Filipa Roseta: “Sabemos o que fazer para, em 10 anos, termos todo o património municipal em uso”

Numa altura em que se discute a Carta Municipal de Habitação de Lisboa, sentámo-nos com a Vereadora Filipa Roseta para falar da estratégia da cidade para a habitação nos próximos 10 anos. A conversa centrou-se na importância de haver uma visão, na nova aposta em cooperativas de habitação, nas respostas para a classe média, passou pelo Programa de Renda Acessível (PRA) do município e pela isenção do IMT para jovens até 30 anos comprarem casa, e terminou numa visão metropolitana.

Filipa Roseta, Vereadora da Habitação de Lisboa (fotografia LPP)

Em Outubro de 2021, as eleições autárquicas interromperam o ciclo socialista na Câmara de Lisboa, provocando uma disrupção em várias políticas até então seguidas. Na habitação não foi diferente. Desde 2007, quando o PS passou a gerir a autarquia da capital, as políticas de habitação de Lisboa estavam sob alçada do movimento Cidadãos Por Lisboa (CPL), que se apresentou nas várias eleições coligado aos socialistas. Entre 2007 e 2013, foi Helena Roseta – que começara a sua carreira política no PSD, mudando depois para o PS e, por fim, juntado-se ao CPL – a assumir o pelouro da habitação. Em 2013, foi sucedida por Paula Marques, também do CPL, que já tinha trabalhado a assessorar Roseta. Marques manteve-se como Vereadora da Habitação de Lisboa até às últimas eleições.

A social democrata Filipa Roseta, filha de Helena Roseta, assume agora a pasta da habitação, num mandato que começou com um grande desafio: desenvolver a Carta Municipal de Habitação de Lisboa para responder à crise habitacional que se vive na capital portuguesa. A Carta, exigida pela nova Lei de Base da Habitação, constitui-se, assim, o documento estratégico que reúne um diagnóstico da situação habitacional de Lisboa e define um conjunto de medidas para resolver esses problemas. Não é o primeiro documento estratégico a ser realizado sobre esta matéria – em 2009, já tínhamos tido o Programa Local de Habitação e, mais recentemente as Estratégias Locais de Habitação, que têm permitido aos municípios resolver, junto do IHRU, situações de habitação indignas. Mas é o primeiro documento a ligar carências, medidas, recursos e fontes de financiamento.

A Carta Municipal de Habitação de Lisboa procura responder a três grandes objectivos: erradicar a pobreza, fixar famílias e fomentar uma Lisboa mais sustentável. Quando estiver totalmente aprovada, terá uma vigência de dez anos, até 2033, e representará, nas diferentes medidas e propostas, um esforço de investimento de 918 milhões de euros. Neste momento, e até 2 de Fevereiro, a Carta está disponível para consulta pública, podendo qualquer cidadão enviar comentários e contributos. O documento será depois finalizado, aprovado pela Câmara e pela Assembleia Municipal, e entrará assim em vigor.

Numa altura em que se discute a Carta Municipal de Habitação, sentámo-nos com a Vereadora Filipa Roseta para falar da estratégia da cidade para a habitação nos próximos 10 anos. A conversa centrou-se na importância de haver uma visão, na nova aposta em cooperativas de habitação, nas respostas para a classe média, passou pelo Programa de Renda Acessível (PRA) do município e pela isenção do IMT para jovens até 30 anos comprarem casa, e terminou numa visão metropolitana.

É possível navegar na entrevista que se segue através destes atalhos:

Importância de uma estratégia | Cooperativas | Classe média | Isenção do IMT | Prioridade nos concursos do PRA | PRA Concessões | Visão metropolitana

Quando a Filipa Roseta tomou posse como Vereadora, a primeira coisa que fez foi começar a definir uma nova estratégia para a habitação, pegando no legado que tinha e propondo novas medidas. E aproveitou o facto de ser necessário fazer-se uma Carta Municipal, que no fundo é essa estratégia. Quão importante é, para si, haver esta visão a longo prazo na cidade?

É mesmo determinante. Não houve nunca assim uma desta natureza, porque também não era obrigatório por lei – só é desde 2019. Mas porque é tão importante uma estratégia a 10 anos? Porque agora sabemos o que temos de fazer para, em 10 anos, termos todo o património municipal em uso. Isto é importantíssimo, não tinha sido feito antes. Antes o que se fez foi o diagnóstico das carências. Já desde 2009, aliás, que temos o Programa Local de Habitação com esse diagnóstico. Portanto, desde 2009 que nós já sabemos o que é que são as carências, o que é que se fez agora? Definiu-se o caminho para conseguir dar resposta a essas carências. Isso é que não estava feito.

