O pavimento de cubos e paralelos da Rua do Arsenal abateu devido à fraca base de assentamento e ao trânsito elevado de autocarros nesta zona. Empreitada de correcção está a custar à autarquia 500 mil euros. Na Rua da Alfândega, onde há pouco mais de um ano uma mesma intervenção de rectificação do pavimento foi…
A Rua do Arsenal está cortada ao trânsito desde o final de Fevereiro. A juntar-se à Rua da Prata, é mais um transtorno na baixa lisboeta, obrigando desvios de autocarros e eléctricos e sobrecarregando artérias já por si carregadas. No entanto, o mau estado do piso daquela rua histórica da cidade não permitia adiar mais a inevitável empreitada de reparação
Em causa, está a escolha do pavimento para aquela rua – e que é semelhante ao que foi escolhido para o topo da Praça do Comércio e para a contígua Rua da Alfândega. O piso foi colocado com uma fraca base de assentamento, pelo que, com o passar do tempo e com o elevado trânsito de autocarros naquela zona, começou a abater. O mau estado do mesmo chegou a ponto tal que começou a haver autocarros da Carris danificados na parte debaixo dos mesmos, segundo denuncia Gonçalo Matos, presidente da associação de cidadania Vizinhos Em Lisboa.“Foi tudo pensado para a estética, mas não para a sobrecarga inerente a um importante eixo exclusivo para BUS”, refere.
“Quando vês os pormenores construtivos da rua no projecto inicial da empreitada, percebes que a base de assentamento, em cima da qual foram postos os paralelepípedos, tem materiais possíveis de abater”, explica. “O assentamento é em laje de betão, mas depois entre o betão e a cobertura, digamos assim, que é o pavimento propriamente dito, tens areias, tens uma série de agregados que abatem. E, portanto, aquilo abateu e provocou vários danos em autocarros da Carris. A própria Câmara já recebeu diversos pedidos de indemnização de automobilistas que furaram lá os pneus ao mudar de via, por exemplo.”
Bastava viajar num autocarro da Carris pela Rua do Arsenal para perceber o problema daquele pavimento. Mesmo a uma baixa velocidade, o desconforto da viagem para os passageiros era notório e sentia-se a dificuldade dos motoristas em tentar salvaguardar o veículo. No entanto, em alguns pontos da rua, os abatimentos do piso eram de tal forma salientes que a parte de baixo dos autocarros chegava a bater nos carris do eléctrico – que estavam mais altos –, provocando danos, conforme reporta Gonçalo.
Aos Vizinhos chegaram também denúncias de acidentes, incluindo um com um membro da associação que circulava ali de bicicleta e que caiu devido ao pavimento, sofrendo ferimentos graves; foi transportado para o hospital, ficando vários dias de baixa médica, conta. “O nosso Vizinho enviou para a Câmara de Lisboa os comprovativos do hospital, mas até agora o pedido de indemnização ainda não foi apreciado. Uma das alegações que ele escreveu nesse pedido de indemnização foi sobre o mau estado do piso ser conhecido da Câmara mas não estar assinalado no local como tal“, reporta Gonçalo, referindo que, depois desse incidente, apenas foram colocados no local sinais verticais a indicar o mau estado da via.
Correcção já feita na Rua da Alfândega
A reparação da Rua do Arsenal que agora avança já estava prevista há algum tempo. Em 2021, num processo de ajuste directo justificado por se tratar de uma situação urgente, a Câmara de Lisboa adjudicou uma empreitada para reparação da Rua da Alfândega, contígua à do Arsenal e que tem o mesmo pavimento e onde este também abateu. A obra arrancou em Setembro daquele ano. A restante parte, que envolvia a Rua do Arsenal e a zona norte da Praça do Comércio, não foi feita na mesma empreitada. Na opinião dos Vizinhos, as correcções no pavimento de todo aquele eixo deveriam ter sido feitas em simultâneo.
