Opinião.
É tentador defender a passagem do Metro para as mãos da Câmara de Lisboa. Mas esquecemo-nos de que existe uma Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), que pode dar à nossa rede uma dimensão verdadeiramente metropolitana e multimodal.

A vasta maioria das deslocações na área metropolitana de Lisboa são intermunicipais. Na verdade, diariamente, milhares de pessoas entram no concelho de Lisboa para aceder ao emprego ou ao ensino. É neste contexto que quando se pensa em mobilidade em Lisboa, é preciso pensar-se além das fronteiras do município da capital. É preciso pensar na metrópole.
As linhas suburbanas de comboio, da CP e Fertagus, têm a capacidade de trazer grandes quantidades de pessoas para Lisboa. O transporte fluvial da TTSL também. A Carris Metropolitana chega onde os modos de transporte mais pesados não chegam e pode complementar-se com esses serviços ferroviários e fluviais. E o Metro de Lisboa, apesar de ter um papel central na mobilidade interna de Lisboa, também se irradia para fora, chegando aos municípios da Amadora e Odivelas, e vai ter no final de 2026 a sua primeira linha totalmente fora dos limites administrativos da Câmara de Lisboa – a Linha Violeta, que consistirá num traçado de 17 quilómetros, a maior parte à superfície, entre Loures e Odivelas.
É tentador defender – como tem feito Carlos Moedas – que a gestão do Metro de Lisboa passe para a Câmara Municipal da cidade que lhe dá nome. Mas, o Metro não deveria ser gerido pela Câmara de Lisboa. Nem tão pouco pelo Governo central.
A sua administração deveria estar, sim, integrada na Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), que é a recém-criada empresa metropolitana de transportes, criada em 2021 para gerir não só a Carris Metropolitana, como também toda bilhética na área metropolitana de Lisboa (Navegante). A TML deveria ter a responsabilidade de, pelo menos, tudo o que são relações intermunicipais de transporte – o que inclui, além do Metro, a TTSL, a rede suburbana da CP e a Fertagus. Só dessa forma seria possível ter na área metropolitana de Lisboa uma rede de transportes verdadeiramente metropolitana e multimodal.
(Num campo mais alargado, poderíamos pensar inclusive na integração de todas as empresas de transporte rodoviário – Carris, MobiCascais e TCB, do Barreiro –, de todas as empresas de estacionamento, e de todas as redes públicas de bicicletas partilhadas.)
Ir além da tentação
A posição de Carlos Moedas perante o Metro de Lisboa foi conhecida, pela primeira vez, em Setembro, quando o Presidente da Câmara da capital defendeu que esta empresa de transporte deveria estar sob alçada da autarquia. Numa entrevista ao DN, Moedas questionou retoricamente: “Não faria sentido, de uma vez por todas, se queremos falar numa mobilidade em conjunto, que o Metro também fosse responsabilidade da Câmara Municipal?” O autarca argumentava que, dessa forma, seria possível ao município resolver os problemas e queixas que os passageiros do Metro vão apresentando à própria Câmara. “Telefonam-me a dizer que as escadas do Metro não funcionam, lá tenho de telefonar ao presidente do Metro, mas não sou eu que tutelo. Por acaso, tenho uma óptima relação com o senhor presidente do Metro e ele atende sempre o telefone e lá tentamos resolver, mas teria todo o sentido que o Metro fosse gerido pela Câmara Municipal de Lisboa”, disse na mesma entrevista.
Já nesta semana, Moedas regressou ao tema. Falando sobre os atrasos nas obras do Metro, defendeu que a gestão dessa questão seria mais ágil se o município tivesse essa responsabilidade. “Mais uma vez, estes atrasos revelam a importância de o Metro de Lisboa ser gerido pela Câmara Municipal de Lisboa e não pelo Governo”, referiu o edil aos jornalistas.
No início de 2017, a gestão da Carris passou do Governo para a autarquia de Lisboa – um passo que foi importante para a operadora ganhar maior relação com a cidade e com as políticas de mobilidade do município (aos olhos de hoje, o que seria a Carris ser comandada por um Ministério longínquo). Na altura, a Câmara, então liderada por Fernando Medina, e o Governo, de António Costa, negociaram também a municipalização do Metro, não tendo esta sido concretizada – a empresa ficou sob tutela do Ministério do Ambiente. “O Metro é um serviço que vai ficar responsabilidade da Administração Central, não da Câmara de Lisboa, mas onde a Câmara é obviamente um parceiro muito interessado e muito atento de tudo aquilo que se passa”, afirmou Fernando Medina, na altura, sobre a decisão.