Agora temos de responder a essas carências. Temos de ter um plano a 10 anos, muito concreto, medida à medida, de como é que se vai pagar, quem é que vai fazer, qual é que é a maneira de pôr cada medida a andar. E é isso a Carta Municipal de Habitação. É um cronograma a 10 anos com financiamentos associados. Portanto, tem tudo o que é preciso para conseguimos concretizar. Por isso é mesmo muito importante. Uma coisa é identificar quais é que são os problemas, outra coisa é ter um programa de solução para os resolver. E a Carta é o programa de solução para os resolver.

E não podiam alguns problemas terem sido resolvidos há mais tempo?

Há partes que podiam e há partes que não podiam. A Câmara Municipal de Lisboa é o maior proprietário do país. O que não estava feito mas que era fundamental – e que esta Carta faz – é identificar a propriedade municipal que pode ser posta ao serviço das carências. Isso é determinante e podia ter sido feito mais cedo. No fundo, é uma planta com toda a propriedade pública identificada e com toda a capacidade dessa propriedade. São nove mil habitações. Portanto, nós temos propriedade para fazer 9 mil habitações.

Isto era o que já podia ter sido feito mais cedo, não estava feito, e é importante fazer. E a Lei de Bases da Habitação diz que isso é uma das coisas fundamentais da Carta, é identificar os territórios com potencial habitacional para dar resposta às carências.

Foi nesse diagnóstico que apuraram as tais casas vazias…

Exatamente. Para além de haver várias casas vazias na cidade, as tais 46 mil, estivemos também muito preocupadas com as nossas casas. Ou seja, o que nós identificámos é que a própria Câmara tem um potencial na sua propriedade que não está concretizado. E é isso que tem que se fazer, essa é a nossa primeira prioridade. Nós identificámos um potencial de nove mil casas em território municipal, ou seja, nas nossas propriedades, para além das outras vazias que nós já sabemos. Destas nove mil, duas mil são casas que estavam pura e simplesmente vazias porque precisavam de dinheiro para serem reabitadas e serem postas cá fora. E sete mil são, ou lotes prontos para construir edifícios novos, ou terrenos que têm de ser urbanizados para construir edifícios novos.

E o que é que nós fizemos? Foi pôr tudo isto a andar e ter um plano para ter a certeza que estas coisas vão saindo. Vão sair mais rápido as casas vazias da Câmara que estão só a ser reabilitadas e que depois é só por cá fora. A seguir, vão sair os lotes com edifícios novos, que demoram dois ou três anos a estarem construídos. E depois, no fim, os grandes terrenos que a Câmara tem e onde temos de fazer obras de urbanização para produzir bocados de cidade inteiros e novos. Portanto, esta parte da identificação da propriedade municipal e do potencial da habitação municipal também não estava feita. Era importante que estivesse feito e foi a nossa primeira prioridade, é algo que a Carta fixa. É muito importante que a Carta fixe, que fique aprovada como um documento que diz qual é a capacidade da Câmara para fazer.

Depois, a Carta tem outra vantagem: olhando para os orçamentos municipais, o dinheiro anual que se investia em habitação andava nos 14 milhões, 20 milhões, 30 milhões, isto por ano em produção de habitação – que era mais reabilitação do que qualquer outra coisa. Nós estamos acima dos 100 milhões quase todos os anos. Portanto, também vai dar aqui outro tipo de capacidade de investimento.

O PRR é uma ajuda grande…

O PRR é uma ajuda grande neste campo, principalmente nesta parte de conseguir ter um orçamento bastante mais alto do que aquilo que estava. Mas note que nós, de qualquer maneira, temos sempre mais orçamento do que era um ano equivalente na década anterior. Portanto, não só a Câmara está a comprometer mais o seu orçamento, porque o PRR não paga 100% das intervenções, como também está a alavancar muito com o PRR. Portanto, isso é a parte que agora estamos a aproveitar do PRR.

