A ciclovia entre a Parede, no concelho de Cascais, e Paço de Arcos, em Oeiras, foi vencedora de dois orçamentos participativos em 2021 e começa agora a sair do papel – mas o percurso será diferente do que foi inicialmente proposto e votado pelos cidadãos.

Uma ciclovia entre Paço de Arcos e Parede. Esta foi a ideia que ganhou dois Orçamentos Participativos distintos, em dois municípios vizinhos. Começou a ser construída por uma das autarquias – a Câmara de Cascais deu início, no final do ano passado, à construção de um troço de ciclovia segregado entre Parede e Carcavelos. Do lado de Oeiras, a ligação entre Carcavelos e Paço de Arcos vai fazer-se “maioritariamente” através de ruas 30+bici, isto é, de espaços partilhado entre a bicicleta e o automóvel.
Uma ciclovia guiada pelo comboio
Por serem rectas e planas, linhas de comboios como a Linha de Cascais podem ser eixos cicláveis por excelência, mas esse planeamento não foi feito originalmente no século XIX, quando o comboio entre Cascais e Lisboa foi construído. Por outro lado, nas alterações e expansões urbanísticas do último século e das últimas décadas também não deram prioridade à bicicleta como meio de transporte. Resultado: criar um eixo ciclável ao longo da Linha de Cascais é hoje uma tarefa muito mais difícil, não só pela ausência de espaço livre mas também pela existência de áreas consolidadas. Difícil mas não impossível: pode ser não possível uma ciclovia sempre colada ao comboio, mas a linha ferroviária pode orientar um percurso.

A proposta de criar uma ciclovia entre Paço de Arcos, em Oeiras, e Parede, em Cascais, parte deste princípio de o comboio guiar um percurso. A ideia foi apresentada em 2021 a dois Orçamentos Participativos distintos, de forma coordenada. Em Cascais, o projecto de uma “ciclovia urbana entre a Parede e Carcavelos” ganhou com 4053 votos e uma estimativa orçamental de 350 mil euros. Em Oeiras, a proposta de uma “ciclovia Lombos Norte – Paço de Arcos” foi vencedora com 1050 votos e 300 mil euros de orçamento estimado.
Troço Parede-Carcavelos avança

João Pedro Fernandes propôs o troço do lado de Cascais enquanto que Ricardo Ferreira trabalhou na ideia do lado de Oeiras; os dois desenharam a ideia em conjunto. Ao jornal Público, em 2021, João Pedro dizia que a autarquia de Cascais tem desde 2016 um anteprojecto para a criação de uma ciclovia urbana entre São João do Estoril e Carcavelos, e que, portanto, um troço entre Parede e Carcavelos seria “só implementar”. De Oeiras, Ricardo também falava em apenas ser precisa vontade política para a concretização do projecto. “O obstáculo aqui não é técnico”, afirmava, explicando que “espaço não falta, é preciso é vontade de o redistribuir”.
Cascais tem, em obra, a construção da sua parte da ciclovia seguindo um traçado próximo ao que fora sugerido por João. A empreitada começa na Rua Dr. Manuel de Arriaga e termina na Av. da República, abrangendo a Rua Dr. Câmara Pestana; e inclui a reparação dos pavimentos, melhoria das calçadas, bem como a criação de sistemas de drenagem pluvial. No anteprojecto da autarquia, o traçado em execução corresponde aos troços 8 e 12, enquanto que João Pedro tinha preferência pelo traçado 8+9, que passa mais próximo do núcleo comercial de Carcavelos.

A ciclovia em construção, apesar de segregada, não vai tocar nas estações de comboio de Carcavelos e da Parede. No caso da de Carcavelos, ficará a poucos metros, numa rua de sentido único, porque não se quis eliminar apenas alguns lugares de estacionamento automóvel. Do lado da Parede, a ciclovia vai ficar no centro da vila, a alguns metros da estação de comboio. No entanto, apesar de a futura ciclovia ter algumas falhas, ela vai oferecer aos utilizadores da bicicleta um percurso confortável e seguro entre as duas vilas cascelenses.
O estudo prévio para esta ciclovia tinha ficado pronto em Fevereiro de 2023, com apresentação ao proponente. Em 2024, foi lançado o concurso público e a obra acabou por ser adjudicada em Setembro à construtora Domus Express, pelo valor aproximado de 320 mil euros.
A obra tinha cerca de três meses e meio de duração prevista, mas está visivelmente atrasada e com aspecto de só ficar terminada depois do Verão. Neste momento, ainda estão a ser feitos os trabalhos ao nível de drenagem e de novos lancis, faltando, para dar corpo à ciclovia, trabalhos de repavimentação, de pintura de piso vermelho e de colocação de balizadores de borracha, para dividir o canal ciclável do restante espaço de tráfego rodoviário.
Quando concluído, o troço Parede-Carcavelos ficará a aguardar a obra do lado de Oeiras.





