Linha circular ou linha em laço: afinal, o que é que vai acontecer?

Desde 2018 que se sabe que a Linha Amarela irá de Odivelas ao centro de Lisboa, mas uma notícia recente da TVI veio lançar uma confusão mediática em torno do futuro da operação do Metro de Lisboa. Neste artigo, esclarecemos o tema.

Fotografia LPP

No final de Maio, a TVI lançou a confusão meditática com uma notícia a indicar que o Governo teria feito “um súbito marcha-atrás” na linha circular e que o projecto ficava agora no papel. A notícia, desinformativa, teve eco noutros órgãos de comunicação social; e levou o actual Ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, a lançar um desmentido e o Primeiro-Ministro, António Costa, a também falar do assunto.

Mas, afinal, vai mesmo haver linha circular? Ou teremos uma “linha em laço”, com ligação directa de Odivelas ao centro de Lisboa? Teremos as duas soluções.

Neste artigo, explicamos tudo, mas aqui fica um resumo rápido:

A futura Linha Verde circular (grafismo LPP/ML)
  • a Linha Verde passará a ser circular no novo modelo de operação, ligando o Campo Grande ao Cais do Sodré, com as pessoas a poderem apanhar comboios para os dois sentidos: por exemplo, quem esteja no Campo Grande poderá escolher viajar em direcção a Entrecampos, Saldanha e Marquês de Pombal; ou em direcção a Alvalade e Baixa-Chiado;
  • a Linha Amarela passará a funcionar entre Telheiras e Odivelas, com passagem pelo Campo Grande. No entanto, pelo menos às horas de ponta da manhã e de tarde, a Linha Amarela funcionará em paralelo com a linha circular, isto é, os comboios de Odivelas não vão parar em Telheiras mas continuar para o centro da cidade;
  • o que não se sabe como é que, em concreto, será feita esta operação intercalada. Isto é, se nas horas de ponta os comboios de Odivelas vão parar no Marquês de Pombal, no Rato ou no Cais do Sodré e voltar, numa dessas estações, para trás. Se existirá uma linha em laço efectiva, com início em Odivelas e término em Telheiras, com passagem pelo Campo Grande e Cais do Sodré. Ou se será desenhado outro esquema de circulação. Tudo estará em análise pelo Ministério do Ambiente e Metro de Lisboa – ou, pelo menos, nenhuma das entidades quererá avançar ainda um modelo final.

Uma garantia desde 2018

O ponto mais importante é isto: a Linha Amarela nos horários de maior procura da manhã e de tarde continuará a ligar Odivelas ao centro da cidade de Lisboa.

Como pode ser a operação da Linha Amarela às horas de ponta (grafismo LPP/ML)

A confirmação existe há pelo menos cinco anos. Em Junho de 2018 e em Fevereiro de 2019, o então Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, responsável pela tutela do Metro de Lisboa, deixou em duas reuniões com o Presidente da Câmara de Odivelas, Hugo Martins, a garantia que a Linha Amarela seria partilhada com a futura linha circular pelo menos nas horas de ponta, permitindo uma ligação directa de Odivelas ao centro da cidade de Lisboa. “Durante as horas da manhã e as horas da tarde estará sempre assegurada a entrada dos comboios na Linha Amarela na própria linha circular. Ao longo do dia vamos ver, e também acompanhar quando a obra estiver concluída, a pertinência de continuarem a existir essas ligações directas”, explicou Matos Fernandes aos jornalistas depois de um desses encontros com o autarca de Odivelas. Hugo Martins tem, desde então, vindo a transmitir esta informação aos vereadores e à população em diversas reuniões municipais.

Por seu lado, em Fevereiro de 2019, o então Secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade, José Gomes Mendes (PS), escrevia no jornal Público que “os comboios oriundos de Odivelas poderão entrar na nova linha circular e transportar os passageiros até ao centro da cidade, sem transbordos”. E acrescentou o seguinte: Cerca de 36% dos passageiros que actualmente embarcam em Odivelas não continuam a sua viagem para sul do Campo Grande, quer porque saem nas estações anteriores, quer porque saem nessa estação para comutarem para a Linha Verde. Com a configuração futura, aqueles que têm por destino as estações do lado ocidental do anel poderão continuar viagem no comboio da Linha Amarela, sem transbordo, enquanto os que se dirigem para as estações do lado oriental do anel farão o transbordo no Campo Grande, tal como hoje já o fazem, passando, no entanto, a usufruir de uma frequência de comboios abaixo dos quatro minutos.”