Resumindo, o que é que eu acho que podia ter sido feito e que não foi? Era este diagnóstico do que é que a Câmara podia fazer com o seu património e com um cronograma associado de intervenções. Outra coisa que podia ter sido feita mas não só – e que nós estamos a fazer nesta parte do aumento da produção – é trabalhar muito as parcerias, seja com cooperativas, sejam as concessões. Este também é um tema que podia ter sido feito em toda a década anterior, porque a única coisa que a Câmara vai investir é terreno. Quem paga a construção são as famílias. Estas parcerias, especialmente no nível das cooperativas, não foi sequer tentado. Nós vamos tentar e temos três terrenos para as parcerias com cooperativas. Isto podia ter sido feito mesmo sem orçamento porque isto não tem um grande impacto no Orçamento Municipal.

As cooperativas são, de facto, uma parte da nova estratégia de habitação de Lisboa, numa altura em que noutras cidades europeias têm surgido uma nova geração de cooperativas de habitação de propriedade colectiva, por oposição às cooperativas de propriedade individual. Mas a Filipa Roseta não quis fechar a porta a um dos modelos, e abraçar os dois. Porquê?

Nós somos completamente inclusivos. E achamos que há pessoas para tudo na sociedade. Nós vamos pôr os nossos terrenos para tudo, ou seja, não vamos fechar para a propriedade colectiva, porque eu nem percebo porquê. Porque é que eu hei de impedir que uma cooperativa queira organizar-se em propriedades individuais? Nós não vamos fechar nem a um ou a outro modelo, foi o que dissemos sempre. Nós vamos temos propriedades para cooperativas, vamos lançar uma hasta pública e quem quiser apareça. Não vou fechar e proibir que as pessoas se organizem com direito de superfície individual. Mas também podem vir em propriedade colectiva se se quiserem organizar assim.

Porque há poucas cooperativas?

Não é porque há poucas. O que eu acho que é um modelo que foi muito utilizado nos anos 1990; construiu praticamente todo o bairro de Telheiras. É uma coisa em que a nossa cidade tem histórico e parece-nos que pode vir a funcionar por isso. Mas desapareceu nas últimas duas décadas, e tendo a Câmara terrenos é difícil de perceber porquê. O que eu acho é que nós, tendo estes terrenos, temos de lançá-los da forma mais inclusiva possível para ver quem é que vem. Porque o modelo desapareceu, caiu; as cooperativas existem, mas houve vários problemas. As cooperativas não conseguiram concretizar alguns projectos que estavam em curso. Portanto, houve problemas e estamos a relançar este movimento. O que nos parece que é mais prudente é tentar abrir a toda a gente, e não estar a fechar só para um tipo de pessoas, que são aquelas que querem viver em propriedade colectiva. Acredito que elas venham, mas nós não fechamos para elas, mas não vamos fechar para as outras também.

E também, dentro do tema da propriedade ser colectiva ou se é o direito de superfície individual, importa dizer que a propriedade fica sempre da Câmara, porque ela nunca vai ser vendida. Portanto, estamos sempre a falar só do direito de superfície, isto é, se o direito de superfície fica para a cooperativa e ela gere colectivamente, ou se o direito de superfície fica para a cooperativa mas é cada família que fica com uma fração afecta. São dois modelos diferentes, mas a propriedade, no fim do dia, a propriedade do terreno em si, é sempre da Câmara. Portanto, isso é igual para as duas situações. Agora, como é que as cooperativas se querem gerir, não sou eu que vou interferir nisso. Elas têm que vir, têm que concorrer. E se ganhar uma colectiva, tudo bem.

Os concursos que a Câmara pretende lançar para as cooperativas já vêm com projectos de arquitectura fechado, mas cooperativas da cidade que estão a trabalhar nestes modelos de habitação colectiva gostariam também de poder decidir, com os arquitectos e em conjunto, as suas casas – se têm garagem ou não, quais as tipologias dos fogos, como são as áreas comuns. Porque é que a Câmara não abre mais estes processos?

Nós temos três projectos que já estão feitos. Foram concursos de arquitectura e vamos lançar com projectos fechados, por um lado, porque as famílias recebem o projecto, que tem um valor em si, tem um custo que elas já não vão ter, e, por outro lado, não têm que ir ao licenciamento urbanístico. Porque vão com o projecto já fechado e aprovado. Portanto, quando entrarem para estes concursos, é para começarem a construir logo. Isto é para as famílias que não querem perder muito tempo. Não querem perder muito tempo na definição do projecto e na concepção. Mas vou lançar também umas para as outras. A ideia é ser inclusivo. Também vou lançar umas com equipamentos aprovados e com projectos por definir. E depois que venham as que querem definir os projectos, que querem ir ao urbanismo, as que têm mais tempo; no fundo, vão perder tempo e dinheiro porque não têm o projecto também. Têm que o pagar. Como as cooperativas abriram muito a essa questão, pelo menos uma vou lançar assim, para quem quer realmente fazer o projecto, pagá-lo e fazer esse caminho, também ter essa opção.

