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Campo de Ourique testa “superquarteirão” no Jardim da Parada durante nove dias

De 9 a 17 de Setembro, o Jardim da Parada vai crescer, ficando sem carros em redor. O objectivo é testar de forma intensiva um “superquarteirão” nesta zona da freguesia de Campo de Ourique, em Lisboa. Presidente da Junta já fala numa ideia ganha e quer ir mais longe: quer transformar todo o bairro numa zona 30, com ruas calmas, seguras e arborizadas.

Fotografia LPP

Durante uma semana inteira e nos dois fins-de-semana contíguos, o Jardim da Parada não vai ter carros estacionados ou a circular redor. A Junta de Freguesia de Campo de Ourique, com o apoio da Câmara de Lisboa, prepara-se para testar um “superquarteirão” no Jardim da Parada com a implementação de um novo esquema rodoviário.

A ideia é prolongar o Jardim da Parada até às fachadas dos prédios, aumentando o espaço público para usufruto das pessoas de 5,4 para 9,7 para mil metros quadrados – isto sem fazer qualquer obra, apenas com a interdição da circulação e estacionamento automóvel. Durante os nove dias, as ruas e os cerca de 90 lugares de estacionamento em redor do jardim vão ser ocupados com as esplanadas dos estabelecimentos da zona e uma série de actividades familiares; haverá insufláveis e jogos infantis, workshops de compostagem e não só, uma zona para experimentar desportos um xadrez gigante e outros jogos de tabuleiro, concertos, uma secção dedicada ao bem-estar animal e uma escolinha de trânsito e bicicleta.

O plano do “superquarteirão” no Jardim da Parada (via JF Campo de Ourique)

O “superquarteirão” no Jardim da Parada vai funcionar de 9 a 17 de Setembro, ao longo de nove dias, apanhando dias úteis e dois fins-de-semana. Pedro Costa, Presidente da Junta de Campo de Ourique, explicou ao LPP que o calendário foi escolhido para não coincidir com a reabertura das escolas, “porque não valia a pena estar a colocar essa carga [o evento] em cima dos pais, revirando o trânsito do avesso na primeira semana de aulas”.

A Junta de Freguesia quer, em conjunto com a população, testar como um “superquarteirão” no bairro e em particular na Parada poderia funcionar antes de, eventualmente, implementar esse modelo urbano em definitivo. A fazê-lo, seria só depois das obras de expansão do Metro de Lisboa, cuja conclusão está prevista até ao final de 2026. Os nove dias agora em Setembro vão ser o derradeiro teste ao conceito, depois de já ter sido experimentado em Junho e Julho. “Fizemos os primeiros testes. Primeiro, em Junho, só cortámos a circulação automóvel na envolvente do Jardim para ver como funcionaria e tirar as primeiras conclusões. Depois, em Julho, alargámos as esplanadas e o espaço público, retirando os carros, ainda não activamente. Ou seja, ligámos às pessoas para que pudessem vir buscá-los. Achámos que não havia ganho para rebocar tudo, mas ainda rebocámos alguns para as proximidades.”

Fotografia LPP

O balanço que Pedro Costa faz dos encerramentos pontuais realizados em Junho e Julho é positivo: “Sou muito sincero. Das primeiras observações que realizámos e das críticas que temos tido, o superquarteirão é uma ideia que já ganhou. Agora é preciso trabalhar com as pessoas que moram naqueles prédios, corrigir problemas específicos e afinar detalhes”, como o caso de uma garagem que existe na zona onde se pretende restringir o trânsito ou a situação da praça de táxis do Jardim. “Agora, em Setembro, durante os nove dias, vamos voltar a fechar a envolvente do Jardim da Parada ao trânsito e a dar às pessoas aquilo que o jardim pode ser se o alargarmos até às fachadas dos prédios. Vamos ter os estabelecimentos comerciais a expandirem as suas esplanadas, eventos culturais, insufláveis para crianças, uma série de jogos e de actividades…”, explica o Presidente da Junta.

