Martyna Idasiak e Ralph Frühwirth, estudantes de mestrado da Universidade de Lund, na Suécia, venceram a competição Students Reinventing Cities, promovida pelo grupo C40 Cities. Propõem uma Mouraria com menos carros, mais pessoas a andar a pé e de bicicleta, mais espaços verdes, habitação acessível e escritórios, e tuk-tuks como transporte público.

Dois estudantes da Universidade de Lund, na Suécia, reinventaram o bairro lisboeta da Mouraria no âmbito da competição internacional Students Reinventing Cities, promovida pelo grupo C40 Cities – do qual Lisboa faz parte. O trabalho de Martyna Idasiak e Ralph Frühwirth foi o grande vencedor, com os dois jovem a proporem uma Mouraria com menos carros à superfície, com mais infraestrutura pedonal e ciclável, com melhor recolha de resíduos, com mais espaços verdes e com os tuk-tuks a servirem de transporte público.
Na memória descritiva do seu trabalho, Martyna e Ralph – que assinam como Dreamers Inc., uma empresa fictícia de jovens sonhadores – indicam que “as ruas da Mouraria estão na sua maioria tomadas por veículos automóveis, deixando pouco ou nenhum espaço para as pessoas”, e sugerem dar outros usos a esse espaço. Em concreto, a proposta passa por transformar lugares de estacionamento em espaços pedonais de circulação e estadia, esplanadas para restaurantes, estações de bicicletas partilhadas, estacionamentos para bicicletas particulares, áreas verdes e permeáveis, etc.
“Em cooperação com proprietários de negócios locais, um espaço antes ocupado por um carro pode tornar-se um parklet para ampliar a oferta de um restaurante ou para fornecer assentos para idosos que voltam de uma mercearia para casa. Além disso, alguns dos novos espaços disponíveis podem passar a oferecer estacionamento para bicicletas e ferramentas básicas de reparação, enquanto vários outros podem passar a acomodar a vegetação das ruas, oferecendo assim sombra e contribuindo para a melhoria do microclima, especialmente em dias quentes”, escrevem os dois estudantes de Lund.

Segundo Martyna e Ralph, “a requalificação dos lugares de estacionamento na Mouraria não só serve para melhorar a mobilidade suave e a conectividade aos serviços quotidianos, mas leva também a uma redução significativa das emissões, que é ainda facilitada pela nova vegetação das ruas. A combinação com o mobiliário urbano colocado de forma co-criativa com a comunidade local melhora a qualidade geral dos espaços públicos e a possibilidade de mais atividades sociais da comunidade da Mouraria. Além disso, o projecto de recuperação de lugares de estacionamento é um trampolim para a criação de uma zona 100% sem carros no futuro“. E o que fazer aos carros que hoje estacionam nas ruas da Mouraria? Os estudantes propõem garagens/silos em altura.
Os dois estudantes de Lund estiveram na Mouraria a perceber as dinâmicas locais. Uma das particularidades que apanharam foi a proliferação de tuk-tuks, um serviço turístico que “influencia a sobrelotação dos espaços públicos” mas que também “emprega a população local”. A proposta da dupla passa por transformar os tuk-tuks num meio de transporte público local, eléctrico e de baixo custo, com um circuito próprio pelo interior do bairro da Mouraria e com vários pontos de colhida e largada de passageiros. “Este projecto melhora tremendamente a mobilidade na zona, especialmente no que diz respeito à população idosa da Mouraria e às pessoas com mobilidade reduzida em geral”, descrevem os alunos.


O desenho urbano é apenas uma parte da proposta dos dois estudantes. As ruas com mais áreas verdes, pedonais e cicláveis de nada servem sem comunidades locais fortes e vivas. Martyna e Ralph indicam que a Mouraria “enfrenta atualmente alguns desafios ligados à turistificação do bairro” e que essa “dependência económica do turismo levou à desertificação gradual da área, seguida pela substituição do comércio local por comércio retalhista orientado para o turismo, esgotamento do parque habitacional em benefício do alojamento de arrendamento de curta duração e negligência dos espaços públicos”. A dupla de sonhadores encontra, no entanto, um “potencial adormecido” no bairro, nomeadamente ao nível das tradições, arte e inovação, alimentado pela multiculturalidade, e visível em “edifícios negligenciados e abandonados, espaços públicos subutilizados, bem como áreas abandonadas fechadas e vedadas”. Martyna e Ralph querem revitalizar este edificado, criando pontos de encontro e de interacção social, habitação acessível e espaços de trabalho (ou seja, criando um bairro misto) e espaços para diferentes gerações e culturas.