Agora, o que eu acho é que era muito importante que este modelo funcionasse, porque como eu disse há pouco, é um modelo que pode funcionar mesmo quando não há orçamento municipal, porque o que é preciso dar é terreno e a Câmara tem terreno. O resto, a parte do financiamento, são as próprias famílias que têm. E pagam só o valor da construção, que é quase metade do valor do mercado. Portanto, é um valor muito mais baixo por aquela habitação. É uma coisa que é muito difícil perceber porque não foi feita; e nós temos de abrir estes primeiros produtos o mais possível. Porque, se eu fecho só para determinados tipos de pessoas, para já é estranho mas também é pouco pragmático, porque eu não sei quem é que vem verdadeiramente. Para ter a certeza que as pessoas aderem, o melhor é abrir o máximo de modelos possível. Nas primeiras cinco, haverá uma em que as pessoas podem vir para fazer o seu próprio projecto.

E já se sabe onde é que vai ser feito esse piloto?

É um loteamento em Marvila, mas darei mais detalhes disso mais para a frente…

Filipa Roseta, Vereadora da Habitação de Lisboa (fotografia LPP)

Outro ponto sensível neste tema das cooperativas é o do financiamento. Qual pode ser o papel da Câmara neste campo?

Nós estivemos a trabalhar com os bancos, com todos os bancos, e com o Banco de Fomento, que é um banco que é diferente dos outros, para tentar perceber qual era o melhor formato para as famílias conseguirem financiamento. E estamos junto dos bancos a tentar sensibilizá-los para isto, que acho que é o melhor que nós podemos fazer. Porque se nós conseguimos que os bancos apoiem este modelo, o exponencial é muito maior do que a linha de financiamento, que o governo está a fazer, que é muito limitada. Para o país todo, é muito pequena: os 250 milhões de que falam é para cooperativas e habitação acessível. Nós temos dois projectos de Renda Acessível em Lisboa que são 100 milhões. Aqueles dois grandes, o de Benfica e do Parque das Nações. Ou seja, é uma linha que não vai resolver tudo. É uma coisa específica e muito definida que vai dar para algumas pessoas, mas poucas. Mas se os bancos também fizerem parte deste movimento de cooperativas, não há limite àquilo que pode ser o financiamento das famílias. Não há limite ao número de cooperativas, porque desde que os bancos viabilizem, a coisa vai em frente. Portanto, é esse o trabalho que nós estamos a fazer.

Não invalida que as pessoas não possam ir a essa linha do governo, mas acho que essa linha de governo será sempre limitada no tempo, na dimensão e no valor. O mais interessante, e foi o que aconteceu em tempos idos, é que haja financiamento orgânico no mercado. Volto a dizer: nós temos capacidade para fazer nove mil habitações, portanto é imensa habitação, mas a Câmara não vai conseguir construir tudo; mesmo com o PRR será difícil porque o próprio PRR tem um limite e está a ser distribuído pelo país todo, não é só para Lisboa. Portanto, nós temos que ter outras maneiras de conseguir construir estas nove mil habitações. O Orçamento Municipal não chega, o PRR acaba, temos que ter uma maneira. E se nós conseguimos cooperativas que consigam funcionar com a banca, é muito mais interessante porque temos um sistema orgânico. Nós queremos criar um novo modelo de cooperativas, que tem de funcionar no mercado. Porque se for uma coisa que está só fechada para um programa do governo, não é um novo modelo. É um projecto-piloto; pode ser algo interessante e bom, mas é um projecto piloto. Um novo modelo é uma coisa que funciona naturalmente. E era isso que nós queríamos realmente criar. Era um novo modelo de cooperativas que funcionasse naturalmente, sozinho, entre a Câmara e as famílias.

Um dos argumentos que a Filipa e o restante Executivo levantam quando se fala desta Carta é que ela abrange vários sectores, dos bairros municipais ao arrendamento, até à compra de casa. Mas não ficou esquecida a classe média, tendo em conta que o Programa de Renda Acessível tem os seus limites e também que não chega àquela franja que recebe entre o salário mínimo e o salário médio?