“O piso da Rua da Alfândega tinha abatido de tal maneira que já não passavam autocarros. Por isso, foi feita uma empreitada por ajuste directo, ao abrigo do Estado de Necessidade”, esclarece Gonçalo, que, através dos Vizinhos Em Lisboa, tem vindo a acompanhar com particular preocupação toda esta situação.“Quando questionada sobre o porquê de não fazer tudo logo de seguida, a Câmara disse que não conseguia, tecnicamente, justificar e salvaguardar o uso da figura de Estado de Necessidade para o resto do eixo. Situação que os Vizinhos contrapuseram, apresentando um parecer no qual defendia que que a Rua do Arsenal, sendo construída com base no mesmo projecto de execução que a Rua da Alfândega ia apresentar as mesmas patologias mais tarde ou mais cedo.”
O projecto de requalificação das ruas do Arsenal e da Alfândega foi feito em conjunto, dentro de um grande programa de requalificação de toda a Frente Ribeirinha, desenvolvido pela ainda Parque Expo – empresa de capitais públicos criada para gerir e facilitar a construção da Expo’98. O desenho das duas ruas é da autoria do arquitecto Bruno Soares, que integrava na altura a Parque Expo. Em 2015, por 68,5 mil euros, a equipa de Soares fez uma revisão do projecto das duas ruas; e, em 2016, a requalificação avançou em empreitadas distintas, ambas geridas pela EMEL: a Rua do Arsenal foi integrada no pacote de 3,2 milhões de euros de requalificação do Cais do Sodré, uma empreitada adjudicada à empresa Oliveiras; a Rua da Alfândega integrou a renovação de 8,8 milhões de euros do Campo das Cebolas, obra que esteve a cargo da empresa ABB – Alexandre Barbosa Borges.
Estética ou funcionalidade?
A reparação na Rua do Arsenal consiste no arranque de todos os cubos e paralelos, bem como das camadas estruturais do pavimento, excepto a laje de betão existente. Para que o piso não volte a abater – pelo menos com a mesma facilidade –, vai ser reforçado o assentamento sobre o qual a “cobertura” irá estar. Em detalhe, será colocada uma camada de microbetão para regularizar a plataforma de assentamento existente, uma camada em agregado britado de granulometria extensa tratado com cimento, uma camada em macadame betuminoso, uma camada de argamassa seca de cimento e areia do rio lavada. O máximo possível de cubos e de paralelos do piso serão aproveitados e repostos, mas os que estiverem danificados serão substituídos por novos.
A empreitada de correcção no Arsenal é semelhante à que foi desenvolvida na Alfândega. O corte da rua realiza-se apenas no troço onde o piso é constituído por cubos e paralelos, uma vez que, na restante parte, entre a Praça do Município e o Largo do Corpo Santo, o pavimento é de betuminoso, estando este de melhor saúde (apesar de ter alguns problemas também, que não serão corrigidos nesta fase). Uma vez concluída a fase da obra na Rua do Arsenal, será executada a fase referente ao topo norte da Praça do Comércio. No conjunto, a reparação está a custar perto de 500 mil euros aos cofres da autarquia e terá a duração estimada de quatro meses; a execução está a ser feita pela empresa Protecnil.
Gonçalo Matos, dos Vizinhos, tem dúvidas de que esta empreitada irá solucionar o problema, até porque na Rua da Alfândega já se registam alguns pequenos abatimentos, apenas um ano depois da intervenção. “Tudo aquilo deveria ser betuminoso. No entanto, o arquitecto não cedeu. É o que é”, lamenta. Gonçalo diz ainda que será preciso reparar o que já está a abater na Alfândega. “O nosso pedido à Câmara foi que compatibilizasse a resolução do problema da Rua de Alfândega, que ainda estará coberta ao abrigo da garantia de obra, com a intervenção na Rua do Arsenal para evitar cortar os elétricos duas vezes. E disseram que iam procurar que isso fosse feito. Portanto, deve estar para breve.”
Não estará a opção estética a sair demasiado cara à cidade?
Desenhada depois do Terramoto de 1755, a Rua do Arsenal assistiu, no século XX, a vários momentos marcantes da História. Em 1908, viu o assassinato o rei D. Carlos. Dois anos depois, a proclamação da República a partir da varada da Câmara Municipal de Lisboa. Em 1974, um dos mais importantes momentos da revolução que implantou a Democracia. Hoje, a Rua do Arsenal é um eixo importante de transportes públicos. Por aquele corredor – que depois se prolonga pela Praça do Comércio, Rua do Arsenal e Campo das Cebolas –, passam 10 carreiras de autocarro da Carris, três carreiras da Rede Noturna e ainda o eléctrico 15.