Os estudantes propõem, através da abertura de espaços e edifícios que estão fechados, criar uma rede verde e azul mais uniforme na Mouraria, aumentando as áreas recreativas à disposição da população e mitigando o efeito de Ilha de Calor Urbano (ICU), mas também reaproveitar os edifícios subutilizados, numa perspectiva de reusar construção existente em vez de construir edificado novo. Em concreto, propõem transformar o mosteiro do Largo da Rosa num centro intergeracional com alojamento para idosos, jardim de infância, habitação acessível e uma área pública para eventos comunitários; transformar uma antiga estrutura industrial entre a Rua Damasceno Monteiro e a Travessa da Nazaré num espaço para ateliês de artistas e escritórios partilhados; criar uma ampla área verde e praça pública na Calçada de Santo André; e ainda converter o parque de estacionamento da Rua Damasceno Monteiro e Calçada do Monte num “hub de mobilidade” com uma biblioteca e centro multimédia, escritórios, centro de logística, posto de carregamento para tuk-tuks, etc.


Os Dreamers Inc. sugerem ainda a criação de uma quinta agrícola ao longo da Costa do Castelo onde a comunidade possa cultivar produtos locais e estudantes possam aprender sobre a poda, a instalação de jardins verticais que tirem partido de algumas fachadas ou de áreas verdes em telhados, ou a reativação de fontes de água – potável ou reutilizada – para beber ou para rega. “A identidade da Mouraria e o bem-estar da sua comunidade estão actualmente em jogo. Devido a muitos factores como a urbanização, o turismo, as mudanças demográficas e as alterações climáticas, o bairro está a enfrentar muitos desafios. No entanto, o seu grande capital social e o seu património material e imaterial são uma grande oportunidade para transformá-lo num bairro verde e próspero.”
Podes ler a proposta na íntegra aqui:
A competição internacional Students Reinventing Cities foi promovida pela rede C40 Cities, que Lisboa integra juntamente com uma centena de cidades de todo o mundo. Na capital portuguesa, a iniciativa foi organizada no âmbito do projecto HUB-IN, que está a ser coordenado pela agência Lisboa E-Nova. O júri da competição foi constituído por Diana Henriques, da Lisboa E-Nova, por Susana Paulo e Dora Lampreia, da Câmara de Lisboa, por Ana Barbosa, do IKEA, por Rita Lopes, investigadora da Universidade Nova de Lisboa, e por Costanza De Stefani, da C40 Cities. Foram avaliados 19 projectos. A equipa vencedora, constituída por Martyna Idasiak e Ralph Frühwirth, ambos estudantes de mestrado, teve como consultores externos Andreas Olsson e o atelier Architect SAR/MAS.
Segundo Vera Gregório, coordenadora do HUB-IN, “muito impressionados com a qualidade da maioria das candidaturas, mesmo muito boas”, mas o projecto da dupla sueca sobressaiu pela “excelente apresentação gráfica” e também pela “qualidade e detalhe do plano de intervenção, que incluiu diversas entidades, orçamentos estimativos e um timeline. Além disso, não se tratou apenas de um trabalho de gabinete, porque também fizeram visitas ao terreno, contactando com a população e, inclusivamente, articularam-se com as estratégias municipais, caso do Plano de Acção Climática”, disse em entrevista à revista Smart Cities. “É, de facto, um trabalho com um elevado nível de maturidade. Tem uma visão, tem uma abordagem e mostra um elevado profissionalismo, respeitando sempre a ligação entre o património histórico e a sustentabilidade e explicando muito bem a aplicação prática na Cidade dos 15 Minutos.”
Em Novembro, está prevista uma conferência online com os melhores classificados desta competição (em segundo lugar ficou o projecto “Futuro Conectado”, de alunos do Imperial College London, e em terceiro o “Tram for Transformation”, do Politécnico de Milão). Os vencedores não recebem prémios monetários, mas irão participar no projecto HUB-IN e terão oportunidade de apresentar os seus projectos à comunidade e a decisores políticos. “Por exemplo, todas estas ideias inspiradoras poderão ser interessantes para partilhar com a equipa coordenadora do Plano de Pormenor da Colina do Castelo que, aliás, também integrou o júri”, disse Vera Gregório também à revista Smart Cities.