Já pusemos em marcha – e também está na carta – um apoio à renda universal. Isto é uma coisa que não existe, é uma mudança de paradigma e é totalmente para classe média. Ou seja, o apoio à renda significa que se a pessoa tiver a pagar mais do que um terço do seu salário em renda, a Câmara paga a diferença. Se um terço do meu salário for 300 euros e eu tiver a pagar 500, a Câmara paga 200 euros por mês, que é para a pessoa conseguir pagar a casa e não perder essa casa. Nós estamos a acompanhar, neste momento, 800 famílias e já se candidataram mais 500 neste momento. E, acima de tudo, uma nota mais importante é que chegámos a todas as famílias que concorreram e que estavam dentro dos critérios. Até à data, foi uma coisa universal. Esses critérios é ter rendimentos entre o salário mínimo e os 2 500/mês, uma pessoa, 3 200, duas pessoas; e estar a pagar uma renda superior a um terço desse rendimento. Com tectos de rendas associados: até 600 um T0, 900 um T1, 1 200 um T2. Portanto, são rendas reais. A estas famílias estamos a pagar uma mediana de 200 euros por mês.

Note que esta ideia do apoio ao arrendamento é muito importante porque na classe média, na verdade, a carência será sempre muito maior do que as casas que nós conseguimos produzir no PRA [Programa de Renda Acessível]. Na verdade, a casa acessível não está na casa em si; está na renda que a pessoa paga. Portanto, se eu apoiar a renda, qualquer casa que está no mercado pode ser acessível. Eu, de repente, não tenho que construir 10 mil casas porque elas estão no mercado. Se eu já estou a apoiar, neste momento, 800 famílias, e temos 500 candidaturas de um novo concurso. Portanto, vou passar rapidamente as mil. Este ano, vou passar as mil famílias apoiadas, em que para estas mil famílias a renda é acessível. Para estas mil famílias, com apoio à renda, na casa onde estão, a casa é acessível. E depois elas vão entregando os IRS ao longo dos anos e se começarem a ganhar mais, deixam de ter aquele apoio. Mas no momento em que foi preciso, a Câmara apoiou e a renda ficou acessível.

Isto é muito importante: ter a noção de que a classe média está a ser apoiada mesmo e universalmente como nunca foi. Nunca houve esta ideia de que qualquer pessoa que concorresse dentro de critérios tinha apoio. Não há sorteio, ao contrário do PRA.

Como é que a proposta do PS do subsídio ao arrendamento jovem se conjuga com este apoio à renda da Câmara?

A proposta deles é posterior a este apoio à renda. O que o PS nos pediu em sede de Orçamento, e nós fizemos, foi que se fizesse um apoio maior para os jovens. Constatámos que o que eles tinham proposto era uma coisa que não compensava. Era melhor vir para o nosso do que vir para o que eles tinham proposto, e candidataram-se todos àquilo que nós já tínhamos aberto. Os jovens estão neste programa. Porque este programa que estamos a fazer é para toda a gente. Não há limite de ser jovem ou deixar de ser jovem. Mas o que é que nós fizemos? Tivemos a negociar com o PS e lançámos agora um apoio aos jovens que dá um benefício um bocadinho melhor aos jovens – e vamos ver quantas pessoas é que se candidatam – que é uma taxa de esforço mais baixa: em vez de ser a 35%, passa para 28%; e baixa também um bocadinho o rendimento, do salário mínimo para um bocadinho menos. Porque detectámos que os jovens não ganham o salário mínimo, ganham um bocadinho menos. E então esta linha para jovens vai precisamente aos jovens que ganham menos do que 760 euros por mês.

Mas, portanto, a classe média está a ser apoiada como nunca foi. Porque antes eram casas com sorteios – e nós continuamos a fazê-los, não parou nada disso; só que aí, para cada 100 casas, concorrem três mil pessoas, portanto há muita gente que fica de fora. Por isso é que nós achámos que o apoio à renda era tão importante, e tornámos esta medida universal. Isto foi logo uma medida do pacote que Carlos Moedas anunciou quando a inflação começou a disparar para o ano 2023; foi uma medida que achámos ser absolutamente urgente para que as famílias conseguissem chegar ao fim do mês e não terem que sair das casas onde estavam. Não está nada de fora a classe média, até pelo contrário. Nunca foi tão rápido uma medida implementada em três meses. Em três meses, estávamos a apoiar o acesso das famílias.

