A Junta de Freguesia de Benfica está a aproveitar o impulso do PRR para produzir apartamentos para renda acessível e também para construir uma residência universitária. É uma operação inédita a nível nacional. As juntas podem “fazer a diferença numa política pública de habitação de proximidade e de rápida concretização”, diz o Presidente da Junta, Ricardo Marques.
A tarefa de construir e reabilitar imóveis para aumentar a oferta de habitação a custos acessíveis tem estado sob alçada do Governo central e das Câmaras Municipais. Mas podem as juntas de freguesia também ter um papel activo nesta matéria? A Junta de Freguesia de Benfica acredita que sim e, por isso, tem em marcha um plano, inédito a nível nacional, para disponibilizar pelo menos 133 apartamentos de habitação acessível até 2025.
A Junta de Freguesia de Benfica está a trabalhar nesta operação em conjunto com o Governo, através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), e com a Câmara de Lisboa. “O Governo financia a operação em sede de PRR e nós vamos cumprir a estratégia municipal, ou seja, as famílias que virão para aqui serão famílias encaminhadas pela Câmara. Portanto, na prática, somos cooperantes, são três entidades a trabalhar para sermos mais rápidos a superar esta crise”, explica o Presidente da Junta, Ricardo Marques (PS). “Portanto, a Junta é proprietária dos apartamentos, mas será Câmara cabe fazer a selecção dos inquilinos, segundo as regras e critérios habituais dos concursos de Renda Acessível.”
Os 133 apartamentos prometidos são “de diferentes tipologias” e já estão “carregados no IHRU para análise”, representando um investimento total de 29 milhões de euros – suportado pela Junta com dinheiro do PRR. Desses 133, estão “aprovados e contratualizados já dois edifícios, num total de 19 apartamentos”. Um desses edifícios fica na Rua Cláudio Nunes, bem no coração de Benfica; é um imóvel que está hoje devoluto, servindo apenas o restaurante A Tradicional., e que a Junta adquiriu por 3,5 milhões de euros para disponibilizar 13 fogos, de T0 a T2. “Este até à data foi o único prédio devoluto que comprámos. Esperemos – vou ser ambicioso – que de Janeiro a um ano tenhamos aqui 13 famílias a morar. É o tempo de obra, 12 meses.”
O outro fica no bairro do Calhariz Velho, por cima da estação de comboio e mesmo ao lado do terreno onde a Junta de Benfica está a construir uma residência universitária (já lá iremos). “É um edifício azul, muito bonito, ali ao pé do restaurante do Zé Pinto”, detalha Ricardo. O imóvel foi comprado pela Junta, por 1,5 milhões de euros, a uma família, e será adaptado para ter seis fogos, entre T1 e T2, para rendas acessíveis à classe média.
Estes dois edifícios serão reabilitados, mas há outros que serão construídos de raiz. Na Estrada A-da-Maia, em dois terrenos baldios vão nascer ao todo 34 apartamentos T1 e T2, e nas traseiras da Avenida Gomes Pereira estão previstos 17 apartamentos T1, T2 e T3, num terreno expectante. “Aquilo que temos vindo a fazer é comprar apartamentos dispersos e a procurar alguns terrenos onde possamos maximizar a construção de casas”, adianta o autarca.
A promessa centra-se, por agora, em 133 casas – são os que a Junta já tem no IHRU para serem financiados –, mas “o objectivo são 150 apartamentos no mínimo, chegando aos 250”. “Neste momento, temos 13 apartamentos dispersos pela freguesia e fechámos, na semana passada, a negociação para mais 14”; e mais: graças a “duas operações muito grandes que entretanto surgiram como oportunidades – uma que precisa do aval da Câmara e outra que estamos a negociar com privados –, podemos escalar a resposta para os 350 apartamentos“.
