A EMEL tentou bloquear as aplicações alternativas da GIRA enquanto lançou uma grande actualização à app oficial. Embora esta nova versão prometa maior estabilidade, continua a apresentar os mesmos problemas, levando muitos utilizadores a preferirem as alternativas.
Foi com pompa e circunstância que, no início de Novembro, a EMEL apresentou a versão 3.4.0 da aplicação da GIRA, as bicicletas públicas partilhadas de Lisboa. Através de avisos na app e nas redes sociais, a empresa municipal de mobilidade de Lisboa convidou os utilizadores a actualizarem o mais depressa possível, prometendo “uma versão melhorada” do serviço. Dias depois, quando a maioria das pessoas já teria actualizado, a EMEL desligou versões anteriores da app da GIRA e também as duas aplicações alternativas, criadas por vários jovens. Resultado: a versão 3.4.0 da aplicação oficial passou a ser a única forma de aceder às bicicletas partilhadas de Lisboa.
“A nova versão da app GIRA, a 3.4.0, é reflexo do processo de melhoria continua na aplicação móvel que dá acesso à rede de bicicletas partilhadas”, indica ao LPP fonte da empresa municipal de mobilidade de Lisboa. Esta actualização “tem como principal objectivo reforçar e actualizar níveis de segurança da aplicação, melhorar o acesso dos utilizadores na autenticação da conta (login) e ainda a correcção de aspectos da área de pagamentos”. Segundo ainda a EMEL, “este reforço de segurança do sistema da app GIRA irá afectar os acessos ao sistema a alternativas não oficiais”.
A nova versão 3.4.0 da GIRA alterou o modo de funcionamento da API oficial, a que as soluções alternativas – a mGIRA e a GIRA+ – tinham conseguindo acesso, permitindo replicar todas as funcionalidades da app oficial, como o bloqueio e desbloqueio de bicicletas nas estações. No fundo, passou a ser feita uma verificação adicional de que o utilizador está a aceder à app oficial da GIRA num telefone com um sistema operativo oficial da Apple ou da Google. Assim, quando uma pessoa abre a app para desbloquear uma bicicleta, é feito um pedido à API, que, confirmando que o acesso provém de “fontes oficiais”, autoriza esse desbloqueio. Esta camada de segurança adicional levou a que as aplicações não oficiais mGIRA e GIRA+ deixassem de funcionar de imediato.
Apesar de terem sido prometidas melhorias, a app oficial da GIRA continua a ser uma má aplicação. É pelo menos esta a opinião de vários utilizadores da GIRA que o LPP foi ouvindo nas últimas duas semanas, à distância e na rua. Várias são as vezes em que a aplicação provoca logout inesperados, obrigando os utilizadores a inserir de novo os seus dados (os campos do formulário de login não reconhecem o preenchimento automático, pelo que é preciso inserir manualmente o e-mail e a password). Ou que não carregam as estações no mapa, obrigando a fechar e a voltar a abrir a aplicação. Algumas pessoas reportaram uma impossibilidade de fazer login na nova versão 3.4.0, aparecendo uma indicação de “erro desconhecido”; só desinstalando e voltando a instalar, é que parecia dar para resolver este bug. O LPP testou e verificou alguns dos problemas que os utilizadores reportaram.
De um modo geral, a aplicação da GIRA continua a ser imprevisível e lenta, tornando também imprevisível e lenta a utilização do sistema de bicicletas partilhadas de Lisboa. Desbloquear uma bicicleta com a app oficial pode demorar mais de um minuto, enquanto que fazê-lo na mGIRA ou GIRA+ era quase sempre imediato, como indicam vários utilizadores e como o LPP testou. Por isso, muitas pessoas acabaram por preferir as soluções alternativas. Os programadores destas apps dizem ao LPP que não compreendem porque é que a EMEL quer bloquear os acessos à API sem oferecer uma solução oficial que seja boa o suficiente para não serem necessárias apps alternativas.
Alternativas regressam depois do bloqueio
Basta passar algum tempo numa estação GIRA para perceber que as frustrações com a app, intensificadas por erros de servidor (que levam, por exemplo, ao não desbloqueio de bicicletas) são muitas. Por isso, e por não reconhecerem que a aplicação oficial serve as suas necessidades e as dos restantes utilizadores, os autores da mGIRA e da GIRA+ querem continuar a desenvolver estas plataformas alternativas, disponibilizando todo o código de forma aberta na plataforma GitHub (ver aqui e aqui) para que possa ser escrutinado por qualquer pessoa, garantindo, assim, total transparência.