E agora, este concurso dos 500 que nós temos agora a avaliar é específico para deslocados. Por exemplo, para professores que em Agosto foram colocados em Lisboa e que precisam de viver cá; saibam que há esta medida, não deixem de vir para Lisboa que a Câmara ajuda a pagar a renda. Portanto, o nosso primeiro concurso foi para todos, foi em Dezembro de 2022. O nosso segundo foi agora Setembro, para apanhar muito os professores, mas também a pensar em enfermeiros, polícias, em tudo o que é deslocado – nas pessoas que são colocadas em Lisboa e que não vêm porque não têm dinheiro para pagar a casa. Foi muito a pensar nelas, que a cidade precisa delas. São os 500 candidatos que estamos agora a ver. E lançámos também o do PS, baixando um bocadinho o salário, pensando que os jovens não ganham sequer o salário mínimo e serão esses que virão a este programa.

A isenção do IMT para os jovens até aos 30 anos que comprem casa saiu na Carta, mas reapareceu agora neste Orçamento Municipal com um novo tecto de 300 mil euros. Este novo tecto pode fazer diferença na aprovação da medida?

Não sei, vamos ver. Prognósticos só fim do jogo, como diz. É uma medida que tem sido chumbada frequentemente.

Mas é uma medida importante?

Eu diria que sim, é fundamental para nós. E a ideia aqui é fixar os jovens em Lisboa. Porquê um apoio para os jovens comprarem casa em Lisboa? Perguntam. Porque é que os jovens precisam de apoio? É importante fixá-los cá. Se queremos fixar os jovens, a melhor medida é ajudá-los a comprar casa. As pessoas comprando a casa até podem depois mudar de cidade, mas tendencialmente ficam cá; têm uma razão para quererem ficar cá que se calhar ultrapassa a razão para quererem sair. É uma medida de fixação brutal. E pode tirar pressão ao PRA. A ideia é apoiar a todos os níveis para que as pessoas não tenham de sair de Lisboa. Fixar as famílias é um dos grandes objectivos da Carta.

Continua a defender que, nos concursos do PRA, se desse prioridade a quem já vive em Lisboa – proposta que foi rejeitada pela oposição?

Continuo a achar que poderia ser uma boa medida. Seria uma prioridade, não é uma exclusão. Como digo, tenho um apoio à renda e tenho um especial para deslocados. Portanto, eu quero que as pessoas venham para cá. Ou seja, as pessoas que querem vir, eu já arranjei uma maneira de elas virem. Agora, eu tenho pessoas que estão a ser expulsas da cidade e que vivem cá, têm filhos… estão a ser expulsas da cidade pelo valor do próprio arrendamento. Se a Câmara tem estas casas para dar, que são contratos mais estáveis do que o apoio à renda – porque são contratos da Câmara, de cinco anos –, o que eu estava a propor era dar uma prioridade às famílias que estão a ser empurradas para fora da cidade.

Filipa Roseta, Vereadora da Habitação de Lisboa (fotografia LPP)

Eu continuo a achar que isto é lógico. Mas se me dizem que não, isto é democracia, a oposição não quer, tudo bem. Mas eu continuo a achar que seria totalmente lógico que nas poucas casas que a Câmara tem de arrendamento acessível fosse dada prioridade a quem quer ficar na cidade. Porque a nossa prioridade é fixar as próprias famílias. Naqueles concursos de renda acessível, nós pomos 40 casas e concorrem 1000 pessoas, ou 100 casas, 3000 pessoas. É uma desproporção enorme entre as casas nós pomos e aquelas que concorrem. E as pessoas que concorrem são de todo o país, do norte ao sul, ilhas, do que for. Não há nenhuma prioridade. Eu se calhar tenho a pessoa ao lado que vai ter que sair de Lisboa porque não consegue pagar a renda. E vem uma pessoa de Castelo Branco. Não tenho nada contra. Até estou a fazer o apoio à renda para a pessoa de Castelo Branco vir, mas eu tenho de dar uma prioridade a quem tem cá toda a vida e está a sair porque não consegue pagar a renda. Acho que é natural, até para fixar o tecido social, para haver uma coesão territorial.