Em Dezembro de 2021, o Presidente do Metro de Lisboa, Vítor Domingues dos Santos, que se mantém em exercício, reforçava que, “tal como está desenhado o projecto, é possível a linha circular e outros movimentos”, remetendo uma decisão final para o Governo de António Costa; mas deixou a discórdia da empresa de transportes em relação a esse modelo de partilha de linhas: “Nós consideramos que isso não é um modelo eficaz de operação.”

O próprio Estudo de Impacte Ambiental da Linha Circular, um documento de Junho de 2018, deixava bem evidente: “Não obstante, apesar de o projecto incluir a construção de dois novos viadutos na zona do Campo Grande (…), os viadutos existentes não serão desactivados. Os comboios com origem em Odivelas poderão continuar com a ligação directa ao eixo central de Lisboa, assim como os que vêm de Telheiras poderão continuar com a ligação direta à Av. Almirante Reis, caso se venha a justificar essa alteração.”

Nesse mesmo estudo da linha circular, foram comparadas duas situações: um anel fechado entre o Campo Grande e o Cais do Sodré e a separação da Linha Amarela para o percurso entre Odivelas e Telheiras; ou manter duas linhas independentes, a Verde (entre Telheiras e o Cais do Sodré) e a Amarela (prolongada do Rato ao Cais do Sodré, passando por Odivelas). Concluiu-se que fazer uma circular era mais vantajoso, permitindo captar 318 milhões de passageiros durante os primeiros 30 anos de operação e nove milhões de passageiros no primeiro ano – ou seja, mais 109 milhões de passageiros em três décadas e mais três milhões no primeiro ano em relação à opção de manter as duas linhas independentes.

Fotografia LPP

Empreitadas deixam tudo em aberto

Nenhuma das empreitadas em curso actualmente de construção da linha circular bloqueia esse modelo de operação. Como referido, os dois novos viadutos na zona do Campo Grande apenas acrescentam ligações entre as actuais linhas Verde e Amarela; os antigos viadutos vão manter-se, pelo que um comboio que venha de Odivelas continuará a poder ir para o Rato mas poderá ir também para Telheiras, ou um comboio que venha do Rato poderá ir para Odivelas ou seguir caminho por Alvalade. No entanto, uma operação alternada entre um modelo circular e outro modelo de circulação não é tão simples de concretizar.

Fernando Santos e Silva, engenheiro reformado do Metro, explica ao LPP que estão a ser colocados novos aparelhos de mudança de via que vão permitir automaticamente os itinerários da nova linha circular, isto é, que um comboio da Cidade Universitária siga para Alvalade sem intervenção humana. Mas, se esse comboio da Cidade Universitária quiser fazer um percurso diferente do da linha circular e ir para Odivelas, vai ter de seguir a velocidade reduzida e terá de haver um operador humano, numa central de controlo, a accionar a mudança de direcção. Para ser automatizado este processo, sem necessidade de intervenção de uma pessoa, teria de ser um investimento adicional em aparelhos de mudança de via, o que o especialista estima em 10 milhões (“mas posso estar a ser pessimista”).

Santos e Silva esclarece ainda que não é boa ideia intercalar comboios em diferentes direcções por razões de segurança e operação – ou seja, não é boa ideia haver comboios da linha circular misturados com comboios de uma linha em laço. O antigo engenheiro do Metro sugere, em alternativa, a exploração num determinado período de tempo de um modelo de linha circular (com os aparelhos na posição desviada) e noutro período de uma linha em laço (com esses aparelhos na posição directa). Isto porque a intercalação das duas dinâmicas de operação teria um impacto directo nos intervalo entre comboios, pois seria preciso tempo adicional na zona do Campo Grande para serem comprovadas as condições de segurança e para o movimento dos aparelhos de via. “O sistema de sinalização estabelece sempre as condições de segurança para o movimento dos comboios. Nesse caso, vai mandar parar o comboio de Odivelas antes de chegar a Campo Grande e, depois do comboio que vem da Cidade Universitária para Alvalade passar, confirma que os aparelhos estão na posição correcta para o comboio de Odivelas avançar, isto enquanto impede de se aproximar um novo comboio que vem de Alvalade”, adianta o especialista.

Odivelas canta vitória

A referida notícia da TVI surgiu depois de um comunicado enviado pela Junta de Freguesia do Lumiar às redacções. A 10 de Maio, esta autarquia escrevia o seguinte: “A Junta de Freguesia do Lumiar congratula-se com a assunção por parte do senhor Ministro do Ambiente e da Acção Climática de que a opção da linha circular em detrimento da linha em laço não está ainda fechada, deixando a garantia que a obra em curso permite vir a optar por qualquer uma das duas soluções, ainda em avaliação. A linha em laço, solução defendida pela Junta de Freguesia do Lumiar é a única opção que não isola a maior freguesia da cidade de Lisboa.”