Oeiras transforma traçado em 30+bici
Em Oeiras, a ciclovia vai começar na zona de Lombos, perto de Carcavelos, e será “maioritariamente através de via banalizada partilhada com o automóvel”, até Paço de Arcos. O projecto de execução andou a ser feito entre 2022 e 2024, tendo sido adjudicado por concurso público à empresa JRTorres por cerca de 27,8 mil euros.
Esta ciclovia – que, na verdade, será mais um percurso ciclável partilhado com o automóvel (30+bici) do que uma ciclovia propriamente dita – não vai tocar no troço que está a ser construído pela Câmara de Cascais, iniciando-se a alguns metros de distância. É que, por um lado, a autarquia cascalense decidiu não executar a sua ciclovia até à fronteira com o concelho de Oeiras, e o Município vizinho está a prever também não estabelecer a ligação intermunicipal.
O trajecto final do trajecto em Oeiras acaba por diferir da proposta inicial do Orçamento Participativo. Ricardo tinha sugerido um percurso de cerca de 3,1 km entre Lombos Norte e o Mercado de Paço de Arcos, com o seguinte traçado: Rua de Santo António, Rua Desembargador Faria, Rua Marquês de Pombal, Rua Cândido dos Reis, Rua Oeiras do Piauí, e Rua Costa Pinto. Ou seja, a ciclovia iria iniciar-se na fronteira com Cascais, seguindo junto à linha de comboio até à estação de Oeiras; nesse local, descia até ao Palácio Marquês de Pombal e ao edifício da Câmara, no centro histórico de Oeiras, para terminar no Mercado de Paço de Arcos.

Segundo Ricardo Ferreira, este percurso poderia estar associado ao encerramento do centro de Oeiras ao trânsito automóvel, permitindo apenas a circulação a autocarros. “Actualmente o centro está a maior parte dos dias deserto, mas tem bairros de alta densidade em volta”, explicava em 2021 ao jornal Público, referindo-se à Quinta do Marquês, Espargal e Figueirinha. “Estamos a falar de umas dezenas de milhares de habitantes para as quais esta seria uma excelente forma de aproximar o centro da vila a todos estes bairros.” A ideia passava também por colocar as bicicletas no centro da vila de Oeiras, junto ao comércio e serviços.

Mas a autarquia entendeu definir o percurso por outro lado, mais próximo à linha de comboio, passando junto à Biblioteca Municipal de Oeiras – uma zona sem muita densidade populacional neste momento, mas para onde estão previstos grandes empreendimentos.

“Tendo em conta projectos existentes e/ou em desenvolvimento, nomeadamente a conclusão da Variante Sul ao Centro de Oeiras, que poderá desanuviar o trânsito no centro histórico e equacionar a introdução de bicicletas no centro de uma forma mais confortável, foi definido como traçado alternativo o seguinte”, indica a autarquia, referindo que em cima da mesa está um trajecto 30+bici pelos seguintes arruamentos: Rua Henrique Paiva Couceiro, Largo Almirante Gago Coutinho, Rua Dr. José Joaquim de Almeida, Avenida Miguel Bombarda, Avenida Pedro Álvares Cabral, Rua do Chafariz, Rua Costa Pinto, Rua Lino de Assunção e Rua 1º de Maio, com um contra-sentido para bicicletas na Rua de Santo António.
De acordo com a página de acompanhamento do projecto do OP, a execução da obra chegou a estar prevista para 2024 mas só no final desse ano é que terá sido concluído o projecto de execução, “após sugestões de melhoria”. Desde então, não há novidades deste processo, nem empreitada lançada. Restará aguardar que a Câmara de Oeiras faça a sua parte.
De qualquer modo, é certo que a ciclovia entre Paço de Arcos e Parede não vai ser como os dois proponentes idealizaram. Não só porque, do lado de Oeiras, o trajecto vai ser quase todo em 30+bici, como porque em Carcavelos haverá uma interrupção do percurso junto à estação ferroviária, que impossibilita uma boa articulação da bicicleta com o comboio.
Ao ficar relativamente longe da estação, a ciclovia Parede-Carcavelos vai também ficar desligada da ciclovia que, do outro lado da linha de comboio, segue para o pólo universitário da NOVA SBE e que liga directamente à ciclovia da Estrada da Medrosa, já no território de Oeiras. Estas duas ciclovias conectam actualmente as estações de Oeiras e de Carcavelos, a Praia da Torre e a NOVA SBE. Assim, se a ciclovia Parede-Paço de Arcos fosse construída como proposto, passaria a haver uma rede ciclável a passar por perto de cinco estações de comboio (Parede, Carcavelos, Santo Amaro de Oeiras, Oeiras, e Paço de Arcos), ligando praias, escolas e uma universidade.