Não é excluir ninguém. Estou a dar prioridade à dramática circunstância de várias famílias que nós temos que estão a ter que sair e a desenraizar toda a sua vida para ir para outro sítio porque não conseguem pagar cá a renda. E porque cada vez que há um sorteio, vêm milhares de pessoas de todo o país. Isto para mim não tem sentido. Aliás, nunca houve tanto apoio para as pessoas virem de fora morar em Lisboa, nunca existiu isto de pagar um terço da renda a qualquer pessoa que venha. Isto nunca houve, estamos a abrir para que venham, especialmente estes profissionais deslocados. Mas estes sorteios deviam, na minha opinião, dar prioridade a pessoas que moram cá. E eu não consigo perceber porque isto para mim é tão natural. Eu sou arquiteta, como sabe, e os arquitetos estudam muito a relação entre o território e as pessoas. As pessoas têm uma relação com o território. A ideia de que a pessoa não tem uma relação com o território é uma ideia bizarra.

Ainda dentro da renda acessível. O PRA em parceria com privados, ou seja, o chamado PRA Concessões, tem tido algumas dificuldades por não ser atractivo para esses privados. Já tem uma solução para este problema?

Nós temos muitos terrenos para as cooperativas mas são terrenos mais pequenos, são níveis de investimento mais pequenos. E temos estes grandes, que são investimentos grandes, de 60 milhões, em que tem de vir um promotor para fazer aquilo com uma profissionalização de todo modelo. O que é que vamos fazer? Vamos tentar lançar novamente Benfica e Parque das Nações. O concurso esteve aberto até Dezembro do ano passado mas não apareceu ninguém. Portanto, a ideia é de fazer um novo concurso. Este ano tivemos a falar com os bancos e com vários promotores para perceber o que é que eles não gostavam no modelo para conseguirmos lançar isto outra vez mas desta vez com sucesso.

Havia basicamente três coisas. O modelo era um bocadinho pesado de contratação, porque era uma concessão e cada alteração que se fizesse tinha que ir à reunião de Câmara, qualquer alteração ao longo dos 90 anos da concessão. Imagine que um concessionário ficava com aquilo e depois daqui a 10 anos queria vender a outra promotora, tinha que ir à reunião de Câmara para ser aprovado. Isto é um risco muito grande. A pessoa não pode depender disto. O que nós estamos a tentar é que ele fique com aquilo naquelas circunstâncias e, se mantiver todas as mesmas circunstâncias do acordo que se fizer agora, pode vender ao outro promotor, desde que as circunstâncias sejam exatamente as mesmas. Falaram-nos muito nisso, que era um risco muito grande, uma incerteza muito grande, para o promotor depender de a Câmara em reunião aprovar ou não se, por um motivo qualquer, quisesse vender aquilo. O nosso modelo agora é fazer uma hasta pública de direito superfície de maneira que isto não fique obrigado a ter que ir à reunião de Câmara cada vez que se faz essa transferência de propriedade. Isto é uma coisa, o primeiro problema que estamos a resolver.

O segundo problema é a questão valor. Também também subiu o custo da construção com a guerra, e as taxas de juros agora, ou seja, nós temos que tentar tornar o modelo mais atrativo. O que nós estamos a fazer é, em vez de seguir as rendas municipais, passamos a seguir as rendas da portaria da renda acessível de 2019, que são mais altas que as municipais. Portanto, subimos o pacote de rendas mas deixa de haver renda livre. Portanto, as casas são todas para renda acessível, mas são rendas um bocadinho mais altas do que a municipal, que são as tais casas municipais que são aquelas que fazemos. E o que é isto do mais alto? É 20% abaixo do mercado. As municipais estão fixas e congeladas há algum tempo, as outras são 20% abaixo do mercado. Portanto, vê-se na freguesia qual é o mercado, é 20% abaixo do mercado. Portanto, para os promotores é mais apelativo porque podem ter um nível de rendas mais alto, o que pode compensar a questão das taxas de juros e a questão do preço de construção.

O programa anterior baseava-se na percentagem 70/30 – 70% para renda acessível e 30% para o privado vender no mercado livre? Portanto, agora é 100% para renda acessível?

Tudo para renda acessível. No fundo, o promotor fica com o terreno. Constrói tudo e fica com tudo para renda acessível. Parece-nos isto mais simples. Mas também tudo isto vai ter de ser negociado com os outros partidos para ver o que passa. A nós, parece-nos mais simples. ideia é tentar fazer uma coisa que seja simples de perceber e muito flexível de executar. Há uma série de isenções, praticamente tudo aquilo que pudermos isentar, isentamos. E também estamos a reduzir a incerteza. Porque no anterior concurso também havia algumas incertezas no loteamento, reduzimos essas incertezas e achamos que também com isto pode tornar-se mais atractivo para os promotores. Vamos ver.

O problema da habitação não é exclusivo de Lisboa. Deveríamos estar a pensar numa Carta Metropolitana de Habitação em vez de atacarmos este problema somente à escala municipal?