Os números são muitos, mas para chegarmos a este ponto – ou seja, para uma junta de freguesia conseguir produzir património habitacional para renda acessível –, foi preciso mexer no enquadramento administrativo deste tipo de políticas. Primeiro, ao nível do Governo, possibilitando que as juntas pudessem ser agentes de construção e reabilitação no âmbito do programa 1º Direito; depois, junto da Câmara de Lisboa, para permitir que as juntas pudessem também elas ser executantes da estratégia municipal de habitação. Ricardo está convicto de que as juntas podem “fazer a diferença numa política pública de habitação de proximidade e de rápida concretização”, não só por serem estruturas mais locais. “O Orçamento Municipal apresenta a construção de 120 fogos em 2024. Portanto, ficamos sempre com a ideia que, se calhar, com estruturas mais pequenas, mais operacionais, menos burocratizadas, conseguiríamos ser mais célebres em resolver este problema habitacional.”
Consciente dos “dados assustadores de Lisboa” no que toca a habitação, o Presidente da Junta de Benfica não esconde preocupação com a incidência da crise na sua freguesia. “Benfica perdeu 1600 moradores na última década. Temos neste momento 380 famílias que procuram habitação com carácter de urgência em Benfica; estamos a falar de carência habitacional grave ou de sobrelotação. E temos aproximadamente seis mil jovens em período de autonomização”, descreve. “Esta pressão tem-se acentuado. A habitação o tema sobre o qual moradores e fregueses mais me abordam na rua, a seguir à recolha do lixo.” Face a esta situação, Benfica tem, desde Janeiro de 2022, um “gabinete de atendimento”, um gabinete de atendimento ao público, no edifício da Junta, para ajudar a população na procura de casa e dar, assim, uma resposta mais local às carências da população.
Um complemento aos projectos de renda acessível do Governo e da Câmara
A produção de habitação pela Freguesia de Benfica será acompanhada por outros dois grandes projectos de renda acessível. Um deles é o da Quinta da Baldaya, que será concretizado pelo Governo através do IHRU. Serão 266 casas para arrendamento acessível, num investimento de 51,8 milhões de euros, apoiado pelo PRR; estas casas serão construídas nas traseiras do Palácio Baldaya, espaço cultural e social da freguesia, nas antigas instalações do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Além de habitação – com estacionamento subterrado –, o empreendimento terá áreas para comércio e serviços.
O outro projecto é o de renda acessível municipal na Avenida Marechal Teixeira Rebelo, que está previsto ser concretizado por um promotor privado em regime de concessão. No entanto, o concurso público lançado há um ano pela Câmara de Lisboa ficou deserto, por nenhum promotor ter considerado o modelo de concessão atractivo. Em entrevista ao LPP, a Vereadora da Habitação, Filipa Roseta, explicou que esse modelo está a ser revisto: em vez de o privado construir 70% para renda acessível e 30% para venda livre, a proposta do Executivo Municipal é que toda a construção seja para habitação acessível, mas nivelada pelas rendas da portaria do Governo e não pelas rendas municipais. “As casas são todas para renda acessível, mas são rendas um bocadinho mais altas do que a municipal. E o que é isto do mais alto? É 20% abaixo do mercado”, detalhou Filipa Roseta, que ainda terá de aprovar este novo modelo com a oposição. Mas espera conseguir relançar o concurso em 2024.
O Presidente da Junta de Benfica espera que este projecto de renda acessível do município avance como está agora encaminhado o do IHRU. O investimento é superior a 100 milhões de euros, estando previstos, à luz do projecto conhecido, cerca de 680 fogos distribuídos por sete edifícios, que terão também espaços de comércio e serviços. Este conjunto habitacional preencherá o vazio existente ao lado do Hospital da Luz. “Com os 350 apartamentos nossos mais estes apartamentos do Município e os do IHRU na Quinta da Baldaya, teríamos uma resposta pública de habitação – não contando com o bairro da Boavista – muito interessante numa freguesia altamente habitada, como é Benfica”, diz Ricardo Marques.
Mas, as 150 a 350 casas da Junta estarão dispersas pela freguesia. “O grande objetivo de comprar e reabilitar património disperso é ter uma política de inclusão plena”, esclrece Ricardo. “Eu sou um grande opositor do que o Município está a fazer com a canalização maciça dos meios de PRR para bairros municipais. Os bairros têm necessidades e é preciso apostar na sua regeneração – e nós sabemos disso porque temos o bairro da Boavista, que é muito importante. Mas uma cidade constrói-se também daquilo que é uma dispersão por todo o seu território de pessoas de diferentes características, para criarmos duas cidades.”
