esse tipo de infraestruturas.

“No ano passado houve várias ondas de calor e vimos como é muito difícil andar na cidade com temperaturas extremas. Por exemplo, aqui em Arroios, onde moro, há zonas que não têm árvores e faz mesmo muito, muito calor. Quando estou a andar pelo bairro, em deslocações para ir a certos serviços ou ao supermercado, sinto que o percurso é muito doloroso. Isso em termos de saúde pública não é bom”, desabafa o cientista de dados de 30 anos. “Eu estou numa idade em que não sofro tanto com o calor. As pessoas mais velhas e as mais novas são quem sofre mais. Quando há ondas de calor, o que vemos nos jornais e na televisão é para essas faixas etárias não saírem de casa. E se calhar há outras alternativas.

Nem sempre as casas são os melhores refúgios. Estimativas oficiais avançam que entre 1,2 e 2,3 milhões de portugueses vivem em situação de pobreza energética moderada e que entre 660 e 740 mil pessoas encontram-se numa situação de pobreza energética extrema. Em Lisboa, um inquérito apresentado em 2022 – e realizado pela agência Lisboa E-Nova – reuniu uma amostra de 1508 residentes, dos quais cerca de 40% admitiu desconforto em relação à temperatura em casa durante o Inverno e 32% afirmou desconforto em casa durante o Verão; cerca de 30% admitiu sair de casa para espaços verdes quando está calor em casa.

Fotografia LPP

“Aqui em Arroios, por exemplo”, relata, “como é uma zona mais antiga da cidade, o sol bate e acaba por ficar demasiado calor o dia inteiro na casa, o que faz com que as pessoas acabam por investir em ar condicionados ou ventoinhas que também não são energeticamente eficientes”. Para Manuel Banza, isso representa “um custo. Estamos a gastar eletricidade. Não faria mais sentido apostarmos em soluções para a cidade baseadas na Natureza? Ou seja, pegarmos em soluções ambientais e incorporá-las na cidade para fazer baixar a temperatura e, ao mesmo tempo, aumentar a qualidade de vida.”

A proposta de Manuel é que se desenvolva uma rede de refúgios climáticos em Lisboa. Sabendo que já existem propostas e movimentos nesse sentido dentro da Câmara Municipal, o seu contributo é ao nível da ciência de dados: o jovem entusiasta olhou para toda a cidade de Lisboa e para a informação disponível em dados abertos sobre as áreas mais afectadas pelo efeito de ilha de calor e a localização de infraestruturas como espaços verdes, bibliotecas e arvoredo; e percebeu em que zonas da cidade mais fazem falta refúgios climáticos.

Os resultados estão aqui (clica para saltares directamente para lá).

O que são refúgios e porque são importantes?

Como consequência das alterações climáticas, as cidades têm sofrido com ondas de calor mais frequentes e intensas. Na área metropolitana de Lisboa, o número médio de ondas de calor é de 11 dias/ano e as projecções climáticas apontam para que, em 2050, seja de 38 dias/ano e no final deste século de 64 dias com temperaturas médias de 40 ˚C. Perante este cenário, é necessário que a cidade encontre medidas de mitigação para o calor que cada vez será mais sentido e uma das medidas identificadas no relatório Focused Adaptation, de 2021, realizado para a rede C40, da qual Lisboa faz parte, é a criação de “refúgios climáticos” ou “centros de arrefecimento” – locais ao ar livre ou em ambiente fechado onde a população se possa refugiar durante as ondas de calor, beneficiando de sombra e de vegetação fresca, ou de sistemas artificiais de refrigeração como ar condicionado.

Exemplo de refúgios climáticos no bairro de Sant Martí (imagem via CM de Barcelona)

Os refúgios climáticos podem ser ruas onde árvores e arbustos criam sombra e refrescam o ar; ou praças com elementos artificiais de sombreamento como telas; ou escolas onde, fora do horário lectivo, se oferecem salas frescas com sistemas de refrigeração artificial ou natural; ou bibliotecas onde o ar condicionado se torna um recurso partilhado entre todos, reduzindo o consumo de energia a nível individual. E se ao longo deste artigo nos focaremos nos refúgios em resposta às onda de calor, estes fazem sentido também nas situações opostas, de frio e chuvas intensas, que também deverão acontecer com maior frequência em Lisboa.