Afonso, Tiago, Rodrigo e outros contribuidores voluntários já conseguiram uma solução para contornar o bloqueio da EMEL e, assim, trazer de volta a mGIRA e a GIRA+. À data deste artigo, a mGIRA está de novo operacional em app.mgira.pt e a GIRA+ terá uma actualização em breve, que poderá ser descarregada aqui (apenas para Android). Estes jovens programadores, alguns utilizadores frequentes das bicicletas partilhadas e outros menos frequentes, continuam a desenvolver estas soluções alternativas para os amigos e para a comunidade. Contaram ao LPP que conhecem vários casos de pessoas que deixaram de conseguir aceder à app oficial após a última actualização – não devido aos habituais erros, mas por utilizarem versões não oficiais dos sistemas da Apple e da Google.
Como a nova versão da app da GIRA exige que o utilizador esteja num sistema operativo oficial da Apple ou da Google, quem usa um iPhone modificado (através de jailbreak) ou uma versão alternativa do Android – como o GrapheneOS – ficou impossibilitado de utilizar as bicicletas partilhadas de Lisboa. O mesmo acontece com utilizadores de telemóveis Huawei, que desde uma decisão do governo de Trump para tentar controlar o avanço da tecnológica chinesa em relação ao poderio norte-americano, perderam o acesso aos serviços da Google, agora indispensáveis para o funcionamento da GIRA.
Tanto a mGIRA como a GIRA+ permitem o acesso às bicicletas partilhadas de Lisboa a quem queira estar de fora do ecossistema de duas das maiores tecnológicas norte-americanas. Note-se que o único modo de desbloquear as bicicletas GIRA é pelo telemóvel, pois nunca foi disponibilizada, por exemplo, a opção de usar um cartão físico, como acontece em outros sistemas de bicicletas partilhadas.
Nova aplicação em 2025
A versão 3.4.0 da GIRA foi desenvolvida com a ajuda da Devoteam, uma empresa francesa contratada pela EMEL em Maio através de um ajuste directo no valor de 19,1 mil euros. Esta contratação foi necessária depois de a Tekever, responsável pela criação original da app, ter deixado de prestar suporte técnico, o que deixou a empresa lisboeta com uma app problemática e sem capacidade para resolver as falhas. Em Maio, a EMEL dizia que a agora lançada versão 3.4.0 da app serviria como um remendo de curto prazo para “estabilizar e solucionar os condicionamentos identificados” pelos utilizadores, enquanto é desenvolvida a prometida e muito aguardada nova aplicação da GIRA.
No passado mês de Outubro, a EMEL deu um passo no sentido de desenvolver essa nova app ao contratar novamente a Devoteam, desta vez por consulta prévia de 73,6 mil euros e com um contrato de “aquisição serviços de consultoria técnica para apoio à contratação da solução informática para gestão, operação técnica e comercial do Sistema de Bicicletas Públicas Partilhadas (SBPP)”. Por outras palavras, a Devoteam não vai desenvolver a nova aplicação da GIRA mas prestará apoio à EMEL no processo de contratação e de desenvolvimento do futura solução. Segundo o caderno de encargos deste novo contrato, a que o LPP teve acesso, a Devoteam irá preparar as peças para o lançamento do concurso público para a nova app (integrado o trabalho interno de estudo, pesquisa e análise que a EMEL desenvolveu ao longo dos últimos anos), dará apoio durante a fase de contratação e adjudicação, e acompanhará a execução do contrato através de consultoria especializada.
“A nossa expectativa é ter a nova aplicação móvel GIRA disponível para os nossos utilizadores durante o próximo ano”, confirma a EMEL ao LPP. “Estamos a terminar as peças para muito rapidamente avançar com um concurso público internacional que desenvolverá uma nova aplicação móvel para a GIRA, que irá modernizar a aplicação e permitir uma nova experiência acessível, integrada e eficiente”, adianta ainda a empresa municipal. “As novas funcionalidades vão tornar a experiência de transporte mais facilitada e contribuem para uma mobilidade urbana mais sustentável e inteligente.”
Enquanto a EMEL olha para processos mais convencionais de contratação, outras empresas públicas procuram no talento mais jovem a chave para o seu sucesso. É o caso da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), que, com o contributo de jovens responsáveis por apps alternativas de mobilidade como o GeoBus e a GIRA+, tem conseguido desenvolver soluções digitais disruptivas e, ao mesmo tempo, adaptadas às necessidades dos passageiros. A recente aplicação da Carris Metropolitana, criada com a colaboração de talentos emergentes, é um exemplo disso mesmo. Ambas as abordagens, a da TML e. a da EMEL, diferentes entre si, reflectem formas distintas mas ambas válidas de responder aos desafios da mobilidade, da tecnologia e também da contratação pública.