Uma residência para estudantes e uma nova dinâmica no Calhariz Velho
A Junta de Freguesia de Benfica é, tanto quanto se sabe, a única a nível nacional a produzir habitação para renda acessível, aproveitando a oportunidade do PRR. Todavia, a resposta da freguesia neste campo não se esgota nos 150 a 350 apartamentos. Benfica está a construir, também com suporte do PRR, aquela que é a primeira residência universitária projectada e explorada por uma junta de freguesia portuguesa.
Terá 120 camas, 70 delas para estudantes deslocados, com rendas mensais entre os 70 e 80 euros, explica Ricardo Marques. “Seis quartos serão adaptados para pessoas com mobilidade reduzida e teremos ainda 10 camas para professores deslocados”, acrescenta. O edifício também terá um auditório e um ginásio aberto não só aos futuros habitantes desta residência mas a toda a comunidade da freguesia e da cidade.
“Vai ser uma infraestrutura aberta à comunidade”, que promete imprimir uma nova dinâmica e energia no bairro do Calhariz Velho – “uma zona pouco amada da cidade, que tem ficado esquecida do investimento publico durante muito tempo”, salienta o autarca. A Junta de Freguesia de Benfica candidatou-se a linha de apoio para a criação de alojamento estudantil a custos acessíveis, tendo sido a única junta a fazê-lo. Este edifício está a custar 3,9 milhões de euros, totalmente cobertos pelo PRR, e, se tudo correr bem, deverá estar pronto na primeira metade do próximo ano. “A residência vai estar muito ligada ao Politécnico e também os clubes locais, que poderão trazer atletas e ter uma resposta habitacional para eles enquanto estão cá a estudar. Vai permitir sinergias muito interessantes.”
A residência de estudantes é apenas uma parte de uma operação de regeneração urbana que a Junta de Freguesia de Benfica pretende realizar no Calhariz Velho. Ao lado da residência, quer construir um edifício com 50 apartamentos de renda acessível – “esta é a grande operação de que falava há pouco e que depende do acordo da Câmara” –, criar novas áreas de fruição pública como um parque de skate, e requalificar os arruamentos, estabelecendo uma zona de coexistência no bairro, “diminuindo a velocidade da velocidade dos automóveis, dando prioridade ao peão e criando uma praça de aldeia à frente do restaurante Zé Pinto, com um coreto, que possa ser utilizada para fins culturais”.
Ricardo Marques adianta que “a Junta tem 300 mil euros” para fazer esta regeneração urbana, contando com fundos do PRR e também com financiamento do município ao abrigo dos contratos de delegação de competências. A visão da Freguesia de Benfica é que o Calhariz Velho possa entrar no roteiro turístico do eixo Rossio-Sintra com dois propósitos: por um lado, “conhecer a restauração tradicional portuguesa oferta de restauração, o Zé Pinto, o Galé dos Manos, o Solar dos Leitões, o David da Buraca…”; por outro, descobrir Monsanto. Ricardo quer que o Calhariz se torne “a entrada preferencial no Monsanto, permitindo que as famílias e até os turistas descubram Monsanto a partir daqui e da proximidade da linha de comboio”.
O projecto de regeneração urbana da Junta para o Calhariz Velho já foi apresentado à população local e está neste momento em aprovação pelo Município. Ricardo espera conseguir pô-lo em prática ainda neste mandato, mas diz que, para coser toda esta malha urbana, é preciso que a prometida requalificação da Estrada do Calhariz pela EMEL avance.Esta estrada acompanha o bairro do Calhariz Velho e o concurso público para a sua requalificação tinha sido lançado em 2021, mas ficou deserto. Nunca chegou a ser relançado. “Já se passaram dois anos e nada”, lamenta o Presidente da Junta. O projecto previa a redução das faixa de rodagem, uma ciclovia, melhores passeios e um corredor verde.