Eu achava ótimo. Aliás, é uma das medidas da nossa Carta, era precisamente haver um Conselho Metropolitano de Habitação. Porque achamos que não é um problema que se resolva dentro de cada concelho. Fazemos muitas reuniões com a Área Metropolitana para tentar perceber como é que as coisas estão a correr, mas não há propriamente uma política para o todo metropolitano. Não há essa figura grave. Acho que devia haver um órgão que consiga articular todos os concelhos porque a habitação é mesmo um tema de centralidade. Lisboa está com pressão e, se calhar, conseguimos trabalhar com outros concelhos para retirar a pressão dos centros, para criar novas centralidades. E ligar as políticas de habitação com as dos transportes, porque é uma questão de tempo – se eu tiver bons transportes, posso viver um bocadinho mais longe do sítio onde estou a trabalhar, por exemplo.

Mas falta de facto esta autoridade metropolitana que consiga ter uma visão política do conjunto da área metropolitana e não apenas parcelar. O que se faz hoje em dia, pela natureza das coisas, é parcelar. Vai-se somando o que cada um quer para si. Nós achamos que era importante haver um Conselho que sentasse com uma visão para o todo e que conseguisse articular essa visão de conjunto.

E como é que se conseguiria fazer isso? Teria de ser o Governo a dar mais competências à Área Metropolitana?

Eu diria que, se nós conseguíssemos constituir um órgão político com todos os eleitos de cada concelho só para este efeito, já era bom. E articulado com os transportes. O que nós propomos na Carta que se comecem a fazer – vamos lá ver se isto era possível ou não – que se comecem a fazer reuniões de coordenação dos vários problemas com todos os vereadores da área. Nós temos uma coisa muito boa nas freguesias, que se chamam os GABIPs, que são estruturas de co-coordenação nas freguesias. Os problemas são colocados à volta de uma mesa e toda a gente toma a decisão ali. Mas tem que ser um órgão político de decisão, porque toda a gente toma a decisão ali, no local. Eu vou como vereadora, o Presidente da Junta também lá está e tomamos decisões ali, naquele momento, com a associação de moradores, com os parceiros locais. No fundo, era uma coisa dessas que nós gostávamos de reproduzir à escala metropolitana, em que tivessem sentadas 100 pessoas com alguma autoridade política, não só os Presidentes de Câmara, mas também outros responsáveis políticos de cada concelho. Isto já se faz em vários níveis, nos transportes, por exemplo, já há mais esta ideia de que isto tem que funcionar à escala metropolitana. Na habitação, a única coisa existe, é uma espécie de compilação de programas de concelho e não tanto uma visão política para o todo.

As vereadores já falam de alguma forma uns com os outros?

Na habitação, isso não se verifica como se verifica nos transportes, é o que eu posso dizer. Vamos falando, mas não é uma visão de todo. É mais o que vai acontecendo, uma partilha de experiências, boas práticas, o que é que os outros estão a fazer, o que é que nós estamos a fazer. É mais isto e não sentarmos para desenhar uma visão para a habitação na área de metropolitana na Lisboa, que era mesmo o que era preciso. E articulada com os transportes. Porque senão vamos estar sempre só a somar estratégias e não a ter realmente uma visão de conjunto. E lá está, a habitação e os transportes são um complemento que têm de funcionar a par e passo.

Aliás, eu também digo na Carta, uma das questões mais importantes para a parte da área metropolitana é a parte dos migrantes. É um tema que impacta claramente toda a área metropolitana que não pode ser resolvida só à escala de um único concelho. Tem de se ver o que é que se está a passar em toda a área metropolitana. Logo, só por isso, já valia a pena ter um conselho político forte que pudesse tomar decisões políticas fortes sobre este problema e que estivesse articulado, a pensar e olhar para o problema. Eu estou a pôr um problema em cima da mesa porque às vezes as pessoas pensam muito em orgânicas e pensam menos em problemas. É o que nós vemos nas freguesias. E as pessoas, quando olham para um problema, estão a encontrar a solução; não estão a pensar em todas estas maquinarias políticas que às vezes atrapalham mais do que ajudam. Portanto, às vezes olhar para um problema, sentados à volta da mesa, é a melhor maneira de resolver. Portanto, se nós pudéssemos pôr o problema dos migrantes em cima da mesa da área metropolitana de Lisboa, podia ser que saísse algo interessante.

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