Em Barcelona, Manuel teve oportunidade de conhecer um pouco melhor a rede de refúgios climáticos de que o município dispõe e que envolve várias escolas públicas. “Os refúgios não têm apenas a ver com a questão de baixar a temperatura, ou seja, é importante que ofereçam temperaturas mais baixas, mas podem ser espaços de convívio e de lazer”, explica; além de serem frescos, os refúgios podem ser espaços agradáveis onde se pode passar o tempo, com bancos onde se possa sentar e conversar, ou áreas com actividades e jogos para as crianças. E isto foi algo que Manuel encontrou na capital catalã. “Comparando com Lisboa, vemos que a qualidade do espaço público é muito maior em Barcelona, muito mais bancos e muito mais espaço para estar, muito mais passeio, muito mais sítios de lazer e muito mais sombra”, aponta Manuel. “É uma cidade que tem mesmo muitas árvores e isso é óptimo. Mesmo que passem carros, as ruas têm quase sempre têm sombra, pelo menos num dos lados, e isso permite à pessoa fazer a sua caminhada num percurso mais agradável.”

Para o jovem cientista de dados, “as árvores são mesmo um dos factores mais importante para baixar a temperatura sentida na cidade. É muito diferente andar a pé na Rua Pascoal de Melo, que tem bastante sombra, em comparação com a Almirante Reis. Porquê? Porque a Pascoal de Melo, de uma ponta à outra, está repleta de árvores de grande dimensão, de um lado e do outro, e isso faz baixar a temperatura. Mas a maior parte das ruas em Arroios não tem tantas árvores como esta e muitas chegam mesmo a não ter nenhuma.” Em Agosto, a diferença de temperatura da Pascoal de Melo para a Almirante Reis pode ser de cinco graus.

Rua Pascoal de Melo (fotografia LPP)

Onde há maior necessidade de criar um refúgio climático, segundo esta análise?

A Baixa, a zona do Alto de São João/Morais Soares, uma área em Chelas, o bairro do Rêgo, o Parque das Nações e uma parte da Ajuda. Foram estas as cinco áreas da cidade de Lisboa que Manuel Banza detectou como prioritárias para a instalação de refúgios climáticos. “A minha análise passou por identificar onde é que são os casos mais graves”, reforça o cientista de dados, isto é, onde não existem espaços verdes, bibliotecas ou outros equipamentos que podem ser facilmente mapeados como refúgios climáticos numa plataforma online e identificados no local com uma placa. “Procurei perceber quais são as zonas da cidade que não têm esses serviços por perto – a cinco, dez, quinze minutos a pé – e onde vamos ter que criar um serviço de raiz. Onde vamos ter de criar um jardim, ou uma praça sombreada, ou plantar árvores na rua, ou pegar num edifício e torná-lo aberto ao público.”

Podes explorar o mapa interactivo aqui:

Para obter estes resultados, Manuel dividiu o território da cidade de Lisboa em pequenos hexágonos e definiu uma escala de pontuação com base em cinco factores: os valores habituais de acumulação de calor no meio urbano, na proximidade a jardins e parques, na população residente, na concentração de arvoredo e na distância. a bibliotecas municipais Estes critérios e a metodologia utilizada podem ser conhecidos em maior detalhe aqui.

De seguida, podes ver em maior detalhe os seis locais de Lisboa onde mais falta fazem refúgios climáticos para ajudarem a baixar a temperatura:

1 – Baixa

A Baixa de Lisboa, situada perto do rio, é uma das zonas mais turísticas e históricas da cidade. Mesmo estando perto do mar, continua a ser uma das zonas em que se sente mais o efeito de ilha de calor e de falta de árvores que possibilitem a mitigação desse mesmo calor. À semelhança de outras zonas da cidade, é também uma zona com poucos jardins e parques por perto. É, no entanto, uma zona que têm vindo a decrescer no número de residentes, mas onde se situam muitos hotéis e alojamentos.

– Manuel Banza

2 – Alto São João/Morais Soares

A separação entre a freguesia de Arroios e Penha de França feita pela Rua Morais Soares é o quilómetro quadro com mais população de Portugal. É uma zona com vários residentes e no entanto é das zonas da cidade com menos árvores e sem qualquer jardim ou parque de média dimensão que possibilite mitigar as ondas de calor. É também uma zona muito afetada pelo efeito de ilha de calor, principalmente com as zonas à sua volta. Esta situação é aliás sentida em grande parte de Arroios, e muito agravada pela escassez de espaços verdes e árvores na freguesia.