A proximidade política e partidária entre Medina e Costa terão evitado que o primeiro aprofundasse o tema da transferência do Metro para o município de Lisboa.
De qualquer forma, e voltando ao presente, há que reconhecer que a posição do actual Presidente da Câmara pode falhar na conclusão – o Metro deveria ser da TML, não da Cãmara – mas tem uma motivação importante: a tutela deste meio de transporte deveria ser mais local. Também parece acertada a postura de Moedas perante a possibilidade de esta transferência não se concretizar por, por exemplo, ser difícil alinhar prioridades políticas: diz o autarca que a Câmara deveria, pelo menos, ter um administrador seu na transportadora, como, aliás, já aconteceu no passado.
E o que diz o Metro desta ideia da municipalização da empresa? Para o Presidente da empresa, Vítor Domingues dos Santos, numa entrevista à TSF, lançada no fim-de-semana, “é importante, e sempre tenho dito isso em todas as vezes que falo sobre transportes, que a TML seja fortificada”, uma vez que a sua criação esteve subjacente à ideia de “mais tarde” serem criadas condições “para ter uma centralização da operação de todos os operadores de transportes públicos na área metropolitana de Lisboa”. Para o responsável, não é importante quem detém a tutela do Metro, desde que “haja uma atitude conjugada de uma autoridade de transportes na área metropolitana de Lisboa”, que “faça o trabalho de agrupamento” dos vários operadores e que, nesta perspectiva, também “regule o Metro”. “Isso é que é o importante para todas as pessoas que usam os transportes públicos”, declarou.
Olhar metropolitano
Na verdade, além de ter toda a bilhética e a Carris Metropolitana, a TML é também uma Autoridade de Transportes na área metropolitana de Lisboa, o que significa que basicamente actua como um regulador metropolitano, dentro das suas competências. Por seu lado, as Câmaras podem ser autoridades de transportes municipais; é o caso de Lisboa, Cascais e Barreiro, que chamaram a si a gestão das redes locais de autocarro e eléctrico, ou de Oeiras, que pretende lançar serviços de transporte complementares à Carris Metropolitana.
A TML é financiada através da Área Metropolitana de Lisboa (AML), entidade intermunicipal em que têm assento os 18 municípios da área metropolitana. Há municípios que dão mais dinheiro que outros à AML e, por conseguinte, à TML, dependendo de vários factores, como a dimensão e responsabilidade da actividade que pretendem financiar.
Assim, e voltando ao tema central do artigo, a TML poderia ter a seu cargo o Metro de Lisboa, para uma administração mais local do sistema de metropolitano que hoje está presente em Lisboa, Amadora e Odivelas, e prestes a chegar a Loures. Dessa forma, não só os vários municípios poderiam ter uma voz mais activa na definição do futuro da rede, como um papel no financiamento da sua actividade. (Poderiam, inclusive, decidir pela integração do Metro Sul do Tejo no exercício operacional do Metro de Lisboa, mantendo essas três linhas subconcessionadas ao privado que as gere hoje.)
Assim, é tentador defender a passagem do Metro para as mãos da Câmara de Lisboa. Mas esquecemo-nos de que existe a Transportes Metropolitanos de Lisboa, que pode dar à nossa rede de transportes uma dimensão verdadeiramente metropolitana e multimodal.
Noutras capitais europeias e não só, encontramos estas lógicas de agrupamento das várias empresas de transporte sob uma autoridade máxima. Em Londres, por exemplo, a Transport for London comanda a mobilidade regional, da chamada Grande Londres. Em Berlim, a BVG gere o metro, os autocarros, os eléctricos e os barcos – ou seja, tudo menos os comboios suburbanos –, usando uma marca única que serve a capital alemã e algumas zonas periféricas. Em Paris, a Île-de-France Mobilités é responsável pela mobilidade da região metropolitana da capital francesa, coordenando as diferentes empresas de transporte.