A Junta de Freguesia do Lumiar tinha acabado de ter uma reunião com Duarte Cordeiro a propósito do encerramento das obras no Campo Grande que encerraram a estação de Telheiras por dois meses e criaram o caos na Linha Verde. Terá sido uma reunião semelhante às que a Câmara de Odivelas já tinha tido com o mesmo ministério e nas quais foram dadas garantias semelhantes. Ao LPP, Ricardo Mexia, Presidente da Junta do Lumiar, avançou mais alguns detalhes sobre o encontro: disse que o Ministro do Ambiente manifestou disponibilidade para o estudo de uma operação em laço (o que poderia levar os comboios de Odivelas ao Cais do Sodré e daqui a Telheiras, e vice-versa), que funcionaria em conjunto com a linha circular, mas adiantou que não se falou em minúcia – até porque cabe ao Metro de Lisboa perceber o que é possível fazer do ponto de vista técnico e da segurança.

A linha em laço poderá ligar Odivelas a Telheiras, passando duas vezes pelo Campo Grande (grafismo LPP/ML)

Mexia reafirmou a sua discórdia do modelo da linha circular por isolar três das quatro estações de metro da freguesia – uma ideia que estava expressa no programa eleitoral da coligação Novos Tempos pela qual foi eleito (também Carlos Moedas defende a linha em laço).

A Junta de Freguesia do Lumiar nunca falou de um “marcha-atrás”, tendo essa sido uma interpretação da TVI. A notícia do canal de televisão levou a um desmentido rápido do Ministério do Ambiente. Em comunicado, o gabinete de Duarte Cordeiro negou qualquer retrocesso e reiterou que “as intervenções em curso na estação do Campo Grande visam permitir a criação desta linha circular, sem colocar em causa a possibilidade de outros tipos de operação, como o funcionamento habitualmente designado pela expressão ’em laço’ ou a combinação destes tipos de funcionamento”, acrescentando que “a decisão sobre o modelo de operação, simples ou combinado, será definida a seu tempo pelo Metro de Lisboa, suportada pelos estudos de procura e de operação que o fundamentarão”.

Por seu lado, o Primeiro-Ministro, António Costa, voltou a referir que a linha circular vai coexistir com uma linha em laço, mas só nas horas de ponta. Costa respondia Inês de Sousa Real, deputada do PAN, num debate no Parlamento. “Desde o princípio que ficou definido que a linha circular permitiria, pelo menos à hora de ponta, a entrada e saída sem transbordo de quem provém da linha de Odivelas. A obra está em curso e a última coisa que passa pela cabeça de alguém é poder parar uma obra que está em curso”, indicou o chefe de Governo.

Hugo Martins, Presidente da Câmara de Odivelas (captura de ecrã por LPP, via CMO/YouTube)

Para o Presidente da Câmara de Odivelas, as garantias reafirmadas pelo executivo nacional são boas notícias para o município que lidera.“Aquando da tomada de posse do novo Ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, manifestei a minha ambição de ainda ser possível e viável a linha em laço. Foi-me prometido que iria ser estudada”, adiantou Hugo Martins (PS) na reunião camarária de 31 de Maio de 2023. “Portanto, começámos com um projecto fechado de uma linha circular e de amputação da Linha Amarela. Fizemos o nosso trabalho no mandato passado e garantimos a partilha da linha pelo menos no horário de ponta, mesmo sendo dito por todos os partidos que eu não estava a dizer a verdade e que o Senhor Ministro estava a mentir. Passamos dessa solução para o estudo também de uma operação em laço.”

Hugo Martins não sabe que operação será concretizada de facto quando todas as obras estiverem terminadas, mas está certo de que já “valeu a pena tudo o que fizemos e todos os movimentos cívicos” pois existem agora outras possibilidades em cima da mesa. “Será realidade a oferta que for mais funcional, aquela que for melhor para as pessoas. No limite, até se pode perceber que o melhor para as pessoas é a linha circular com transbordo”, sintetizou. “Eu nunca concordei com a Linha Circular. O PS de Odivelas nunca concordou com a Linha Circular e tentamos minimizar os impactos da sua efectivização”, ressalvou ainda o Presidente da Câmara de Odivelas na reunião de 31 de Maio de 2023.

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