Uma ideia trabalhada por cidadãos

A concretização deste “superquarteirão” em Campo de Ourique acontece num clima de consenso. A Junta de Freguesia gosta da ideia, a Câmara de Lisboa precisa de dar seguimento às propostas do Conselho de Cidadãos (e os “superquarteirões” foram uma das ideias que saíram da primeira edição), há uma obra do Metro de Lisboa a acontecer na zona e que inevitavelmente mexe no espaço público, e surgiu, em meados do ano passado, um grupo de cidadãos com uma proposta concreta para um “superquarteirão” na quadrícula de Campo de Ourique. “A primeira vez que ouvimos falar do superquarteirão foi numa intervenção feita pelo Jorge Farelo numa discussão pública”, reconhece Pedro Costa.

Ilustração da proposta do grupo de cidadãos (DR)

Jorge Farelo é arquitecto, tal como Rita Castel’ Branco. Juntamente com outros cidadãos do bairro e também com Mário Alves, presidente da associação Estrada Viva, Sandra Nascimento, presidente da APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil, estão propor um “superquarteirão” como os que foram criados em Barcelona. Lançaram uma petição, criaram uma ilustração do conceito e desenvolveram materiais informativos, que têm vindo a distribuir junto da população local. Ao mesmo tempo, estão a trabalhar com a Junta de Freguesia.

A sua ideia é mais ambiciosa do que aquela que vai ser implementada agora durante nove dias em Setembro. “É pegar em nove quarteirões e tirar o trânsito de atravessamento dentro do miolo desses nove quarteirões. Daí o nome do superquarteirão. Em vez de haver trânsito em todas as ruas, passa a haver o tal superquarteirão, constituído por nove quarteirões, dentro dos quais existe acesso local – as pessoas podem ir e estacionar – mas não existe tráfego de atravessamento de A para B”, explicou Rita Castel’Branco em entrevista ao jornal Mensagem de Lisboa. No fundo, o grupo de cidadãos pretende trazer para Campo de Ourique a transformação que viram acontecer em Barcelona, onde se tem estabelecido amplas zonas predominantemente pedonais, onde o carro só vai se precisar mesmo – isso inclui, naturalmente, cargas e descargas e também acessos a garagens.

A proposta de circulação rodoviária do grupo de cidadãos (DR)

No cenário proposto por Jorge, Rita, Mário e Sandra, o Jardim da Parada também seria prolongado de fachada a fachada com trânsito rodoviário apenas nas esquinas; esse trânsito, como referido, seria muito reduzido e circunstancial, pois todas as ruas que iriam entroncar no jardim passariam a ter um desenho pedonal e contar com espaços verdes. Por outro lado, a necessidade de estacionamento poderá ser ressarcida através do novo parque previsto para a Pátio das Sedas com 600 lugares, do silo de 80 lugares projectado para a Travessa Bahuto, perto do Cemitério dos Prazeres, ou até mesmo de um acordo com o Centro Comercial das Amoreiras para a cedência de estacionamento durante a noite. Ou seja, poderia ser feita uma transferência do estacionamento à superfície para o estacionamento em parque, de modo a dar outros usos a esse espaço público superficial. Tal como fez Barcelona.

De Barcelona para Lisboa

Nos “superquarteirões” de Barcelona, o barulho dos carros não se faz ouvir, sendo substituído pelo som de pessoas a falar, de crianças a brincar ou dos pássaros. O ar é mais fresco devido à maior cobertura verde e também menos poluído – num dos superquarteirões da capital catalã, verificou-se uma diminuição da concentração de dióxido de azoto em 25% e de partículas poluentes em 17%. Os carros podem entrar se precisarem, mas circulam devagar e respeitando o espaço enquanto zona de coexistência, onde a prioridade é dada ao peão e o limite de velocidade é de 20 km/h. Há espaços para as cargas e descargas serem feitas na mesma e outras zonas para paragens rápidas, seja para descarregar um volume maior ou para apanhar um passageiro com a sua mobilidade condicionada. No entanto, como a prioridade é dada ao caminhar, as pessoas acabam por fazer a sua vida a pé, ou mesmo de bicicleta, incluindo ir a supermercados de bairro satisfazer as suas necessidades.