– Manuel Banza

3 – Chelas

Uma das zonas com maior densidade populacional de Lisboa, é também uma das zonas mais historicamente esquecidas da cidade. A necessidade de alojar pessoas vindas de habitações precárias, bem como as políticas de realojamento que se basearam em bairros de habitação social com construções deficitárias do ponto de vista arquitetónico e urbanístico, marcaram para sempre o destino desta zona. A carência de jardins, parques e espaços de convívio, tornam indispensável a criação de refúgios climáticos para a população local.

– Manuel Banza

4 – Bairro do Rego

À semelhança de Chelas, o bairro do Rego é também uma zona com elevada densidade populacional e situada numa zona central de Lisboa. Sendo um bairro residencial, era esperado que houvesse mais jardins, bibliotecas e outros espaços que permitissem mitigar o efeito de ilha de calor. No entanto, tal não se verifica.

– Manuel Banza

5 – Parque das Nações

Apesar de esta zona ter vários jardins e bastantes árvores, comparada com outras zonas da cidade, é das zonas que mais sofre o efeito de ilha de calor. Este facto deve-se ao facto de a nova construção feita nesta zona da cidade, na altura da Expo’98, não teve em consideração o impacto ambiental que esses prédios tinham na circulação de ar entre os prédios. Tratando-se de prédios altos, dificultam ainda mais a circulação de ar. Caminhando entre os prédios do Parque das Nações, as brisas do rio Tejo deixam mesmo de ali chegar. Essa diferença de poucos metros regista aumentos de 2º C. A acrescentar ao problema actual, é sabido que as alterações climáticas irão ser sentidas de maior forma nesta parte de Lisboa no que toca a ondas de maior calor. Algo que apenas reforça a necessidade de serem criados refúgios e outras medidas.

– Manuel Banza

6 – Ajuda

Zona residencial com bastante densidade populacional. Apesar de em média se situar a menos de 10 minutos do jardim mais próximo, acaba por por ser bastante afectada pelo efeito de ilha de calor.

– Manuel Banza

Como saber quais os locais prioritários?

Dividindo o território do município de Lisboa em hexágonos de cerca de 105 mil m2, Manuel Banza definiu uma escala de pontuação e cinco critérios, cada um com uma importância distinta:

  • os dados do efeito de Ilha de Calor Urbano (ICU) na cidade de Lisboa – 30%;
  • a distância a pé ao jardim ou parque mais próximo – 25%;
  • a população residente em cada quarteirão, segundo os Censos de 2021 – 20%;
  • a concentração de arvoredo nas proximidades – 15%;
  • a distância a pé à biblioteca municipal mais próxima – 10%.

Um dos critérios mais importantes desta análise foi o designado efeito de Ilha de Calor Urbano (ICU), isto é, a acumulação de calor que, durante o dia, é absorvida pelos materiais e que, ao entardecer, começa a ser libertada. Este efeito foi estudado de forma exaustiva a pedido da Câmara de Lisboa, em 2020/21; os valores do ICU foram calculados tendo como ponto de referência a zona do Aeroporto de Lisboa, e podem ser consultados no mapa em baixo. Esse mapa mostra também a localização de vários equipamentos que permitem à população refrescar-se – além de jardins e parques e de bibliotecas, Manuel também mapeou elementos de água, como piscinas públicas, bebedouros, lagos e fontanários.

Neste trabalho, o cientista de dados utilizou um sistema de hexágonos conhecido como H3, por considerar ser uma das melhores formas de tratar informação geoespacial – permite uma facilidade de comparação e análise de dados provenientes de diferentes fontes, pois trata-os no mesmo formato e com a mesma granularidade.

Já quanto à informação propriamente dita, Manuel tirou-a dos recursos abertos do município – como é o caso da localização de jardins e parques urbanos, bibliotecas e arvoredo –, mas também de outras fontes. A população residente, por exemplo, veio dos Censos de 2021, do INE (BGRIs). E houve conjuntos de dados que, mesmo estando disponibilizados de forma aberta e oficial, o jovem entusiasta preferiu recolher manualmente ou usar o trabalho de outra pessoa. Para o cálculo da proximidade a espaços verdes e bibliotecas, foi utilizada a rede pedonal da cidade através da plataforma comunitária OpenStreetMap; nesta análise, foi feita uma média de todas as intersecções entre pelo menos duas ruas dentro de cada hexágono e, por sua vez, é identificado se esse hexágono estaria a uma distância pedonal até 5 minutos, até 10 minutos ou de mais de 10 minutos de um jardim ou parque, ou de uma biblioteca.

Os leitores mais interessados em ciência de dados podem ler no blogue de Manuel Banza mais pormenores de como esta análise foi realizada.

Manuel Banza (fotografia LPP)

Numa futura revisão deste trabalho, Manuel Banza gostaria de adicionar dados da sombra ao longo do dia para verificar não só ruas que estejam mais expostas ao sol, mas também jardins e que, por isso, não possam ser considerados refúgios – é o caso da Alameda Dom Afonso Henriques, que tem poucas árvores e pouca sombra.

Esta análise não é o primeiro trabalho que Manuel Banza apresenta voluntariamente à cidade. O jovem de 30 anos diz-se entusiasta da ideia de os cidadãos “no seu tempo livre, fora do seu trabalho, se juntarem no seu bairro e desenvolver projectos em prol da comunidade, da cidade”. “Isto seria uma forma de Câmara utilizar recursos da população, de pessoas que são interessadas pela cidade e que têm gosto em contribuir. Ou seja, em vez de estarmos a contratar mais funcionários, já há pessoas que se calhar sabem sobre aquele tema, que até têm um conhecimento também empírico de viver naquela zona e que estão dispostas a dar à cidade.” Para Manuel, participar na cidade também pode ser por esta via.

“Em Portugal, infelizmente, não se fala tanto ainda do papel das alterações climáticas nas cidades como noutras cidades, e há muita gente que ainda não está desperta para essa problemática”, aponta o cientista de dados. “Muitas vezes acabamos por estar numa questão divisória, em que uns dizem que temos que ser radicais na forma como actuamos na cidade. E outros dizem que as coisas têm que ser graduais. E perdemos muito tempo nesta neste duelo.” Neste trabalho, Manuel Banza procurou “mostrar coisas concretas” como zonas da cidade onde se acumula muito calor e sem equipamentos para abrigo por perto. “Isto são coisas tão concretas na vida das pessoas. Podem não estar despertas para o tema, mas a primeira coisa que vão fazer como é que está o seu bairro. Acho que esse processo faz com que tenham maior sentimento de pertença ao seu lugar. Vão tentar cuidar dele, vão tentar saber mais e como podem mudar alguma coisa.”

Jardim do Torel (fotografia LPP)

“Lisboa é uma grande cidade, mas mesmo assim há sempre espaço melhoria. E quando vou a outras cidades na Europa, como Barcelona, fico com esta vontade de trazer essa ambição que existiu lá e que tornou essas cidades mais humanas, mais amigas das pessoas e que inverteu o modo como vemos a mobilidade”, aponta Manuel. “E acho que isso é um caminho que deve ser feito por todos. Espero que as minhas análises possam ajudar a isso, nem que seja para alertar as pessoas sobre temas como as alterações climáticas, a alocação do espaço público para questões de lazer, o aumento da saúde pública na cidade, como podemos compatibilizar de uma forma saudável o turismo e o alojamento local com a vida dos bairros.”

Quanto aos refúgios climáticos, para Manuel, seria importante divulgar já os que existem. “Acho que isso é o mais importante, porque é uma questão de comunicação e de explicar às pessoas, de ter um mapa onde podem procurar refúgios.” A Câmara de Lisboa está a desenvolver esse trabalho através do Serviço Municipal de Protecção Civil; está também a trabalhar num projecto intitulado Arrefecer A Cidade com o intuito de aumentar a arborização de arruamentos e praças, e de combater o chamado efeito de Ilha de Calor Urbano – mais detalhes sobre estas duas iniciativas serão publicados em breve no LPP.

Para Manuel, é importante que a criação de refúgios passe pelo envolvimento da população, ouvindo as necessidades e desejos não só dos moradores mas também dos utilizadores dos locais, isto é, de quem trabalha, estuda ou se move numa determinada área necessitada de um refúgio. “Em zonas bastante residenciais, podemos ver que não há muitos serviços à volta, pelo que aí inevitavelmente a criação de refúgios vai ter de passar pelo espaço público, pelas ruas, pelas praças. Noutros sítios em que há uma maior diversidade de serviços, se calhar podemos pensar aqui num sistema diferente, por exemplo, convertendo edifícios públicos em espaços que são abertos à população, onde as pessoas se podem possam refugiar durante horas de calor.”

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