Em Barcelona, os “superquarteirões” são possíveis devido à organização da cidade em quadrículas, onde é fácil estabelecer uma hierarquia viária constituída por artérias principais, de atravessamento, e por uma malha de ruas interiores, de velocidade reduzida, destinada a trânsito local. A cidade espanhola chama a essas ruas de “eixos verdes”. Também Campo de Ourique, como outras freguesias de Lisboa, têm uma malha quadriculada onde pode ser feita uma reorganização do trânsito, bloco a bloco, definindo eixos de atravessamento (como a Rua Ferreira Borges) e deixando o interior do bairro para deslocações preferencialmente pedonais.

A malha urbana de Campo de Ourique e a zona onde se perspectiva o “superquarteirão” (grafismo LPP com imagem de satélite de Google Earth)

“A chegada do Metro nunca poderia ser um momento para destruir o Jardim da Parada e, além da necessidade de defesa do jardim, não se poderia desperdiçar a obra enquanto oportunidade para pensarmos e discutirmos colectivamente de que forma se valorizaria este espaço central da freguesia”, garante o Presidente da Junta de Campo de Ourique.

Dar espaço às pessoas no bairro

Pedro Costa não se compromete com o estabelecimento de um “superquarteirão” como o que o grupo de cidadãos está a propor, isto é, com a transformação dos oito quarteirões em redor do Jardim da Parada e respectivos arruamentos – a autarquia de Campo de Ourique está a olhar apenas com o encerramento à circulação automóvel da envolvente deste jardim, tal como vai ser feito nestes nove dias. Mas o Presidente da Junta de Campo de Ourique tem ambição para transformar toda a quadrícula do bairro, tornando-a numa grande zona de velocidade reduzida (máximo de 30 km/h), onde seja confortável andar a pé porque existe arborização a dar sombra e frescura, onde o espaço público seja acessível a todas as pessoas com passadeiras acessíveis e seguras, e onde não exista tráfego de atravessamento.

Em concreto, a Junta de Campo de Ourique quer:

  • 30 km/h: “O modelo de circulação que temos para o bairro todo passa pela expansão das actuais Zonas 30. Não há nenhum motivo para que haja circulação em qualquer rua de Campo de Ourique a mais de 30 km”, declara Pedro Costa, comprometido não só com a alteração dos limites de velocidade, mas também com “pequenos ajustes que podem ser feitos sem grande dificuldade, como o estacionamento em gincana, para garantir que os 30 km/h são cumpridos”.
  • tráfego de atravessamento: “Vamos ter de começar a retirar algumas viagens e mexer em sentidos de trânsito para garantir que Campo de Ourique não tem tráfego de atravessamento”, perspectiva Pedro Costa. A Junta de Campo de Ourique está a trabalhar num plano para todo o bairro, sendo que a ideia é ir implementando. “Este é do tipo de obras que convém ir fazendo, porque há problemas inesperadas que surgem quando mexemos no sentido de uma rua ou de outra. Mesmo os modelos de simulação dos fluxos de trânsito têm ainda muitas falhas.” Para o autarca, inverter sentidos quarteirão a quarteirão e alterar também para onde se pode virar vai, além de retirar o trânsito de atravessamento, também acalmar velocidades. “Não permitir andar a direito, de ponta a ponta, também resolve esse problema. Mas há algumas travessias de ponta a ponta que devemos manter, até porque por razões de segurança é preciso haver pelo menos dois canais de emergência”, adianta. “Este é o um plano que estamos a fazer para todo o bairro. É um projecto ainda muito jovem e que precisa de contributos de muita gente, da Direcção Municipal de Mobilidade, dos bombeiros, etc.”
Fotografia LPP
  • 100% de passeios livres de automóveis: crítico do estacionamento abusivo e da fraca fiscalização por parte das autoridades, Pedro Costa admite “uma solução que não é a preferida mas que é eficaz: a colocação de pilaretes para garantir que os carros cumprem os limites do estacionamento”. “Não podemos estar constantemente dependentes de a policia fiscalizar ou não fiscalizar”, indica o Presidente da Junta;
  • passadeiras seguras e acessíveis: “Queremos garantir que todas as passadeiras são seguras para todos os que as atravessem”, explica Pedro. “Além do rebaixamento, que permite a circulação de carrinhos de bebé, de cadeiras de rodas e de quem tem mais dificuldade em vencer a altura do lancil, também vamos colocar equipamentos para cegos, como guias tácteis, em todos os atravessamentos.” O plano de rebaixamento e acessibilidade das passadeiras vai ser acompanhamento por intervenções nas esquinas das ruas, onde se prolongará o espaço pedonal para diminuir a largura do atravessamento, aumentar a visibilidade dos peões pelos automobilistas e impedir o estacionamento abusivo que muitas vezes é feito nessas esquinas, em cima das passadeiras.
  • uma árvore em cada esquina: até 2025, Campo de Ourique quer plantar 200 árvores. “É o que consta do estudo prévio que já enviámos para a Câmara”, que nos vai financiar parte deste projecto. “O Metro paga-nos 50 árvores”, como compensação pelas obras no Jardim da Parada. “O objectivo é que haja uma árvore em cada esquina” mas também criar corredores verdes pedonais que liguem os espaços verdes da freguesia, por exemplo, entre a Praça Afonso do Paço, numa das pontas da malha do bairro, e a Igreja de Santo Condestável. “Não podemos continuar a assumir que as pessoas vão circular a pé no bairro de Campo de Ourique sem lhe darmos conforto térmico. Só conseguimos esse conforto com a instalação de árvores. Basta andar na Ferreira Borges para perceber a diferença em relação a circular noutra rua paralela do bairro, mesmo sabendo que a Ferreira Borges é a rua do bairro com mais árvores.”
Recorte do estudo prévio do plano de arborização (via JF Campo de Ourique)

Os planos da Junta de Freguesia de Campo de Ourique são ambiciosos, tendo em conta o que nos vai chegando de outras freguesias da cidade. De 9 a 17 de Setembro, vai ser testado um “superquarteirão” no Jardim da Parada, prolongando-o até às fachadas dos prédios – uma ideia que está a reunir consenso político e também junto da população, e que partiu também de uma proposta de cidadãos. É provável que o novo modelo venha a ser implementado em definitivo aquando da chegada do Metro à freguesia, ao mesmo tempo que todo o bairro se transforma com ruas mais calmas, mais verdes, mais frescas e mais seguras.

Na Praça da Alegria, na freguesia de Santo António, também está a ser promovido um “superquarteirão” ainda que com moldes diferentes. Aqui a iniciativa pretende apenas o encerramento da envolvente da praça aos carros no último domingo de cada mês, entre Abril e Junho. Como o LPP verificou na primeira edição, que decorreu a 30 de Abril, a iniciativa registou pouca adesão, decorrente também de ter sido parcamente comunicada (como tem sido nos vários meses, aliás); vimos também as pessoas a ocupar o espaço que normalmente ocuparam no jardim. Para a envolvente da Praça da Alegria não há nenhum plano conhecido de alteração dos sentidos de trânsito para retirar da praça todo o tráfego de atravessamento que se verifica entre a Avenida da Liberdade e o Príncipe Real, de modo a estabelecer uma circulação mais local e mais pedonal na zona.

Mário Rui André

Jornalista e editor do Lisboa Para Pessoas, jornal local sobre Lisboa e a área metropolitana. Tenho 30 anos de vida na capital e 10 anos de experiência em comunicação social, tendo co-fundado o Shifter, uma revista independente e de referência na área da tecnologia. Estudei publicidade e marketing na Escola Superior de Comunicação Social e, mais tarde, jornalismo e comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Escrevo sobre Lisboa e sobre cidades, mobilidade e urbanismo no geral. Acompanho uma visão mais humana do espaço público, e sou pela cidadania e pela transparência da parte dos órgãos governativos.Ver Posts de autor

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